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APP é uma área na qual, por imposição da lei, a vegetação deve ser mantida intacta. O regime legal de proteção da APP é rígido, visando à intocabilidade, admitida excepcionalmente a supressão da vegetação, em casos de utilidade pública ou interesse social previsto por lei.

De acordo com o Código Florestal (Lei Federal n.º 4.771/65), as APP apresentam a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora e o solo, além de assegurar o bem-estar da população humana e das gerações futuras. Para analisar essa função ambiental, busca-se uma bibliografia que apresenta abordagens específicas de cada um dos tipos considerados.

• Faixa marginal de cursos d’água

Uma das principais funções das APP das margens dos cursos d’água (zona ripária) é dar suporte à grande diversidade de fauna e flora, devido ao potencial de abrigar espécies adaptadas às condições de alta umidade e/ou encharcamento do solo, configurando importantes áreas para alimentação e dessedentação de espécies da fauna terrestre e aquática (CAMPOS, 2010).

De acordo com Schäffer e Prochnow (2002, apud SCHÄFFER et al., 2011) a vegetação nativa protege as nascentes e margens de cursos d’água da mesma maneira que os cílios protegem os olhos. Assim, a mata ciliar cobre e protege o solo, deixando-o mais permeável e fazendo com que funcione como uma espécie de esponja e absorva a água das chuvas. Portanto, em vez de ir direto para o rio, a água penetra na terra, evitando as enxurradas e regulando o ciclo da água. Através das raízes, a mata ciliar evita a erosão e retém partículas de solo e materiais diversos que, com a chuva, poderiam acabar assoreando o leito dos rios.

As zonas ripárias são corredores extremamente importantes para o movimento da fauna silvestre, oferecendo condições favoráveis à vida, na proteção e abrigo e na dispersão vegetal (MMA, 2005). Zanini (1998) e Soares (2000) enfatizam que a vegetação marginal dos corpos d’água está diretamente ligada à manutenção do equilíbrio do ecossistema aquático, da diversidade de espécies tanto da flora quanto da fauna e da estrutura genética de suas populações.

A preservação da vegetação ripária é fundamental para a proteção de córregos e rios, principalmente os que atravessam as cidades, sujeitos a um elevado grau de intervenção antrópica. Campos (2010), Hinkel (2003), Lindner & Silveira (2003) destacam que a vegetação ripária atua como filtro entre os terrenos mais altos e o ecossistema aquático, pois os sistemas radiculares das espécies existentes, além de exercer a função de sustentação, contribuem no controle do ciclo de nutrientes e retenção de sedimentos, interferindo na estruturação e infiltração d’água do solo e minimizando o escoamento superficial para os canais da bacia hidrográfica.

Hinkel (2003) verificou que “bacias com vegetação ao longo dos córregos apresentavam valores de temperatura, turbidez e cor aparente da água menores do que nas bacias com ausência de vegetação ripária, em áreas agrícolas”. As margens de cursos d’água, portanto, quando ocupadas por vegetação, tendem a retardar os efeitos erosivos das águas. Para Sopper (1975), a cobertura florestal promove a proteção contra a erosão dos solos, a sedimentação, a lixiviação excessiva de nutrientes e a elevação da temperatura da água, contribuindo, desse modo, para melhorar a qualidade da água dos mananciais de abastecimento público.

As APP, com a sua cobertura vegetal protegida, exercem um efeito tampão, reduzindo a drenagem e o carreamento de substâncias e elementos para os corpos d’água (TUNDISI et al. 2008, apud SCHÄFFER et al. 2011).

Diante das inúmeras funções ambientais das matas ciliares, a Connecticut River Joint Commissions (2008, apud CAMPOS, 2010) propõe uma delimitação da largura

mínima da extensão das áreas marginais dos corpos d’água, para o cumprimento efetivo de todos os benefícios (funções) das margens fluviais, como mostra a Figura 2.2.

Figura 2.2 - Faixas e funções da Zona Ripária.

Fonte: Connecticut River Joint Commissions (2008, apud CAMPOS, 2010).

Destaca-se, porém, a necessidade de considerar rios e lagos como parte da paisagem, portanto diretamente envolvidos por uma série de relações naturais com o relevo, a água e o solo, que não podem ser desprezadas pelos assentamentos humanos, mas consideradas como parte de seu ambiente, influindo diretamente na qualidade de vida e na qualidade ambiental.

Entretanto, para Ronald Pietre (2008), juiz de direito do TJRJ e professor da Universidade Estácio de Sá, é praticamente impossível exigir observância dessa faixa marginal na área urbana, sem prejudicar a expansão das cidades. Para ele, o Código Florestal não é o instrumento jurídico mais apropriado para a proteção das margens de rios, em ambientes urbanos, citando Petrópolis como um bom exemplo, onde a lei municipal não considera as margens dos rios que cortam o centro urbano como APP. A Lei Orgânica (Art. 170, §5º) cita apenas uma faixa marginal de 11m como área não edificável, “reservando-se ao município a prioridade para a construção de vias de acesso nessas áreas”(1990).

