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A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) foi o referencial teórico adotado para a elaboração do conteúdo do software, por se tratar de um método de instrução que enfatiza a aprendizagem ativa do aluno. Como abordagem de ensino, a ABP foi introduzida pela primeira vez na educação médica na década de 1960, se expandindo, ao longo do tempo, para outras disciplinas da área da saúde (ACHIKE; NAIM, 2005). Como o próprio nome sugere, a ABP visa o aprendizado resultante do processo de trabalho em direção à compreensão ou resolução de um problema com o objetivo de facilitar o aprendizado de forma eficaz, acessível e integrada com o raciocínio clínico e com as habilidades de resolução de problemas (WALSH, 2005).

A ABP é baseada na aprendizagem experiencial da teoria e parte do pressuposto que o aprendizado é otimizado quando os alunos encontram um problema ou têm experiências que desencadeiam perguntas (DOLMANS; SCHMIDT, 1994). Dessa forma, o pensamento crítico é um dos pilares da ABP, pois ao encontrar as respostas para um problema os alunos refletem sobre o processo de aprendizagem e fazem generalizações que podem, posteriormente, ser aplicadas a problemas ou experiências semelhantes (BIZZOCCHI; SCHELL, 2009).

Segundo Agbor-Baiyee (2009) o método da ABP tem cinco características principais: baseado em problemas, centrado no estudante, reiterativo, adequado a pequenos grupos e facilitação. O termo baseado em problemas se refere ao fato de que esse método requer que o currículo seja preparado como uma série de simulações de problemas realísticos. Esses problemas são cuidadosamente selecionados e desenhados para desafiar os estudantes a descobrir e alcançar os objetivos curriculares. Centrado no estudante se refere ao fato de que, para responder o problema, o aprendiz deve determinar suas necessidades e preferências de aprendizado e conduzir-se de acordo com essas. Utilizada em pequenos grupos, a ABP fornece uma dinâmica social importante que suporta o processo de aprendizagem, favorece o desenvolvimento de habilidades interpessoais, encoraja o trabalho de equipe e promove crescimento pessoal. Por fim, a característica facilitação se refere à interação entre o facilitador que faz uso desse método e os alunos. O facilitador deve manter o foco do aprendizado, guiar o processo, medir o desafio e dar feedback para cada estudante.

A ABP ganhou destaque a partir da necessidade de formar profissionais com um amplo corpo de conhecimentos, capazes de resolver problemas clínicos complexos e de tomar

decisões. Os educadores de diversos cursos da área da saúde perceberam que as estratégias de ensino tradicionais não eram suficientes para preparar os estudantes para lidar com tais demandas, o que abriu caminho para a incorporação de novos métodos e estratégias de ensino (VAN DUIJN; BEVINS, 2005). Defensores da ABP argumentam que esse método instrucional melhora as habilidades de raciocínio crítico e de solução de problemas dos alunos, facilita a aquisição de conteúdo e aumenta a eficácia do trabalho em grupos (KELLY et al., 2005).

Com relação à importância da ABP, sabe-se que essa estratégia é útil para promover o aprendizado autodirigido, a análise crítica, o raciocínio clínico e as habilidades de resolução de problemas, contribuindo para o desenvolvimento de uma aprendizagem reflexiva. A aprendizagem reflexiva é um meio pelo qual o aluno pode desenvolver e reforçar as competências necessárias para tornar-se um profissional reflexivo ao longo da vida, o que tem impacto direto no atendimento eficaz do paciente e na satisfação profissional (COOKE; MATARASSO, 2005). Além disso, considera-se que leva, aproximadamente, um ano de experiência prática para que um enfermeiro recém-graduado adquira o nível de habilidades clínicas necessárias para gerenciar, competentemente, a avaliação clínica de um paciente. Assim, preencher essa lacuna é essencial para garantir a qualidade do cuidado (ROCHE; SCHOEN; KRUZEL, 2013).

