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Clube de Astronomia como ambiente de aprendizagem emergente à luz da inovação

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 3 – INOVAÇÃO PEDAGÓGICA, TIC E APRENDIZAGEM

3.4. Clube de Astronomia como ambiente de aprendizagem emergente à luz da inovação

A tecnologia só será ferramenta de inovação pedagógica a partir do momento em que permita coisas diferentes, quando abrir portas para territórios inesperados, que podem muito bem não ter nada que ver, sequer, com o currículo ou com a escola.

Carlos Nogueira Fino

Na sociedade cada vez mais digital do século XXI, a cada dia surgem novos desafios para os sistemas educacionais, principalmente na busca por conciliar a construção colaborativa do conhecimento em rede com o anacronismo “[...] de uma escola fundada no século XIX, servida por professores formados no século XX e destinada a formar cidadãos nascidos no século XXI” (FINO, 2015, p. 38).

Ora, o sistema educacional atual, embora visivelmente em crise, ainda resiste com todas as forças na defesa do seu modelo de escola historicamente instituído, profundamente enraizado na sociedade e perpetuado pelo invariante cultural (FINO, 2009). Com tantas barreiras, ambientes com práticas pedagógicas inovadoras e que valorizam a

coaprendizagem103 nos quais aprendizes possam desenvolver suas habilidades de forma

plena, encontram enormes dificuldades em se firmarem (OKADA, 2013).

Se, em meio a tantas mudanças, o cenário escolar ainda não se mostra muito favorável à coaprendizagem das áreas ditas “essenciais” imagina o quão difícil se torna para a educação em astronomia, que ao longo da história foi relegada, quando muito, a coadjuvante de outras ciências104. Para essa e outras áreas de conhecimento os ambientes educativos não formais105, livres das amarras curriculares e burocráticas da educação tradicional, emergem como locais onde práticas pedagógicas inovadoras podem ter espaço para acontecer.

Especificamente falando do Clube de Astronomia Vega, objeto de estudo desta investigação, que foi criado buscando proporcionar uma abordagem interativa e coparticipativa dos membros na área de astronomia106, e onde muitas das práticas desenvolvidas são de co-investigação, mostra-se como terreno igualmente fértil nesse sentido.

Segundo Okada (2013) o conceito de co-investigação ou aprendizagem baseada em investigação surgiu na década de 1970, fundamentado nas teorias construtivistas e sócio-críticas de Piaget, Vygotsky, Dewey e Freire. Esta abordagem vem ganhando espaço ao mesmo tempo em que aumenta a necessidade de criação de ambientes educativos conectados. A vantagem em práticas dessa natureza é que todos os participantes se envolvem, uma vez que “[...] podem contribuir nas diversas etapas, tais como: definição das questões a serem pesquisadas, metodologias adotadas, coleta de

103

“O termo coaprendizagem foi inicialmente citado na década de 90 para enfatizar a importância de mudar ambos os papéis, tanto dos professores como distribuidores de conhecimento quanto dos estudantes de recipientes de conteúdos para ‘coaprendizes’. Ou seja, todos são parceiros no processo colaborativo de aprendizagem, na construção de significados e na criação de conhecimento em conjunto. A coaprendizagem é também destacada para enfatizar a interação centrada na aprendizagem colaborativa incluindo a construção de uma verdadeira ‘comunidade de prática’ que conduz ao envolvimento dinâmico de todos os participantes” (OKADA, 2013, p. 2, destaques da autora).

104 Cf. Capítulo 2, Tópicos 2.3 e 2.4. 105 Cf. Capítulo 2, Tópico 2.5.4. 106 Cf. Capítulo 2, Tópico 2.5.4.1.

mais fontes de conhecimento, planejamento, implementação da coleta de dados, análise e síntese dos resultados, avaliação, revisão e disseminação da pesquisa” (OKADA, 2013, p. 2).

Para uma melhor compreensão das diferenças entre os fatores que fundamentam a aprendizagem no modelo de ensino tradicional, na proposta de coaprendizagem aberta e coaprendizagem através de co-investigação, achamos por bem apresentá-las por meio de um quadro comparativo. ENSINO TRADICIONAL COAPRENDIZAGEM ABERTA COAPRENDIZAGEM ATRAVÉS DE CO- INVESTIGAÇÃO Contexto Descontextualizado da

realidade Conectado ao mundo real

A partir de investigação do interesse do aprendiz

Conteúdo Programa curricular impresso

Múltiplos formatos e em vários canais

Selecionado e construído no decorrer da investigação

Acesso Restrito Acesso aberto, individual

ou coletivo Aberto e múltiplo

Design Montagem, publicação e distribuição em massa Criação colaborativa e compartilhamento Metodologia científica e metacognição Professor Instrutor Facilitador de aprendizagem, mentor

Orientador das diferentes fases da pesquisa

Aprendiz Receptor e reprodutor de conhecimento

Agente ativo e coautor da coaprendizagem

Pesquisador-colaborador, coaprendiz

Tecnologia Aplicações eletrônicas individuais

Wikis, Weblogs, Redes Sociais, etc.

