• Nenhum resultado encontrado

Aprendizagem, negociação de significados, participação e reificação

CAPÍTULO 3 TEORIA SOCIAL DA APRENDIZAGEM

3.4 Aprendizagem, negociação de significados, participação e reificação

Aprender não é uma atividade que se dá apenas em um ambiente específico, pois todos os ambientes são privilegiados para tal. Aprender é inevitável, logo aprendemos a todo instante. Situações que nos desafiam a ir além de nossa capacidade, que nos levam a nos comprometer com novas práticas e consequentemente nos agregarmos a novas comunidades são situações que produzem aprendizagens significativas. Portanto, “aprender é uma parte integral de nossa vida cotidiana” (WENGER, 1998, p. 26). Nesse sentido, uma teoria social de aprendizagem não tem seu foco na transmissão do saber do professor para o aluno, mas sim na produção de conhecimento, que se dá através da negociação de

significados que acontece quando participamos de CoP.

O significado não é algo que se dá através de uma tarefa mecânica ou num procedimento abstrato. As práticas cotidianas, as situações que se repetem no nosso dia a dia são espaços que nos permitem produzir significados. Por exemplo, um grupo de professores, que almoça juntos todos os dias,

já têm seu lugar à mesa, o tipo de comida que costumam comer, um vocabulário próprio e assim por diante. Porém, mesmo que tudo o que ocorra ali já nos seja familiar, cada palavra dita, cada atitude tomada produzirá significados que confirmam, ampliam, modificam os significados anteriores. “Nesse sentido, viver é um processo constante de negociação de significado” (WENGER, 1998, p. 77). Por sua vez, a negociação de significados supõe a interação entre dois outros processos: a participação e a reificação (CYRINO et al., 2014).

A negociação de significado, portanto não diz respeito apenas a um acordo verbal, mas envolve atenção a constantes ajustes entre pessoas que buscam conquistar um mesmo propósito.

Ou seja, viver de forma significativa implica numa participação constante no mundo, numa interação contínua entre indivíduos que dialogam, influenciam, mudam de opinião, ressignificam situações ao longo do tempo, enquanto buscam conquistar um propósito comum. Portanto, o significado é algo construído com o passar do tempo, que supõe ação e interpretação. Ele “é histórico, dinâmico, contextual e único” (WENGER, 1998, p. 78).

Vale considerar ainda, que participar é fazer parte de algo, estabelecer relação com o outro, seja de forma pessoal, seja de modo social. Logo, a participação se refere a “experiência social de viver no mundo” (WENGER, 1998, p. 80), nos associando a comunidades sociais e intervindo nos propósitos definidos por elas. Sendo assim, “é um processo complexo que combina fazer, falar, pensar, sentir e pertencer. Nele toda nossa pessoa intervém, incluindo corpo, mente, emoções e relações sociais” (WENGER, 1998, p. 80).

É importante destacar que participar não é a mesma coisa que colaborar. Entrar em conflito, atrapalhar, não colaborar também são formas de participar de uma CoP. E todas essas formas de participar moldam uma determinada CoP, ao mesmo tempo que criam a identidade de participação dos indivíduos que a constituem.

Quando participamos do mundo, negociamos parte dos significados de uma prática, porém essa negociação tem que se concretizar de alguma forma, caso contrário essas significações ficariam apenas em nossa memória e, com o passar do tempo, certamente se perderiam. Portanto, ao participarmos do mundo, de uma comunidade social, negociamos significado oralmente e os reificamos, os “congelamos” na forma de registros escritos, esquemas, acordos, hábitos, símbolos entre outros. Reificar é, portanto, “cristalizar” significados da prática, de tal forma que depois seja possível transferi-los para outros espaços físicos e/ou temporais.

Enquanto, na participação nos reconhecemos mutuamente, criando nossa identidade, na

isoladamente, ela tem determinado significado em um determinado contexto. As cores verde e amarelo, no período de Copa do Mundo, por exemplo, certamente tem um sentido para nós brasileiros, mas muito provavelmente não faz sentido algum para outras pessoas, e isso se dá justamente, pelas diferentes

negociações de significados, em diferentes comunidades, nas quais as pessoas participam.

