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CAPÍTULO 3 TEORIA SOCIAL DA APRENDIZAGEM

3.3 Comunidades de prática

As comunidades de prática (CoP) são grupos de pessoas, constituídos ao longo do tempo, que trabalham de maneira conjunta a fim de atingir um mesmo propósito. Lave e Wenger (1991, p. 98) definem uma CoP como “um conjunto de relações entre pessoas, atividades e o mundo ao longo do tempo e na relação com outras CoP tangenciais e sobrepostas.”

A partir dessa caraterização é fácil ver que todos nós pertencemos a diversas CoP. De fato, segundo Wenger (1998) elas estão por toda parte: nossa família, que constitui hábitos ao longo do tempo, a fim de se manter unida; equipes de trabalho, que encontram formas de manter a harmonia, para que o serviço seja feito; grupos de teatro, que se reúnem para ensaiar uma peça, entre outras. Logo, as CoP não são, necessariamente, um espaço formal, podendo se constituir também de maneira informal. Todas elas são espaços onde aprendemos a ser quem somos e a fazer o que fazemos. Elas surgem de um interesse comum, sendo formadas por indivíduos que se envolvem num processo coletivo de aprendizagem.

As CoP são compostas por pessoas que compartilham diferentes contextos e diversas experiências, sendo assim heterogêneas. Esse grande embate de ideias distintas, de formas ímpares de assumir o seu papel naquele grupo, gera negociações de significados que vão se alterando a cada novo argumento, a cada novo participante e, consequentemente, gerando aprendizagens variadas (LAVE e WENGER, 1991). Portanto, quando falamos de CoP, falamos de um grupo que se renova sempre, e que obtém suas aprendizagens a partir de uma prática compartilhada e negociada.

A estrutura de uma CoP compreende três elementos: domínio, comunidade e prática. O

domínio de uma CoP é seu elemento fundamental, consiste numa área de conhecimento ou de interesse

da comunidade. A comunidade por sua vez, diz respeito às pessoas que integram uma CoP, que interagem e constroem relações entre si. Por fim, a prática consiste no conhecimento compartilhado pelos membros de uma CoP; são as estruturas, as ideias, as ferramentas, as histórias, os documentos compartilhados pelos integrantes dela (Wenger, 1998).

Uma sala de aula de matemática, por exemplo, possui elementos que a aproximam de uma CoP. Embora sua constituição não aconteça de maneira livre, ela se mostra como um espaço onde professores e alunos estabelecem regras, criam ferramentas e histórias de aprendizagem, descrevem trajetórias nas quais se aprende e se forma uma identidade. Sendo assim, é possível estabelecer uma conexão entre a sala de aula de matemática e os três elementos de uma CoP, sendo que seu domínio é o ensino e a aprendizagem da matemática, a comunidade é formada pela professora e alunos e a prática ali presente são os conhecimentos e as ferramentas produzidas por estes indivíduos. Mas esse não é o único

tipo de comunidade que se forma na escola. Nela podem se constituir, também, comunidades informais, como um grupo de amigos ou um grupo de estudos. Assim, muitas comunidades não têm um nome nem seus membros possuem carteirinha de afiliação, elas se constituem ao longo do tempo, e possuem um

domínio compartilhado por ela.

Segundo Wenger (1998), a participação em CoP implica em aprendizagens de diversas naturezas:

• Para os indivíduos, significa que a aprendizagem envolve participar e contribuir com as práticas de suas comunidades;

• Para as comunidades, significa que a aprendizagem consiste em refinar sua prática e garantir novos membros;

• Para as organizações, significa que a aprendizagem consiste em sustentar comunidades interligadas de prática, através das quais uma organização sabe o que sabe e, consequentemente, torna-se eficaz e valiosa como organização. (WENGER, 1998, p. 25)

Portanto, a aprendizagem compreendida como participação envolve sentidos diferentes para o indivíduo, para a comunidade e para a organização formada pelo conjunto de comunidades da qual o indivíduo pertence. Porém, todos esses sentidos se interconectam. Quando uma pessoa participa e contribui com uma CoP, ela está ajudando-a a se manter. E, uma vez que participe de diversas comunidades, todas estas são responsáveis por constituir essa pessoa. Por exemplo, a temática trazida nessa pesquisa – educação financeira – pode ser discutida por meus alunos tanto na comunidade que é a sala de aula de matemática, como na comunidade formada pela família deles ou numa comunidade composta por amigos. Contudo, cada uma dessas comunidades têm uma prática diferente o que certamente resultará em formas diversas de negociar os significados para a educação financeira e, consequentemente em aprendizagens diferentes, decorrentes dessa variedade de trajetórias percorridas pelas comunidades.

Wenger (1998) estabelece três dimensões da prática de uma CoP: o compromisso mútuo, o

empreendimento articulado e o repertório compartilhado.

