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Aprendizagem significativa num contexto de inovação pedagógica

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 3 – INOVAÇÃO PEDAGÓGICA, TIC E APRENDIZAGEM

3.3. Falando de Aprendizagem

3.3.2. Aprendizagem significativa

3.3.2.1. Aprendizagem significativa num contexto de inovação pedagógica

Aprender não é, nem nunca foi, uma consequência direta de se ser ensinado.

Carlos Nogueira Fino

Nos últimos anos muito tem se falado sobre as mudanças sociais e econômicas que estão em curso nesse período de pós-modernidade e tanto ou mais se pergunta por que essas mudanças não acontecem no mesmo ritmo nos sistemas educacionais, permanecendo a escola atrelada a um paradigma moderno totalmente destoado do meio no qual se encontra inserida.

No entanto, quando indagamos que a escola encontra-se atada ao passado não significa dizer que ela não evoluiu. Na verdade, nas últimas décadas, as escolas até que veem evoluindo, “o problema é que, um dia qualquer, no passado, as escolas não tiveram agilidade para igualarem a velocidade da mudança da sociedade e começaram a ficar para trás” (FINO, 2011, p. 47), sem conseguir romper com o paradigma que lhes dita as normas desde o período industrial.

Para Kuhn (1998, p. 218), paradigma “[...] indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas [...]”, ou seja, paradigma é um sistema dominante partilhado pelos membros de uma comunidade científica, onde aqueles que agem de forma contrária a esses preceitos são despercebidos ou considerados sem importância. Assim, a dominância de um paradigma explica as ocorrências de uma relativa unanimidade de julgamento por parte dos profissionais que compartilham desse paradigma.

Nesse sentido, frente ao paradigma dominante e no que compete à inovação pedagógica, faz-se necessário, em primeiro lugar, uma tomada de consciência dos constrangimentos existentes contra ela (FINO, 2009), o que “[...] implica num constante ato de desvelamento da realidade, e busca da emersão das consciências, de que resulte sua interação crítica na realidade” (FREIRE, 1987, p. 40).

Na concepção de Toffler (1973), essa mudança primeiramente deve acontecer em nossas mentes, expandindo nossas ideias ao novo, ao surpreendente, para em seguida tentar desativar a imagem de escola criada no passado industrial, fixada ao longo do tempo e perpetuada por meio do “invariante cultural” (FINO, 2009). Invariante este cuja presença pode ser notada

[...] numa representação comum de escola, profundamente enraizado dentro e fora dela, socialmente partilhado de modo a incluir a generalidade dos estratos da sociedade, a as várias gerações presentes, e com força suficiente para contrariar propósitos, deliberados ou não, de mudança. [...] existindo mesmo na mente dos que não foram submetidos a nenhum processo de escolaridade formal, e que sugere formas sub-reptícias de organização do espaço lectivo e dos papeis que devem ser desempenhados pelos professores e pelos alunos [...] (FINO, 2009, p. 1).

Bem, levando em consideração a forte influência que o paradigma fabril ainda encontra nos sistemas educacionais é compreensível a resistência encontrada no desenvolvimento de práticas educativas numa perspectiva de inovação pedagógica, nas quais prevaleçam os contextos de aprendizagem significativa em contrapartida aos contextos de ensino (FINO, 2008a; 2011).

Referindo-se a esse modelo de escola, Sousa (2000b) destaca a separação existente no papel do professor – transmissor de conhecimento – e do aluno – receptor, memorizador e repetidor do que lhe foi transmitido – ou seja, um sistema que se baseia numa aprendizagem mecânica, onde o mais importante não é o saber-fazer, mas dominar e repetir um tipo de conhecimento específico.

Freire (1987) também questiona esse modelo educacional, ao qual se refere como “educação bancária” e na qual os educandos são meros depositários de informações e o professor atua como depositante de conteúdos, transformando o saber em uma espécie de doação daqueles que se julgam sábios para outros a quem julgam sem saber, perpetuando a ideologia da opressão.

Corroborando com esse pensamento, Bourdieu e Passeron (2008) apontam para uma violência simbólica que toda ação pedagógica objetiva quando imposta por aqueles que detêm o poder, numa tentativa de reproduzir a cultura dominante e, com isso, assegurar o monopólio de seus privilégios por meio desta violência simbólica.