Com relação ao ensino na temática DE, algumas deficiências são relatadas como: o ensino dessa temática não é estimulado desde as primeiras disciplinas do curso, existem deficiências no conhecimento das classificações utilizadas e da fisiopatologia relacionada aos diagnósticos, existe dificuldade para diagnosticar com base em um referencial da enfermagem e o uso do diagnóstico muitas vezes é incipiente durante a vida acadêmica e na prática (ALMEIDA, 2002; LIRA; LOPES, 2011; SILVA, 2001).

Diante do exposto, entende-se que, no ensino dos DE, é essencial lançar mão de estratégias centradas na aquisição de habilidades para diagnosticar e a ABP é um método apropriada para esse fim (NAKATANI; CARVALHO; BACHION, 2000). Para Zunkel et al. (2004), as estratégias educacionais devem se concentrar na preparação dos alunos para implementar mudanças nos ambientes de prática. A ABP seria uma estratégia adequada para este fim, já que é um método que visa ajudar estudantes a se tornarem processadores de informação ativos.

Comparações entre a ABP e as estratégias tradicionais de ensino são apontadas em diversas publicações na literatura. Pesquisadores compararam a performance clínica de estudantes de medicina submetidos a uma estrutura curricular tradicional e a uma estrutura baseada na ABP e verificaram uma performance clínica significativamente melhor dos

estudantes expostos à ABP (RICHARDS et al., 1996). Em concordância com os resultados de Richards et al. (1996), autores de um estudo desenvolvido com duas coortes de estudantes de psiquiatria concluíram que o currículo da ABP resultou em uma melhora significativa do desempenho dos alunos, tanto na performance clínica quanto no conhecimento de base, quando comparados ao grupo ensinado com o currículo tradicional (MCPARLAND; NOBLE; LIVINGSTON, 2004).

No ensino da Enfermagem, estudos também destacam diversos benefícios da utilização da ABP como estratégia de ensino. Tiwari et al. (2006) verificaram que estudantes de enfermagem expostos à ABP apresentaram um incremento significativo do pensamento crítico e das habilidades de resolução de problemas em comparação com estudantes expostos a palestras. Em outro estudo, autores compararam a eficácia da ABP e das técnicas de ensino convencionais em uma disciplina de ética na saúde e verificaram que o grupo experimental pontuou escores significativamente maiores que o grupo controle. Houve também diferenças significativas na satisfação com a aprendizagem auto motivada e com o pensamento crítico entre os grupos, de forma que a ABP mostrou-se mais eficaz (LIN et al., 2010).

Outros benefícios relacionados à utilização da ABP no ensino de Enfermagem são o aumento da satisfação com a experiência educacional, o favorecimento do trabalho em equipe, a criatividade, a motivação e o desenvolvimento do pensamento crítico (DEMARCO; HAYWARD; LYNCH, 2002; MCGRATH, 2002). Além disso, estudos envolvendo enfermeiros em uma variedade de cenários de prática também apoiam a ABP como ferramenta para melhorar o pensamento crítico, a criatividade, o trabalho em equipe, as habilidades de pesquisa, a motivação para a aprendizagem, a autoestima e o profissionalismo (AMOS; WHITE, 1998; COOKE; MOYLE, 2002; WILLIAMS; SEWELL; HUMPHREY, 2002).

Com relação à aquisição do conhecimento de longo prazo, evidências mostram que os estilos de aprendizagem passivos, embora convenientes, são consistentemente negativos com o passar do tempo. Autores compararam a performance de alunos de enfermagem que assistiram palestras com a de alunos submetidos à ABP e não verificaram diferenças significativas em uma abordagem inicial. Porém, ao reaplicar o pós-teste com alunos de ambos os grupos um ano depois, verificaram que os escores do grupo submetido à ABP foram significantemente mais elevados indicando que a ABP afeta a retenção do conhecimento de longo termo (BEERS; BOWDEN, 2005).