O compromisso mútuo dos integrantes de uma CoP é a primeira dimensão que a define. A prática só existe porque existem pessoas que participam de ações, cujos significados são negociados de forma mútua (WENGER, 1998). Embora a prática suponha o uso de artefatos constituídos historicamente, ela não consiste apenas nessa ação. Por exemplo, uma empresa que tem um formulário de serviço a ser preenchido, que foi elaborado há anos, faz uso dele diariamente, porém, cada trabalhador novo precisa aprender como utilizá-lo e, para isso, os mais velhos têm que se envolver, ensinando como se dão os trâmites. Dessa forma, todos se comprometem com o processo de maneira mútua. Portanto, a prática consiste na negociação de significados que se dá quando pessoas participam de uma CoP, podendo assim, “fazer o que fazem”. (WENGER, 1998, p. 100)

ou afinidade. Um grupo de pessoas pode estar num mesmo ambiente, executando um mesmo trabalho, mas individualmente, não abrindo espaço para a negociação de significados. Fazer parte de uma CoP é participar, se comprometer mutuamente, tomar parte das ações, das decisões, das negociações de

significados que a comunidade propõe.

Para que haja um comprometimento mútuo por parte dos participantes, primeiramente tem que haver condições para que os participantes se comprometam, eles têm que ser incluídos no propósito da CoP.

Outro ponto importante a se destacar quando falamos em compromisso mútuo, é o fato de que as CoP não são homogêneas. Embora tenham um empreendimento articulado, sua formação é heterogênea, cada participante assume seu compromisso de maneira diferente, criando uma identidade própria e única na CoP e contribuindo de acordo com seu perfil. Os fatores que levam à filiação numa CoP podem ser variados: afinidade, propósito, desafio de participar de algo novo; assim como os vínculos criados ali também são múltiplos: concordância, conflitos, brigas, entendimento. Mas o fato, é que, a partir do momento que se faz parte dela, a pessoa se dispõe a contribuir para o desenvolvimento daquela CoP.

A segunda dimensão que define a prática de uma CoP é o empreendimento articulado negociado por ela. A respeito desse propósito, Wenger (1998) faz três observações: o propósito é negociado mutuamente; ele é definido pelos indivíduos de uma comunidade ao mesmo tempo que o realizam; e por fim, é o que permite aos participantes estabelecer relações de responsabilidade mútua, que se convertem em parte da prática.

O empreendimento articulado de uma CoP é resultado de uma negociação que reflete toda a complexidade existente nas relações de compromisso mútuo. Ele não advém de um simples acordo entre os participantes de uma comunidade; pelo contrário, o propósito é dito conjunto, pois é negociado coletivamente, dentro de toda a heterogeneidade existente nos integrantes de uma CoP.

Embora as CoP não sejam grupos independentes, elas estabelecem seu próprio propósito de forma conjunta e autônoma. A prática de uma CoP se desenvolve ao longo do tempo e é limitada por condições que muitas vezes escapam do controle de seus membros e, em resposta a essas condições, a CoP estabelece seu propósito.

As condições, os recursos e as demandas só compõem a prática quando foram negociadas pela comunidade. O propósito nunca está totalmente determinado por uma ordem externa, uma regra ou um participante isolado. Mesmo quando uma comunidade de prática surge em resposta a um mandato externo, a prática evolui para se tornar a resposta da própria comunidade a esse mandato. (WENGER, 1998, p. 107)

Por mais que determinantes externos influenciem, em certa medida, o empreendimento

prática. Portanto, os fatores externos não agem diretamente sobre a determinação do propósito mútuo de uma comunidade, já que ele é negociado através da prática da CoP.

A negociação de um empreendimento articulado origina relações de responsabilidade mútua entre as partes envolvidas (WENGER, 1998). Este regime de responsabilidade mútua é essencial para se definir as circunstâncias em que, como indivíduo ou como comunidade, seus membros se envolvem com a prática, negociando novos significados.

A terceira dimensão que caracteriza uma CoP é o repertório compartilhado desenvolvido por ela:

O repertório de uma comunidade de prática inclui rotinas, palavras, instrumentos, maneiras de fazer, relatos, gestos, símbolos, gêneros, ações ou conceitos que a comunidade tenha produzido ou adotado durante o curso de sua existência e que tenha passado a fazer parte de sua prática. O repertório combina aspectos reificadores e de participação. Inclui o discurso pelo qual os membros da comunidade fazem afirmações significativas sobre o mundo, ademais são os meios pelos quais expressam suas formas de afiliação e sua identidade como membros. (WENGER, 1998, p. 110)

Uma CoP não existe sem um fim e, justamente no intento de atingir seus objetivos, ela cria ferramentas, institui rotinas, regras, vocabulários próprios, que também formam a identidade de quem participa dela. Este repertório é resultado, portanto, da constante negociação de significados que ocorre na CoP.

Portanto, a negociação de significados que se dá numa CoP envolve a participação de todos seus integrantes, através do compromisso, e das discussões que eles estabelecem, resultando assim em aprendizagens situadas naquela comunidade.