Três anos depois, a cidade foi fortemente atingida por transbordamento de seus rios, provocando grande devastação. De acordo com Schäffer et al. (2011), os efeitos da chuva nas cidades serranas do Rio de Janeiro teriam sido significativamente menores, tanto pelas consequências ambientais, quanto pelas econômicas e sociais, se as faixas marginais de 30m em cada lateral dos rios tivessem sido respeitadas, como determina o Código Florestal.

Topos de morro e montanha

As áreas de topos de morro e montanha são caracterizadas pelas altitudes das vertentes mais expressivas e configuram-se como dispersores de águas de determinada região (CAMPOS, 2010). A legislação define topo de morro como o terço superior, para proteção permanente, reconhecido por sua capacidade de infiltração e seu potencial na recarga dos lençóis freáticos.

De acordo Casseti (2007) e Campos (2010), o topo de morro exerce uma espécie de “efeito esponja” sobre as áreas do entorno, impedindo que o escoamento superficial concentre grandes quantidades de água e provoque processos erosivos pluviais. O topo de morro plano e de solo desenvolvido tem capacidade de infiltração superior às das vertentes íngremes. Em suma: apresenta considerável potencial para recarga dos lençóis d’água.

Encosta com declividade superior a 100%

A encosta é uma forma de relevo situada entre o topo e o fundo de vale. A inclinação (ou declividade) da encosta facilita o escoamento da água pela força da gravidade. Mas o escoamento pluvial, apesar de consistir em fenômeno natural, pode ser acelerado e amplificar significativos impactos ambientais, com as condições de degradação do solo comumente encontradas. Os efeitos diretos do escoamento da água pluvial são facilmente observados e percebidos, destacando-se a erosão e os movimentos de massa, principais fenômenos causadores de outros impactos ambientais, como o assoreamento de corpos d’água e a perda de fertilidade do solo.

A classificação da encosta como APP justifica-se pelo fato de que a inclinação repercute diretamente no aumento do potencial erosivo das águas pluviais. A equação universal da perda do solo destaca esse fenômeno, sendo a declividade uma importante variável para suas projeções (CAMPOS, 2010).

A inclinação acima de 30º apresenta risco de deslizamento mais frequente. Acima de 60º, o regolito é menos espesso e, teoricamente, diminui o risco de escorregamento, mas fenômenos desse tipo já foram verificados em áreas cujo manto de regolito era pouco espesso (SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DE SÃO PAULO, 1990). Em geral, Ouro Preto não apresenta solos muito desenvolvidos e as espessuras podem variar de 0,5 a 15 m (OLIVEIRA, 2010).

Estudos do Centro de Informações de Recursos Ambientais e Hidrometeorologia de Santa Catarina (Epagri-Ciram, 2011) apontam que 84,38% das áreas atingidas por deslizamento, em novembro de 2010, nos municípios de Ilhota, Gaspar e Luís Alves (SC) haviam sido desmatadas ou alteradas pelo homem, nelas predominando reflorestamento com eucalipto (23,44%), lavouras de banana (18,75%), capoeirinha (17,19%), solo exposto (10,94%). Apenas 15,65% dos desbarrancamentos ou deslizamentos ocorreram em áreas com cobertura florestal densa ou pouco alterada, mas, no entorno destas, foram observadas algumas influências de ações humanas.

Segundo Aumond e Sevegnani (2009, apud SCHÄFFER et al., 2011), os movimentos de massa acontecem naturalmente, porém o uso e a ocupação inadequado do solo aumentam a frequência bem como a extensão da área mobilizada e da área atingida. Assim, os cortes nos morros fragilizam as encostas e as chuvas intensas e prolongadas desencadeiam escorregamentos.

O efeito da declividade tem, pois, grande influência nos processos erosivos, porém se entende que outros fatores devem ser observados, para melhor caracterização das áreas de maior propensão para deslizamentos.

• Linha de cumeada

É caracterizada por separar bacias hidrográficas adjacentes, passando pelos pontos de cota máxima entre elas, o que não significa que, no interior de uma bacia, não existam picos isolados com cota superior (INETI, 2008). De acordo com Campos (2010), trata-se de uma linha imaginária que pode ser traçada entre os cumes de montanhas mais ou menos alinhadas que, via de regra, são caracterizadas como serras.

A linha de cumeada é caracterizada por um relevo instável, pois consiste numa sequência de cumes que têm altitude mais ou menos similar, onde as formas pontiagudas foram (e vêm sendo) esculpidas pelo rebaixamento das áreas adjacentes (CAMPOS, 2009). A linha de cumeada representa importante divisor (e dispersor) de água. As áreas correspondentes aos pontos mais altos das vertentes são utilizadas muitas vezes como limites entre propriedades, cidades e estados, pela facilidade para sua localização, tanto no campo como cartograficamente.

• Nascente

Pode ser encontrada em encostas, depressões do terreno ou no nível de base representado pelo curso d’água local. Pode ser perene (de fluxo contínuo), temporária (de fluxo apenas na estação chuvosa) e efêmera (que surge durante a chuva, permanecendo por apenas alguns dias ou horas) (CALHEIROS et al., 2004).

