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APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO CAPÍTULO IV – O PSF, a equipe e o tema mudança

CAPÍTULO III A Equipe, seus Membros e o Processo Grupal: A Cena Principal

DIAGRAMA 08: NÍVEIS DE ARTICULAÇÃO DISCURSIVA DA PRÁTICA DE SAÚDE

4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO CAPÍTULO IV – O PSF, a equipe e o tema mudança

No último capítulo de apresentação de resultados, eu gostaria de apresentar as seguintes questões:

1. Será que os sujeitos da práxis identificam o seu próprio trabalho como uma estratégia de mudança ?

2. Mas que sentido teria essa mudança ? O que seria para eles a mudança proporcionada pelo Programa ?

3. Que aspectos do processo de trabalho possibilitariam ou dificultariam essa referida mudança para eles ?

Com relação à primeira pergunta, os sujeito destacam elementos do Programa como desencadeadores da mudança. Mas que mudança ? O auxiliar Jorge identifica o PSF como uma estratégia bem sucedida, na medida em que possibilita a ampliação do acesso aos serviços de saúde para populações historicamente excluídas desse benefício. Sem dúvida esse é um avanço dado pelo Programa a partir do momento que ele tem uma clientela adscrita.

AUXILIAR DE ENFERMAGEM JORGE: Então eu não tenho nada para mudar no PSF, eu tenho para melhorar. E a melhora já começou a ser feita e o caminho é esse mesmo. PSF é um sistema. A classe menos favorecida foi muito beneficiada. Já tenho um ano e 3 meses e sei como é tratado os meus favorecidos, como eles se sentem aqui, tendo a referência do médico, do meu enfermeiro, do meu Auxiliar de Enfermagem, o meu dentista. Antes eles ficavam soltos. Ia procurar alguém que ia ver eles hoje e depois de um ano... ele sabe que se ele sentir uma dor de cabeça ele vem.

Mas não para por aí. A assistência é assegurada e continuada. E os grupos mais beneficiados são os já mencionados no capítulo II (materno-infantil e grupos de portadores de hipertensão e diabetes), desafogando, segundo as ACSs, a demanda no Hospital Caribe para esses grupos.

ACS KÁTIA: O PSF está ajudando muito, por que se não existisse o PSF, os hospitais que existem públicos estariam hiperlotados. Já com o PSF vem reduzindo muito. As gestantes já estão acompanhadas, acompanhamento de crianças, acompanhamento de hipertenso e diabético. Tem muito. Todos eles têm uma consulta e no mês seguinte já tem a consulta marcada de novo.

ACS RITA: pelo lado da comunidade, é uma coisa muito boa, por que, apesar de ser distante o posto, mas tem o ponto muito positivo, por que lá mesmo ainda tem hipertenso que são teimosos que não quer acompanhamento, sabe. Antes não tinha nada disso. Mas a gente só tinha mesmo o Caribé , mas é um atendimento para uma emergência. A pessoa ia lá com a pressão nas alturas, pegava o medicamento e voltava. Dava uma aliviada e depois voltava tudo de novo. Agora a gente não tem mais problema, não. Acontece, mas não como era antes. Então houve muita mudança. Apesar de eles falarem que é distante, mas eles agradecem muito por isso. Se não tivesse o PSF implantado lá, a situação não iria tá boa, iria tá crítica mesmo. Houve muita mudança mesmo. Criança, gestante, mesmo, nenhuma gestante fica sem acompanhamento. A não ser que ela não queria mesmo freqüentar. Mas são raras. Na minha micro-área mesmo, todas vêm. Todas são acompanhadas aqui na unidade.