A participação e a reificação não podem ser consideradas separadamente. Embora sejam distintas, se complementam, sendo canal de construção de aprendizagens, como mostrado na figura 3.

Figura 3. A dualidade da participação e da reificação.

(WENGER, 1998, p. 8)

Enquanto a participação se refere às ações de viver, experimentar o mundo, vivenciar a mutualidade, a reificação diz respeito às formas concretas de representar essa vivência. Sendo assim, uma complementa as limitações da outra, sem que a participação sobressaia à reificação e vice-versa. A

reificação, se não estiver dentro de um contexto de participação, ou perde ou assume outro significado.

Por isso ela precisa estar acompanhada da participação de indivíduos que resgatem esse significado constantemente. Por outro lado, enquanto a participação se perde no tempo, a reificação ajuda, eternizando os significados produzidos. Portanto, a participação é necessária para que haja reificação e as reificações já existentes influenciam a participação atual numa comunidade, ou seja, assim como a

participação se organiza em torno de objetos da reificação, essa só existe porque há participação

(WENGER, 1998).

A participação e a reificação existem de maneiras distintas no tempo e atuam diferentemente, como memória e esquecimento, como fonte de continuidade e descontinuidade.

formas que se mantém e se modificam, ao longo do tempo, seguindo suas próprias diretrizes. Ela permite que a prática significada pelos membros de uma CoP deixe marcas no mundo, que nos levam a renegociar

significados para os produtos passados. Sendo assim, as reificações não têm um sentido fixo. Elas são

mutáveis, estando abertas a novas ressignificações. Elas não são uma simples recordação do passado, uma simples materialização, elas são recursos capazes de nos chamar atenção para novas formas de estabelecer relações com o mundo (WENGER, 1998).

Já a participação, como “fonte de recordação e esquecimento” (WENGER, 1998, p. 118), produz lembranças e identidade. Segundo Wenger (1998), nosso cérebro transforma nossas experiências de participação em memórias que podem ser revisitadas e nos dar a percepção de uma trajetória, que interpretamos como quem somos. A participação também é um processo aberto. À medida que as formas de participação e as perspectivas mudam, somos levados a experimentar a vida de novas formas, a estabelecer novas trajetórias e novos significados.

Portanto, a negociação de significado depende da complementariedade da participação e da

reificação. Ao controlar a participação e a reificação, controla-se também o tipo de significado negociado

na CoP (WENGER, 1998), resultando numa prática que é reproduzida, renegociada e reafirmada no decorrer do tempo.

Sendo assim, da mesma forma que uma comunidade se constitui ao longo do tempo, uma prática também se desenvolve ao longo desse período. Porém, ela não depende simplesmente de um tempo mínimo; ela também depende das relações de compromisso mútuo que os indivíduos mantêm na conquista de um propósito conjunto, para compartilharem uma determinada aprendizagem. Sendo assim, “as comunidades de prática podem ser concebidas como histórias de aprendizagens compartilhadas” (WENGER, 1998, p. 115), ou seja, como trajetórias de aprendizagem. Sendo assim, Wenger (1998) apresenta três observações:

1) A prática não é fixa, mas uma combinação de continuidade e descontinuidade;

2) A aprendizagem na prática supõe as três dimensões que definem uma CoP (compromisso

mútuo, propósito conjunto e repertório compartilhado)

3) A prática não é um objeto, mas uma estrutura emergente que persiste pelo tempo, que pode ser modificada.

Como o mundo não é estável, a prática acaba por ser instável também. Ela é sempre reinventada, mesmo que continue sendo a mesma prática. Os integrantes de uma comunidade constantemente têm que responder a demandas que não são fixas, e isso reflete numa participação adaptativa e dedicada desses indivíduos e suas relações. Logo, “a prática se refere a significado como

experiência da vida cotidiana” (WENGER, 1998, p. 76).

Portanto, a aprendizagem é um processo contínuo, que se produz através da participação em CoP ou CoPL. Vale salientar, porém, que isso não quer dizer que tudo o que fazemos é aprendizagem (WENGER, 1998). A aprendizagem, nesse caso, envolve nossas práticas e nossa capacidade de negociar e renegociar significados, formando assim uma identidade individual e coletiva, que não é fixa, mas que pode ir mudando com o passar do tempo.