Diante deste quadro, a inovação pedagógica, no sentido de mudança, transformação, descontinuidade, salto qualitativo nas práticas pedagógicas (FINO, 2008a), desponta como alternativa viável, uma “utopia realizável” (LEDES, 2010) à ruptura do paradigma vigente (KUHN, 1998) com possibilidade de

[...] romper com o paradigma tradicional de ensinar e de aprender com o objetivo de estimular professores e alunos (como protagonistas) gerenciarem o processo educacional. Nesse sentido, a prática pedagógica torna-se dialética e reflexiva, pois os alunos também são co-participantes. E, independente do currículo o conhecimento é construído coletivamente preconizando uma reorganização da teoria e da prática pedagógica. [...] Em outras palavras, uma mudança ontológica no processo educacional (LEDES, 2010, p. 49).

Assim, por meio de uma abordagem educacional focada em práticas pedagógicas que valoriza aquele que aprende e não aquele que ensina, a inovação pedagógica pode impulsionar e favorecer a aprendizagem significativa dos estudantes em meio às mudanças paradigmáticas do sistema que não podem mais serem adiadas.

Todavia, deve-se ter cuidado para que esses preceitos não fiquem apenas no campo teórico, destinados apenas aos cientistas da educação ou que, rendendo-se ao lobby do velho paradigma, se camuflem de novidade para perpetuar o antigo sistema. Nesse sentido, devemos avançar no debate sobre o papel da escola e do professor no desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. Para tanto, faz-se importante, nesse momento de transição, a reflexão sobre alguns tópicos propostos por Fino (2011) e que pela significância abaixo reproduzimos:

 Não existe transmissão de conhecimento: com sorte, talvez o professor possa fornecer informação (ou indicar onde ela se encontra), que possa ser utilizada pelos alunos no seu processo autónomo de construção.

 Se são os aprendizes quem constrói o conhecimento, talvez o essencial da atividade da escola devesse focar-se no processo de construção.

 Se acreditamos que a aprendizagem é um fenómeno secundário da prática social, sendo este o fenómeno primário, [...] deveríamos dar aos alunos reais oportunidades de construção, proporcionando-lhes um ambiente social em que possam interagir colaborativamente com outras pessoas, para além do professor (colegas, outros adultos, etc.).

 Os professores devem considera-se como alguém acompanha e apoia (guides on the side), em vez de, como até aqui, sábios que professam discurso do seu púlpito (sages on stage).

 O currículo de aprendizagem é necessariamente uno: se o dividirmos em fatias, por razões didáticas, também deveríamos dar aos alunos a possibilidade de o reunir e o resintetizar.

 As escolas não proporcionam contextos de aprendizagem autênticos, uma vez que os contextos dos praticantes autênticos residem fora da escola, mas os aprendizes merecem oportunidades de aprendizagem situada.

 O currículo de ensino, independentemente das intenções piedosas que exiba, é muito mais um constrangimento do que um caminho seguro para a construção do conhecimento (já para não falar em inovação).

 Os alunos deveriam ser treinados para sobreviverem num mundo de acelerada transformação como aprendizes autónomos ao longo da vida, dando substância ao mundo mais falado do que praticada life long learning.

 O pensamento crítico é crucial para ter sucesso (FINO, 2011, pp. 49-50). Concordamos com o autor supracitado quando este afirma que os aprendizes precisam ter autonomia no processo de produção do próprio conhecimento e que os professores devem guia-los e apoia-los nesse processo. Nestes termos, a inovação pedagógica terá que passar por mudanças nas atitudes dos professores, especialmente no que se refere às suas práticas pedagógicas (FINO, 2008a; 2009).

Nessa mesma concepção, Freire (1996) e Perrenoud (2000) destacam que práticas pedagógicas inovadoras precisam possibilitar a construção de novas relações entre professores e aprendizes e destes com a aprendizagem significativa, nos termos descritos por Ausubel (1963; 1968; 2003), numa nova perspectiva de aquisição, organização e retenção de conhecimento, que envolva respeito à cultura dos aprendizes à medida que os estimule a serem reflexivos, criativos, críticos e autônomos.

Portanto, partindo de uma abordagem teórica centrada nas práticas pedagógicas, entendemos que a inovação pedagógica que favoreça e alavanque a aprendizagem significativa dos aprendizes precisa está inserida em ações conjuntas que envolvam a instituição educacional, os professores e os aprendizes, para que seja capaz de provocar mudanças paradigmáticas no sistema vigente, algo tão necessário nos dias atuais.

Por fim, convictos de que uma pedagogia inovadora passa necessariamente pelas práticas pedagógicas e valorização do “aprender” em relação ao “ensinar” (FINO, 2008a) e cientes de que o processo de inovação deve levar em consideração outros fatores relevantes à aprendizagem, como os apontados por Vygotsky (2007)85 e que abordaremos no próximo tópico.

85

Neste estudo utilizamos a tradução em português da obra Mind in society: the development of higher psychological processes (1978).