ACS HELENA: Marcação de consulta, eu venho aqui e falo com a doutora e digo que eles tão precisando, e levo o papelzinho com tal dia e tal horário. Ajudou muito. No início era muito difícil conseguir um médico, e dentista, quem quisesse tinha que ir de madrugada fazer um procedimento e depois aguardar para fazer no outro dia e perder o outro dia. Aqui não: começou o tratamento, ele dá por completo. O médico também, atendeu, já marca a consulta do mês seguinte. Fica muito mais fácil. Ajudou muito a comunidade, incentivando a vir procurar o médico. Melhorou, por que a maioria das pessoas, mesmo... o Caribé era super lotado. Se você sentia uma dor de dente, uma dor de ouvido. Tudo você ia para o Caribé. Se bem que aqui não é um atendimento de emergência, mas é um apoio. Antes de você sentir, quando você começou a sentir. O fluxo de atendimento do Caribé regrediu bastante. Lá você vê mais a emergência mesmo. É tanto que os médicos mesmo falam. “se está sentindo alguma coisa, procure o seu agente de saúde. Procure ele para levar você para o médico, não sei o que”

Outro sentido da mudança é a natureza tecnológica da prática de saúde. Para as suas agentes, o PSF se diferencia pelo tipo de atividade que desempenha junto com a comunidade. Esse é mais atributo do Programa.

ACS MARGARIDA: tem se tornado muito essencial por que tem ajudado muito a comunidade. A nossa comunidade sem o programa era uma, agora é outra. A maioria das pessoas só procurava médico quando estavam doentes. Com o Programa, não. A gente ensina o povo como prevenir doenças, evitar agravos. As pessoas fazem exame anualmente, e não vem procurar o médico só quando está doente. A gente passa a orientação direitinho para a pessoa. Achei muito importante. Tem coisas que a gente achava que era besta e ajuda bastante.

TÉCNICA DA SMS LUDIMILA: Sim, acho. Mesmo ainda com todas essas dificuldades. Quando eu vi um DVD do “Humaniza SUS”, os depoimentos dos profissionais, ainda com todas essas dificuldades, a gente vê uma mudança, quando você vê o profissional fazendo os grupos, conhecendo sua comunidade, fazendo os grupos comunitários, tendo uma assistência diferenciada, conhece o perfil da sua área, conhece a sua população, eu acho que é ainda uma alternativa para mudar mesmo a atenção básica, para dar uma qualidade à atenção básica.

DIÁLOGO COM A ACS JOANA:

ET: as pessoas, a comunidade. Você acha que o PSF ajuda a mudar ? ACS: ajuuuda, com certeza!

ET: mas você acha que o PSF tem mudado isso para o que ele se propõe ?

ACS: tem mudado. Conseguimos ver essa mudança nos nossos grupos de hipertensos e diabéticos. Eles acompanham “direitinho” e normalmente tem muitos que não tomavam remédios e voltaram a tomar, tudo isso através lá na comunidade, mostrando os benefícios, mostrando para eles que trabalhamos com o posto do PSF. Eu acho que sim. Nós podemos ver resultados. Em um ano fizemos caminhadas com eles. Você participou daquela ?

No entanto, a própria Joana admite que o Programa ainda não é reconhecido como tal. Embora ofereça um serviço qualificado, a unidade de saúde não se diferencia dos outros serviços do sistema de saúde, ou seja, ainda é uma proposta contra-hegemônica e sem legitimidade. Por isso, a própria equipe deve desenvolver estratégias nessa direção, ou seja, a equipe deve ser o sujeito desse processo.

ACS JOANA: eu acho que em primeiro lugar, nós devemos, principalmente em nossas visitas e nas reuniões com os grupos, acho que a gente tem que passar para eles o que é PSF. E mostrar qual a diferença e as vantagens do PSF. Só aí as vantagens e as mudanças. Se eles não sabem o que é PSF, para eles é só um posto de saúde e é atendido. E pronto. Sem saber o que é PSF, seu propósito.

Mas é claro que os relatos acima são baseados na própria vivência dos profissionais, mas também, no que se gostaria de fato que acontecesse. Em toda fala há também uma escolha ideológica, no sentido de ser aquilo que se deve ser ou que pode vir a ser...

DENTISTA HENRIQUE: Eu, eu aposto muito no PSF. Eu acredito no PSF num futuro para saúde pública no país. Eu acho que é o que tem, o que apareceu ultimamente, recentemente de mais eficiente. Tem tudo para dar certo. Mas ainda, eu fico muito satisfeito por estar fazendo parte dessa reforma sanitária. Então, eu acho que as pessoas que estão surgindo agora, eu falo do âmbito até nacional, estão vindo com mais, não digo bagagem, mas com mais vontade, e até bagagem também, falando a parte técnica, para implantar o PSF da forma como deveria ser. (...) Tem que tentar, eu quero ter só uma coisa: acreditar. Eu acredito que vai dar para tocar para frente e consertando.

