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CAPÍTULO 5 ANÁLISE

5.1 Trajetória de aprendizagem do grupo 1

O grupo 1 era formado por Carlos, Marcia, Eric e Marcos8. Os três primeiros costumavam participar bastante das aulas de matemática; tiravam suas dúvidas, faziam as atividades e conversavam muito. Já Marcos era um aluno tímido; não sendo comum vê-lo conversando com os colegas ou me chamando para tirar dúvidas. Contudo, sempre realizava as atividades. Os quatro tinham bastante amizade, o que os levou a formarem um grupo.

Na primeira parte da tarefa, que foi a produção da lista de palavras, cada um dos quatro alunos acima apresentou as palavras que se mostram no quadro 6.

Quadro 6. Relação de palavras de cada um dos alunos do grupo 1.

Integrante Palavras

Marcos Financeiro, planejamento, conta, alimentação, prejuízo, parcelas, contabilidade, empréstimo, meio de transporte e logística.

Marcia Contas, financiamento, logística, administração, planejamento, parcelas, falência, contabilidade, prejuízo e empréstimo.

Carlos Economizar, investir, trabalho, despesas, gráficos, mente forte (não gastar à toa), gastos, lucros, dinheiro e educação.

Eric Dinheiro, educação, economia, gastos, lucros, contas, trabalho, raciocínio, aluguéis e compras.

(Registros dos alunos do grupo 1, 2018)

Tomando como base essas palavras e as dos demais alunos, elaborei a nuvem de palavras (ANEXO 2), que foi entregue a todos eles. A maioria das palavras do grupo foram as que ganharam maiores destaques na nuvem, o que demonstra que o grupo já compartilhava de um ponto de partida bastante próximo.

A próxima etapa da aula foi a realização da roda de conversa. Nesse momento, todos os alunos

da turma apresentaram pelo menos uma palavra da nuvem, dizendo seu significado e sua relação com a educação financeira. Deste grupo, foi Marcia quem se destacou. Ela foi a primeira a se manifestar, falando sobre a palavra prejuízo.

A conversa seguiu com os colegas apresentando outras palavras. Marcia e Marcos, que estavam sentados lado a lado, em alguns momentos mantiveram uma conversa paralela. Um dos alunos falou sobra a questão de gastos e perguntei se eles trabalhavam. Responderam que não. Questionei, então, com que dinheiro eles compravam suas coisas. Novamente Marcia tomou a palavra: “Eu ajudo a minha mãe, eu arrumo a casa..., mas minha mãe só compra roupa pra mim quando eu vou sair.” (Fala de aluno, 2018)

Eric pediu a palavra e leu o que pesquisou sobre amortização. Marcos foi o próximo, explicando o que é o Crefisa. Aproveitei a oportunidade para abrir uma discussão sobre empréstimos, poupança e taxas de juros. Falei qual era o valor médio da taxa de juros para um empréstimo e qual era para um investimento bancário e eles se espantaram com a diferença dos números. Nesse momento Marcia falou que seus pais abriram uma poupança para ela, a fim de ajudar a pagar seus estudos, quando estiver na faculdade. Na sequência, Carlos falou sobre orçamento e a conversa continuou com as colocações dos demais alunos.

Continuando a discussão, abri espaço para que falassem sobre os planos deles para o futuro. Marcia falou que planejava fazer engenharia ou arquitetura, mas como os pais teriam gastos com a mensalidade da faculdade, achava melhor cursar uma faculdade próxima de casa, para continuar morando com os pais e, dessa forma, diminuir os gastos para eles. Questionei se já havia pensado na possibilidade de uma faculdade pública ou uma bolsa pelo Enem. Ela respondeu dizendo que seu primo se saiu muito bem no Enem e no vestibular e estava fazendo uma faculdade pública em Ribeirão Preto. O problema era que sua prima estava tendo que custear a sua estadia na cidade, o que não era nada fácil. Aproveitei a oportunidade e discuti com eles a possibilidade de bolsas auxílio e até mesmo de trabalho no período contrário aos estudos.

Já no final da roda de conversa, Marcia me perguntou o que era melhor, deixar dinheiro no banco ou retirar e guardar em casa. Respondi que essa seria exatamente a discussão para a próxima parte da tarefa e encerramos essa etapa.

A próxima fase foi, então, a discussão a respeito dos personagens. O grupo 1 iniciou o trabalho espalhando as folhas com o enunciado da tarefa as mesas. Depois, cada um pegou uma das folhas onde constava a descrição do personagem e fizeram a leitura, destacando no texto tudo aquilo que julgavam ser uma informação importante.