A mudança nos padrões de interação em sala de aula também pode ocorrer como resultado da implementação da ABP. No estudo de Kelly et al. (2005), a respeito de diferentes técnicas de ensino, verificou-se que alunos que receberam palestras exibiram

predominantemente um padrão de interação aluno-instrutor, enquanto alunos que receberam sessões de ABP engajaram-se, predominantemente, em interações aluno-aluno.

As contribuições da ABP também se estendem aos docentes e ao modo como estes interagem com os alunos. Resultados de um estudo acerca da implantação da ABP em uma universidade de Taiwan mostraram que: 1) No processo de utilização da ABP, os professores também aprenderam sobre a aprendizagem ativa e trabalho em equipe. Além disso, eles descobriram que a sua capacidade de organizar e expressar-se aumentou; 2) A aprendizagem por meio de palestras foi considerada insuficiente; e 3) Os professores viram a necessidade de aprender a interagir com os alunos como parceiros na aprendizagem e de abrir mão de posturas autoritárias. Outros efeitos positivos da ABP observados no estudo foram o aumento do interesse e da participação dos alunos na aprendizagem, a diminuição do tempo do professor para preparação de palestras e o aumento da satisfação dos professores no trabalho (CHOU; CHIN, 2009).

Com relação aos custos, autores de um estudo utilizaram fórmulas matemáticas e concluíram que não há diferenças em relação ao número de professores e ao tempo necessários para implementar um currículo tradicional ou um currículo focado na ABP, mas o tempo é gasto diferentemente. Além disso, os autores verificaram que, utilizando-se o currículo da ABP, foi possível obter uma maior qualidade da educação, o desenvolvimento de competências de ensino/aprendizagem dos professores e seu engajamento em diferentes aspectos do currículo (HAMDY; AGAMY, 2011).

Mesmo diante de múltiplas evidências a favor da ABP, como as que foram citadas, é importante reconhecer que as “estratégias passivas” também são necessárias ao longo da formação profissional. Fyrenius,Bergdahl e Silen (2005) argumentam que as palestras podem ser utilizadas como ferramentas valiosas para a aprendizagem, inclusive num currículo focado na ABP. Malik e Malik (2012) propõem doze dicas para adequar as palestras didáticas à ABP, sem abrir mão dos métodos tradicionais. Dentre as sugestões dos autores destacam-se: envolver os estudantes no processo de aprendizagem; ajudar os estudantes a perceber a relevância do seu aprendizado; abordar os diferentes estilos de aprendizagem e inteligências; e promover a aprendizagem aprofundada e o pensamento crítico.

No que se refere às estratégias de ensino que podem ser empregadas com base na ABP, destaca-se o estudo de caso clínico, método de ensino frequentemente descrito na literatura de enfermagem e considerado eficaz em estimular o pensamento crítico (JONES; SHERIDAN, 1999; NEILL; LACHAT; TAYLOR-PANEK, 1997). Os estudos de casos clínicos encorajam os estudantes a trabalhar com situações-problema, gerar hipóteses e testar

essas hipóteses com base na literatura relevante e em experiências pessoais no contexto do cuidado. Além disso, são oferecidos aos alunos desafios em um ambiente seguro, estímulos para pensar criticamente e oportunidades para discutir situações da vida real e da Enfermagem, pois os casos clínicos nem sempre oferecem respostas concretas (CHEN; LIN, 2003).

O estudo de caso clínico também pode ser considerado um tipo de ABP por se basear em cenários baseados em problemas, permitir o trabalho em pequenos grupos e por enfocar, ao mesmo tempo, a resolução de problemas e a identificação das necessidades de aprendizagem. O professor usa perguntas para orientar as habilidades de pensamento e de interpretação, as suposições explícitas e implícitas e as inferências dos alunos. Essa estratégia promove aos estudantes maior responsabilidade pela sua aprendizagem (THORPE; LOO, 2003).