Existem aqueles que acreditam como aqueles que não acreditam no desencadear desse processo de mudança.

TÉCNICA DA SMS DOLORES: Eu estou desacreditada, eu não sei se é por que, assim, eu achava que o que ia fazer, assim, até bem pouco tempo atrás, eu achava que numa nova gestão, numa gestão diferente, que as pessoas iam ter, todo mundo, quando eu falo assim, desde o nível central, da coordenação, tudo, dos distritos, profissionais, iam ter uma nova, como é que se diz? Iam se animar mais, iam ter uma nova motivação, entendeu. Às vezes eu acho que existe um descaso dos profissionais por conta muito de quem está gerindo o processo. As pessoas começam a desanimar, começam a desacreditar e tal. Eu achava que com essa nova gestão, que as pessoas iam se motivar e que isso ia acontecer. Mas, eu acho que as pessoas não sentem essa mudança, a mudança não existiu.

A mudança que não existiu ou está em processo, se revela na dificuldade da SMS em retomar a condução do processo em meio a tantas turbulências e desencadear a mudança desde o nível das macro-políticas como apoiar e sustentar a mudança na micro- política das relações no nível local, em outras palavras: planejar, implantar, gerir e avaliar no cotidiano das práticas de saúde.

DENTISTA HENRIQUE: de certa forma, porque, mas tem muitas barreiras, ainda pela questão política, questão burocrática, às vezes a dinâmica da secretaria, não vou dizer de uma coisa específica, mas de alguma secretaria dificulta. E aí se o órgão federal e o órgão estadual e o órgão municipal não estão falando a mesma língua, a mesma linguagem política, aí dificulta. Essa questão da, da passagem dos recursos, eu não consigo entender ainda, porque em alguns lugares não é direto, o recurso não vem direto pro PSF, ou a prefeitura repassa, em alguns lugares é terceirizado, como é em Salvador.

TÉCNICA DA SMS LUDMILA: Agora Salvador é muito complexo, até mesmo por ter uma história de 8 anos sem ter uma definição políticas, sem ter um norte para onde a gente vai, forma de contratação. Tem várias questões ... Para Salvador se efetivar enquanto modelo de assistência, ter uma atenção básica qualificada na saúde da família precisa ter algumas clarezas. Definir qual a forma de contratação desses profissionais, regularização de vínculos, ... Acho que o saúde da família a partir do momento que se define que o saúde da família é uma estratégia pública e municipal, acho que ela tem que definir qual a sua lógica de vinculação desses profissionais. Então acho que dá certo por aí.

AUXILIAR DE ENFERMAGEM TÂNIA: eu sugiro que eles venham ver de perto, por que quando a gente vê a gente encara de outra maneira. É ou não é ? Fale sério? Acho que eles deveriam vir supervisionar, ver as coisas. Muitas coisas até não iam acontecer, por que quando a pessoa vê as ordens seriam diferentes, as coisas seriam diferentes. Apesar de que a gente quando veio para aqui, teve um treinamento e tudo. Acho que deveria treinar mais as pessoas, entrosar mais. fazer um trabalho de mais entrosamento com as pessoas. Entrosar mais as pessoas e ver de perto que é difícil.

Mas, quem, na realidade, será o sujeito ou os sujeitos dessa mudança? Quem vai conduzir essa mudança? O profissional que permanece menos que um ano em uma equipe e opta pelo PSF por uma questão do mercado de trabalho? A equipe temporária de supervisoras? Uma pesquisadora a procura de seus informantes? A coordenação do distrito que não tem pernas para acompanhar as equipes implantadas em uma vasta extensão territorial? A liderança do movimento de paralisação em ano de eleição? Ou uma gestão fracionada entre o público e o privado?

Seguramente para todos os níveis da mudança (política, técnica e interativa) são necessários sujeitos com uma considerável competência comunicativa para materializar a lógica do PSF em meio a tantos desafios.