Quando terminaram de ler, começaram a se perguntar sobre o valor do salário mínimo. Como nenhum deles trabalhava, decidiram questionar os colegas, mas eles também não trabalhavam. Uma alternativa para eles, teria sido a busca do valor na internet, mas não pensaram nisso. Diante da dificuldade de saber exatamente o valor do salário mínimo, o grupo abandonou a dúvida e seguiu com a leitura, passando a explorar a opção da poupança. Carlos comentou que seria importante saberem quanto Carol tinha na conta corrente. Eric fez os cálculos. Ele considerou que durante dois anos restariam na conta de Carol R$ 300,00 por mês. Calculou, então, 24 x 300,00 = 7.200,00, concluindo que o montante inicial de aplicação dela seria R$ 7.200,00.

A seguir, passaram a discutir a poupança. Fizeram uma primeira tentativa, aplicando uma taxa de 6% sobre R$ 300,00. Nesse momento, me aproximei do grupo e eles aproveitaram a oportunidade para perguntar sobre o valor do salário mínimo. Devolvi a pergunta, questionando para que queriam essa informação. Observando os cálculos que faziam, percebi que eles estavam calculando o valor da poupança de forma errada, pois usavam o sistema de juros simples, numa situação de juros compostos:

Valor guardado em dois anos é 7.632 = somando R$ 300,00 + 6%, durante 2 anos (24 meses) (Registro de aluno, 2018)

Diante disso, pedi que relessem o enunciado. Frisei o fato de que com o novo salário, sobrava na conta de Carol, todo mês, R$ 600,00. Quando terminamos a leitura, Marcia afirmou que Carol guardaria dinheiro desde o início de 2017. Então, me afastei do grupo.

O grupo todo continuou trabalhando com a poupança. mas Eles continuaram calculando um montante final para a poupança sobre o valor inicial de R$ 300,00, fazendo (300 + 0,06 x 300) x 24 = 7.632. Neste ponto, Marcia chamou a atenção dos colegas para o fato de que o rendimento da poupança era anual. Sendo assim, para calcular esse rendimento, era necessário multiplicar por 12 (meses), que é o equivalente a um ano e não por 24, como estavam fazendo. Assim, eles calcularam: (300 + 0,06 x 300) x 12 = 3.816

Terminado esses cálculos, se dedicaram a leitura e análise inicial do CDB. Enquanto liam, já cogitavam que essa podia ser uma boa opção, pois o rendimento era maior que o da poupança. Ao final da leitura, Carlos, destacou que o rendimento era diário e Marcia disse não ser possível render 8% ao dia, pois esse seria um valor muito alto para o banco pagar para alguém. Contudo, não se detiveram nessa discussão e continuaram a leitura das outras duas opções de investimento. Destaco aqui, que as taxas de juros foram um assunto discutido na roda de conversa. Todos os alunos ficaram inconformados com o fato de ser aplicada uma taxa alta quando alguém faz um empréstimo bancário e uma taxa tão baixa quando alguém aplica o dinheiro no banco.

O grupo iniciou as discussões sobre a opção do CDB considerando o montante inicial a ser depositado. Mais uma vez, desconsideraram o valor que Carol tinha na conta corrente, focando nos R$ 300,00 que podia poupar mensalmente depois de começar o curso superior. Marcia afirmou que seria uma boa opção, porém, segundo ela, Carol não teria os R$500 necessários para iniciar o investimento já nesse primeiro mês visto que restava mensalmente para ela apenas R$ 300,00.

Quando Marcia terminou de falar, Eric começou a falar da opção 3 (dólar), dizendo que seria uma boa opção, pois poderia “comprar baixo e vender alto” (Arquivo de áudio – 22/10/2018). Porém, ele mesmo fez a ressalva de que era uma transação arriscada, devido a oscilação e ao fato de que o dólar teria que ser armazenado por conta própria, já que os bancos nacionais não o fazem. Perante essa sugestão, eles ficaram um instante em silêncio. Até esse momento, aparentemente o grupo estava tentando fazer uma sondagem inicial das três primeiras opções, levantando algumas hipóteses e tentando validá-las.

Nesse instante me aproximei e pedi para ver o que já haviam produzido. Eles mostraram os cálculos da poupança e explicaram o raciocínio que tiveram para o CDB. Eu os questionei sobre alguns pontos de diferença entre poupança e CDB, na tentativa de ajudá-los a entender melhor cada uma das opções. Depois, sugeri que relessem o enunciado introdutório, tentando que percebessem que também sobrava dinheiro na conta de Carol antes de iniciar a faculdade. Fiz a leitura com eles e pedi que anotassem numa folha as informações importantes. Eles registraram que por 12 meses Carol teria guardado R$ 600,00 ao mês e por mais 10 meses, ela teria deixado em sua conta R$ 300,00 mensais. Concluíram, então, que Carol teria na conta corrente o montante de R$ 10.200,00.