A principal função associada à preservação da vegetação em torno da nascente é de garantir a qualidade e a quantidade da água. Pesquisadores do assunto são unânimes ao afirmar que a vegetação é um fator de extrema importância para manutenção dos recursos hídricos subterrâneos e superficiais (CAMPOS, 2009).

De acordo com Coelho Neto (1994), a água que não retorna à atmosfera recarrega o reservatório de água subsuperficial ou subterrânea e converge lentamente para as correntes

de fluxos. Em solos de boa infiltração, o fluxo d’água subterrâneo pode alimentar canais abertos (ou rios), mesmo durante longos períodos de estiagem, e esses reservatórios constituem importantes fontes de água destinada a atender ao abastecimento doméstico, às grandes áreas urbanas e industriais e à diluição de elementos solúveis residuais, merecendo atenção especial por parte dos gestores.

• Margem de lago, lagoa e reservatório artificial

O lago e a lagoa natural apresentam características muito diferentes entre si e guardam algumas peculiaridades, em comparação com os corpos d’água correntes. Mas algumas das funções ambientais de lago e lagoa são bem similares às exercidas pelo rio, sobretudo no que concerne a aspectos ligados a suas margens, como habitat de espécies, meio de remoção de nutrientes e de controle de sedimentos e enchentes (CAMPOS. 2010). De acordo com o autor, os principais fatores que diferenciam rio e lago estão ligados às dinâmicas morfológicas e sedimentares e aos fluxos de água.

Os lagos e as lagoas podem amplificar a retenção da poluição, o que representa impactos ambientais diferentes dos verificados no rio, como a grande capacidade de eutrofização devido ao baixo fluxo de água.

Os reservatórios artificiais são criados para determinados fins e podem representar tanto funções quanto impactos ambientais, portanto devem ser analisados particularmente e avaliados num contexto mais geral, associados ao ecossistema em que estão inseridos.

• Conjunto das APP

As funções ambientais das áreas definidas como APP pela legislação federal são dificilmente quantificadas e certamente extrapolam os benefícios abordados na revisão bibliográfica. O Quadro 2.1, a seguir, apresenta algumas das funções ambientais mais importantes identificadas nas APP.

Quadro 2.1: Principais funções ambientais associadas às APP.

Modalidade de APP Principais Funções Ambientais Associadas Margens de Curso d’Água

Manutenção de biodiversidade, estabilização geomorfológica das margens, manutenção da qualidade da

água, regularização da vazão hídrica, prevenção de desastres naturais.

Margens de Lagoa / Reservatório Manutenção de biodiversidade, manutenção da qualidade da água, regularização da vazão hídrica.

Topos de Morro Mitigação de processos erosivos, recarga de aquíferos. Entorno de Nascente Manutenção da qualidade da água, regularização da vazão. Declividade > 100% Mitigação de processos erosivos, prevenção de desastres

naturais.

Fonte: Adaptado de Campos (2010). De acordo com Guerra & Cunha (1996), o tipo e a percentagem de cobertura vegetal reduzem os efeitos dos fatores erosivos naturais. Estudo desenvolvido por Criado (2008) comprova que a matéria orgânica é um ótimo agente agregador do solo, cuja estabilidade aumenta, conservando os minerais, ou seja, a matéria orgânica presente no solo atua como um estabilizante e diminui a frequência dos processos erosivos.

Boin (2000) ressalta que copas das árvores possuem importante papel no controle da erosão, na medida que suas folhas absorvem o impacto das gotas de chuva e diminuem o efeito splash que causam ao entrar em contato com o solo.

Segundo Schäffer et al. (2011), a cobertura florestal natural das encostas, dos topos de morro e das margens de rio e córrego protege o solo da erosão provocada pela chuva, evitando que esta provoque inundações rápidas (enxurradas), e permite a alimentação dos lençóis d’água e a manutenção de nascentes e rios.

Segundo Bertoni (1982 apud SCHÄFFER et al., 2011), em áreas de mata nativa tem-se, em média, perda de apenas 4 kg de solo por hectare/ano, enquanto, em áreas de plantio de soja e algodão, a perda ultrapassa 20 toneladas por hectare/ano.

A proteção das APP garante harmonia e equilíbrio à paisagem, permitindo a formação de corredores de vegetação entre remanescentes de vegetação nativa, a exemplo do que ocorre com as unidades de conservação e outras áreas protegidas, públicas ou privadas. Assim, destaca-se a importância de conservar a vegetação, por motivos que vão das condições climáticas e acústicas a uma complexa relação entre conservação da biodiversidade de espécies de animais e vegetais e a sua heterogeneidade, além de inúmeros benefícios para as populações humanas inseridas nesses locais. É necessário frisar que o bem-estar das pessoas somente está assegurado se elas não estiverem sujeitas a riscos de enchente, desbarrancamento, falta d’água, poluição ou outros desequilíbrios ambientais e puderem desfrutar de uma paisagem harmônica e equilibrada.