Semânticas, móveis, personalizadas

QUADRO 3: Comparação entre fatores da aprendizagem via ensino tradicional e coaprendizagem (adaptado de Okada, 2013)

Analisando os fatores do quadro acima fica evidente que novas formas de aprender aparecem quando se redefinem os papeis do professor, do aluno e do ambiente, em integração com as TIC. De fato, a tecnologia é algo que está e continuará cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, no entanto, Fino (2007; 2009) alerta que a tecnologia na educação deve ser utilizada com cuidado e planejamento, para que não sirva de máscara ao velho sistema, atrasando ou até mesmo impedindo uma verdadeira mudança, uma vez que

[...] a tecnologia não é a inovação: se incorporada atabalhoadamente e à revelia de uma reflexão esclarecida, ela pode redundar em novo constrangimento. Pode alimentar o invariante. Pode contribuir para fazer tardar a reorganização paradigmática. Pode servir para dar continuidade à escola fabril por novos meios. Enquanto lá fora, a vida real se vai permanentemente reestruturando e transformando em torno de uma realidade sempre nova (FINO, 2009, p. 14).

Todavia, continua o autor, tomando-se as devidas precauções,

[...] a tecnologia pode ser auxiliar poderoso, uma vez que ela pode ajudar a criar e testar ambientes diferentes, novas descentralizações e novas acessibilidades, novas maneiras de imaginar o diálogo intersocial que conduz à cognição (Idem).

Outra vantagem a ser explorada pelo correto uso da tecnologia na educação é a possibilidade de integração da cultura do aprendiz à cultura normatizada presente em ambientes educacionais, criando um verdadeiro ciclo de internalização do que está fora e externalização do que está dentro (PAPERT, 1990). Ideia respaldada no pensamento de Vygotsky (2007) para quem as funções cognitivas aparecem primeiro a nível social,

para em seguida aparecer a nível pessoal, ou seja, o conhecimento envolve a internalização de atividades externas.

Quando tratamos de conhecimentos científicos – no caso, conhecimento em astronomia – devemos levar em consideração, além do ambiente social, também o ambiente científico e todos os seu conjunto de leis e postulados. Nessa perspectiva, uma aprendizagem que se faça significativa em astronomia e áreas afins deve integrar o conhecimento social do aprendiz com o conhecimento cientificamente produzido ao longo do tempo, tendo a tecnologia como aliada, como esquematizado abaixo:

FIGURA 2: Aprendizagem em astronomia como produto da integração entre sociedade, ciência e tecnologia e tendo como foco principal o aprendiz

Assim, diante da atmosfera constante de mudança característica da pós-modernidade, os sistemas educativos precisam repensar suas práticas, criando vínculos entre a cultura do aluno e a cultura escolar, na busca por uma educação verdadeira, que enxergue para além das verdades simplesmente aceitas (PIAGET, 2010), com ênfase na aprendizagem e não no ensino numa perspectiva de inovação pedagógica que possibilite uma ruptura paradigmática e tendo consciência de que o “[...] conhecimento é construído por quem aprende e não por quem ensina” (FINO, 2011, p. 47).

Sumário do capítulo

Neste capítulo tratamos, inicialmente, da crise paradigmática pela qual passam os sistemas educacionais na atualidade com a falência do modelo fabril de educação, em decorrência das mudanças resultantes da passagem da sociedade industrial para a sociedade da informação.

Destacamos que apesar do exponencial aumento do acesso às tecnologias da informação e comunicação na vida cotidiana das pessoas, a escola teima em manter o mesmo modelo educacional criado no século XIX para atender as necessidades da Revolução Industrial e que há muito já perdeu o vínculo com a realidade. Nesse cenário, enfatizamos a necessidade urgente de mudança.

Frente à crise e a urgência da mudança na educação contemporânea apresentamos a inovação pedagógica como caminho possível à ruptura paradigmática, ao passo que pode possibilitar, através de uma ação conjunta entre professor, aprendiz e instituição educativa, a criação de ambientes que valorizem a aprendizagem ao invés do ensino.

Diante da importância da aprendizagem neste trabalho, buscamos, de forma simplificada, entender o processo de aprendizagem por meio das propostas teóricas formuladas e estudadas nos últimos tempos, desde os primeiros estudos empíricos da psicologia comportamental que definiram a aprendizagem como mudança de comportamento.

A viagem pelas teorias da aprendizagem nos levou desde as propostas que defendem ser a aprendizagem algo moldado por fatores externos, como os comportamentalistas e behavioristas, até aquelas que afirmam ser a aprendizagem resultado da construção pessoal, ideias defendidas por cognitivistas, construtivistas, sócio-construtivistas e construcionistas.

Exploramos ainda ideias mais recentes, como o conectivismo proposto por George Siemens nos primeiros anos do século XXI, que em meio a grandes polêmicas no mundo acadêmico sobre ser ou não uma teoria da aprendizagem, defende que o conhecimento é distribuído através de redes de indivíduos e de tecnologia, sendo a aprendizagem o produto da conexão e do acesso a essas redes.

Por fim, exploramos o Clube de Astronomia Vega, objeto do presente estudo, enquanto ambiente de aprendizagem emergente, à medida que busca proporcionar uma abordagem interativa e coparticipativa dos membros na área de astronomia, e onde muitas das práticas desenvolvidas são de co-investigação com apoio da tecnologia, o que abre espaço a práticas pedagógicas que diferem do modelo estabelecido nos sistemas educativos tradicionais.