Quando eles chegaram nesse valor, Carlos questionou se Carol poderia usar todo esse valor para investir ou se poderia manter apenas o investimento de R$ 300,00. Perguntei: “e o restante do dinheiro, vai ficar parado na conta?” Depois disso, esclareci que ficava a critério deles. Acrescentei que eles deviam conversar e decidir quanto Carol iria investir e onde. Eles optaram, então, por refazer os cálculos da poupança para o montante inicial de R$ 10.200,00, pois assim poderiam obter um lucro maior. Continuei no grupo e perguntei a eles, como fariam o cálculo da poupança. Discutimos sobre a taxa dada no enunciado. Com a minha intervenção eles transformaram a taxa nominal de 6% ao ano para a taxa efetiva de 0,5% ao mês, fazendo 0,06 ÷ 12 = 0,005 = 0,5%. Perguntei quanto Carol iria investir e me responderam R$ 10.200,00. Indaguei, então, quanto ela teria no segundo mês. Marcia respondeu que seria 300 mais 0,005. Nesta resposta ela não estava considerando o valor investido inicialmente. Eu os orientei no cálculo do montante para o segundo mês, destacando que Carol teria R$ 10.200,00 mais 0,5% desse valor, além dos R$ 300,00 que colocaria esse mês. A partir daí, Marcia e Eric continuaram com os cálculos mês a mês, concluindo que ao final de um ano, Carol teria na poupança um

total de R$ 14.212,38. Enquanto isso, Marcos fez a leitura do investimento imobiliário.

Encerrada a discussão sobre a poupança, Marcia e Carlos começaram a calcular a taxa de juros para o CDB, que era de 8% ao ano com rendimento diário. Quando passei pelo grupo, vi que eles haviam feito 8

100 e depois dividido 0,08 por 12. Parei e perguntei como era o rendimento no CDB. Eles releram o enunciado e notaram que o rendimento era diário, logo a taxa devia ser dividida por 365. Eles fizeram a conta (0,08÷365), obtendo uma taxa de 0,00022. Perguntei, então, como eles iriam realizar essas contas eles me respondem que da mesma forma da poupança. Reforcei, com eles que a variação era diária. Após alguns esboços de como esses cálculos ficariam, eles perceberam que seria muito trabalhoso fazer isso dia a dia. Então optaram por utilizar a fórmula de juros compostos que tinham no caderno, pois a haviam aprendido em um outro contexto, alguns meses antes, quando trabalhamos a temática de funções exponenciais. Fazendo uso dessa fórmula obtiveram um montante final de R$ 14.488,22.

Destaco aqui, que ao participar das práticas criadas pelas aulas exploratório-investigativas, os alunos conseguiram situar ferramentas matemáticas que já haviam aprendido e que eram para eles, até então, de certa forma abstratas, numa prática social, que está relacionada ao cálculo que envolve um sistema de juros compostos, situado num contexto bastante próximo à realidade deles. Esse não foi um processo de transferência direta, mas de ressignificação. Portanto não foi algo automático para os alunos, mas exigiu minha intervenção e a participação comprometida dos alunos.

Enquanto isso, Eric e Marcos discutiam a opção 3 (dólar). Eles perguntaram se não tinha mais nenhuma informação. Eu ofereci dois gráficos (ANEXO 6) que mostravam a variação do valor do dólar para compra e venda num determinado período. Eles aceitaram a sugestão e passaram a analisar a variação do dólar. Observando o menor e o maior valor de compra do dólar, estimaram um valor médio para a compra de R$ 2,75. Repetiram o procedimento para o valor de venda do dólar, obtendo um valor médio de venda de R$ 3,75. Usando esses valores médios, estimaram que Carol poderia ter um montante final de R$ 13.908, como apresentado na figura 4.

Figura 4. Cálculos efetuados para saber o rendimento na compra e venda de dólar.

Eric reforçou nas desvantagens dessa opção: embora o lucro pudesse ser bom, seria um investimento muito arriscado, pois não seria possível saber exatamente como iria variar o dólar.

Por fim, enquanto Marcia e Eric faziam as anotações das vantagens e desvantagens das opções 2 e 3, Marcos e Carlos discutiam a quarta opção que era o investimento imobiliário. Marcos, na verdade, iniciou sozinho, mas se sentiu inseguro e, por fim, chamou a atenção de Carlos, que estava observando o que Eric e Marcia faziam.