Além disso, problemas reais, identificados com base em experiências dos alunos, podem ser usados como foco para as discussões permitindo uma avaliação imediata e um feedback sobre o problema em discussão. Assim, o foco dos estudos de caso é a aplicação do conhecimento em vez da simples recordação do conteúdo (HOFFMAN, 2008). A exemplo, Cooke e Matarasso (2005) desenvolveram um estudo sobre a aplicação da ABP para o desenvolvimento de uma aprendizagem reflexiva no contexto da saúde mental, com foco no tema “esperança”, utilizando casos clínicos extraídos de prontuários de pacientes reais. Os autores constataram que, embora tenha sido utilizado apenas conteúdo escrito, os alunos foram capazes de refletir significativamente sobre as situações dos clientes e de explorar, criticamente, as relações terapêuticas representadas nos materiais clínicos, direcionando o aprendizado sobre a esperança e seu significado para os clientes.

O método do estudo de caso clínico também incentiva o desenvolvimento das competências de pensamento crítico em enfermagem identificadas por Scheffer e Rubenfeld (2000), incluindo análise, aplicação de normas, discriminação, busca de informações, raciocínio lógico, previsão e transformação do conhecimento. Na discussão dos estudos de caso, múltiplos pontos de vista são compartilhados, o que aumenta a aprendizagem e incentiva o desenvolvimento profissional. Além disso, os processos de pensamento envolvidos na resolução de um estudo de caso clínico incluem os domínios cognitivo, afetivo e moral (WEAVER et al., 1994).

Comparações entre o uso de estudos de caso escritos e simulações em laboratório têm sido publicadas, no entanto, não há consenso sobre qual estratégia seria mais apropriada (CANT; COOPER, 2010; POWELL-LANEY; KEEN; HALL, 2012). Resultados do estudo de Roche, Schoen e Kruzel (2013) indicam que não há diferenças quanto à satisfação e à retenção

de conhecimentos entre alunos que participaram de técnicas de simulação em laboratório e alunos que solucionaram casos escritos sobre pacientes em situações clínicas complexas. Acreditamos que, em algumas situações, as simulações podem ser mais apropriadas para a retenção de determinados conhecimentos ou habilidades que os estudos de caso e vice-versa, enquanto em outras, ambas as estratégias podem contribuir de forma equivalente para o desenvolvimento de habilidades clínicas pelos alunos.

Dentre as vantagens do desenvolvimento de estudos de caso estão: a padronização, pois cada indivíduo que usa um estudo de caso clínico recebe os mesmos dados e de forma consistente; a representação de situações clínicas importantes, usuais, familiares e desafiadoras; a restrição da complexidade da prática, de modo que os aspectos específicos da prática podem ser discutidos, analisados, ou medidos; o envolvimento por parte do utilizador como se fosse uma situação clínica real; e o custo relativamente baixo. Em contraste, as situações clínicas estão constantemente mudando e tornando-se mais complexas, dificultando a captação da essência do conteúdo a ser ensinado. Além disso, algumas vezes as oportunidades para o uso do conhecimento na prática são limitadas (LUNNEY, 2008).

Vale destacar que os estudos de caso são difíceis de desenvolver, levam tempo, energia e compromisso, e não podem ser feitos sem pensamento e esforço considerável, sobretudo quando se referem a fenômenos de Enfermagem, os quais são complexos e ricos em aspectos subjetivos. Waltz, Strickland e Lenz (2005) sugerem que para desenvolver um bom estudo de caso clínico é necessário, no mínimo, que seja realizada a validação de aparência, isto é, profissionais com educação e experiência na área devem concordar que o estudo de caso clínico representa a situação para a qual foi desenvolvido. Estudos de caso desenvolvidos como ferramentas de pesquisa ou para auxiliar decisões (por exemplo, para atribuir notas a alunos), devem ser validados também quanto à confiabilidade antes de ser utilizados. Neste trabalho, será adotado o termo caso clínico para se referir aos estudos de casos clínicos.