Marcos começou calculando quanto sobraria na conta corrente de Carol após dar a entrada (R$ 8.000,00) e pagar os gastos com documentação (R$1.000,00). Assim, concluiu que restariam R$ 1.200,00. Seguiram calculando quanto dinheiro seria necessário para Carol pagar as parcelas do terreno e, notando que ela não teria esse valor, concluíram que a compra do terreno não seria vantajosa, haja vista que Carol não teria condições financeiras de pagar as parcelas.

Quando o grupo se colocou a discutir as vantagens e desvantagens das quatro opções de investimento para tomarem a decisão final, Marcia se posicionou, dizendo que a compra do terreno poderia ser vantajosa, pois poderia ser vendido por um valor maior, posteriormente. Perante essa sugestão eles decidiram me chamar para mostrar a tabela que tinham elaborado. Nela, sintetizavam as vantagens e desvantagens de cada opção. Desse modo, a tabela reificava boa parte das discussões que aconteceram no grupo.

Quadro 7. Vantagens e desvantagens indicadas pelo Grupo 1 para cada opção.

Vantagens Desvantagens

Opção 1: Poupança • É mais seguro; • Rende 6% ao ano.

• Não pode tirar o dinheiro a qualquer momento, devido ao mêsversário. Opção 2: CDB • Não precisa colocar dinheiro

todo mês.

• Ao retirar dinheiro, paga imposto.

Opção 3: Dólar

• Lucrar mais do que tinha; mas depende da oscilação do dólar.

• O valor do dólar pode cair bastante, o que pode gerar um prejuízo quando for trocar.

Opção 4: Investimento

Imobiliário

• O terreno valoriza;

• Pode vender o terreno por um valor maior.

• O dinheiro que sobra, mensalmente, em sua conta não é suficiente para pagar as parcelas.

(Registros dos alunos do grupo 1, 2018)

Ao ler a tabela, questionei se não seria possível conseguir o dinheiro de alguma forma para comprar o terreno e, os deixei discutindo.

O grupo negociou, então, o seguinte conselho final para Carol: “O melhor para Carol investir seria o CDB, pois tem baixo risco e lucratório bom. Também seria uma hipótese, ela juntar dinheiro com o CDB em 2 anos e depois, comprar um terreno.” (Produção dos alunos)

conclusão, já que, anteriormente, concluíram que Carol não teria como pagar o terreno. Responderam que com base nos cálculos, verificaram que o mais lucrativo e menos arriscado seria investir no CDB. Isso estava indicado na frase “lucratório bom”. Eles também concluíram que se Carol guardasse o dinheiro no CDB por dois anos, ela teria condições de dar uma entrada maior e pagar parcelas menores para a compra de um terreno. Além disso, ela já teria terminado de pagar a faculdade e, portanto, sobraria mais dinheiro no final do mês. É importante ressaltar que as discussões sobre o CDB e o valor da parcela foram orais. O grupo não fez nenhum cálculo para verificar se isso realmente seria possível, mas basearam-se no fato de que se pagarem mais na entrada, resta um valor menor para pagar depois.

Terminada a socialização, os alunos foram convidados a redigir uma carta para um parente ou amigo próximo, contando tudo o que haviam aprendido naquelas aulas.

Com base na descrição realizada, é possível sintetizar a trajetória de aprendizagem do grupo 1 num esquema, apresentado na página 81, que permite perceber que meus alunos mostraram um grande comprometimento durante as aulas exploratório investigativas. Tal comprometimento se revela no seu engajamento com a resolução da tarefa e do seu esforço para superar as dificuldades que encontraram no decorrer da atividade.

Ademais, frequentemente eles articularam práticas da matemática financeira provenientes da CoPL da sala de aula com outras, provenientes da sua vida fora da escola. Isto o que os levou a negociarem o conselho final considerando, tanto a opção mais lucrativa naquele momento (CDB) como uma opção que costumeiramente se considera como vantajosa a longo prazo (investimento imobiliário).

A forma de participação deles também compreendeu tomadas de decisões tais como fazer uma exploração inicial do enunciado e de todas as possibilidades, abandonando as opções, quando sentiam dificuldades. Justamente nesses momentos, eles solicitavam a presença da professora.

Por fim, nessa trajetória, minhas intervenções foram no sentido de dar maior clareza aos significados que eles negociavam, intervindo, principalmente nas negociações de práticas vinculadas com a matemática financeira, como cálculo de juros compostos, por exemplo.

A seguir, apresento o esquema onde sintetizo a trajetória dos meus alunos e que me permitiu a análise acima descrita.