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noticiados 19 pelo jornal de maior circulação da cidade “Jornal A Tarde” (me refiro principalmente a paralisação das equipes de PSF).

8. A paralisação das equipes de saúde da família

8.1. A greve como cena

8.1.2. Paralisação das ESF: a luta continua

Mas a mobilização da categoria não parou por aí: a partir de maio os salários voltaram a atrasar. Em agosto, com o atraso do salário, dos “tickets-refeição” e “vale- transporte”, alguns funcionários ficaram impossibilitados de irem às unidades trabalhar. Na unidade de saúde do Campo Belo, foi feita até um rodízio entre as equipes durante 2 dias, até que a categoria decretou paralisação de 2 ou 3 dias. Aí então foi pago o salário. Em

setembro (referente o pagamento de agosto) houve outro atraso de 2 dias para os “tickets-

refeição” e o salário só foi pago no dia 19/09 depois de muita mobilização da categoria. Nesse momento, eu estava de volta ao Brasil, depois do doutorado-sanduíche, e exatamente no dia 19/09/06, eu refiz meu contato com a equipe que tinha acompanhado. Liguei para unidade por volta das 8:30 e, por sorte, quem atendeu foi uma das ACSs da “minha” própria equipe que logo me revelou que a unidade estava paralisada desde a semana anterior. Ela só estava lá para bater o ponto e ir para área. Feliz coincidência !!! Ela ainda me disse que naquele mesmo dia teria uma assembléia. Logo em seguida eu liguei para o SINDMED para obter mais informações. Assim, soube onde e que horas seria a assembléia. Ao chegar lá creio que a assembléia já tinha começado há uma meia hora. O auditório estava totalmente lotado. Eu mal consegui entrar. Muita gente sentada no chão, na porta, tentando ouvir o que se dizia.

Com muito aperto, aos poucos a plenária foi se organizando, abrindo espaço nos corredores. O clima da assembléia continuava o mesmo: animador, mobilizador, agregador. Foram discutidos os seguintes pontos: a reposição do Dia da Mancha (Campanha contra a Hanseníase); o abonamento das faltas; avaliação positiva do movimento e da passeata no dia anterior, a audiência com o Secretário de Saúde, Secretário de Governo, Secretário da Fazenda; a participação de representantes de Associações de Bairros na audiência em apoio

ao movimento; a votação para suspender a paralisação e retorno ao trabalho no dia seguinte (20/09); definição da assembléia para o próximo mês, com ou sem pagamento.

Essa assembléia contou mais uma vez com a participação da Vereadora Antônia (PCdoB) em plena disputa eleitoral para deputada estadual. Sem dúvida ela se mostrou não só uma mediadora, mas, sobretudo uma das lideranças do movimento. No entanto, nas outras assembléias que eu participei em janeiro, ela ainda pontuava o esforço da Prefeitura em contornar a herança deixada pela gestão anterior. Mas dessa vez ela me pareceu mais crítica à condução da Prefeitura. Ela ainda reafirmou seu apoio ao movimento, se disponibilizou a marcar uma audiência com a Câmera Municipal para retratar a situação do PSF em Salvador, fortaleceu a idéia de agregar as representações comunitárias ao movimento e declarou que Salvador estava num momento político muito delicado, referindo-se às finanças do município. E ainda citou uma frase que me chamou muita atenção: “na democracia o que vale é a pressão política e democrática. Como nós não temos o ‘poder’, nós temos o poder da mobilização e da pressão política na garantia dos direitos”. Saiu da assembléia em meio a palmas e distribuindo panfletos da sua candidatura entre os participantes.

A coordenação da mesa também relatou que durante a audiência concedida no dia anterior, o então Secretário da Fazenda declarou veemente que a Prefeitura estava falida financeiramente, o que fortaleceu na plenária o papel do movimento como estratégia na garantia do recebimento do salário. De fato o movimento estava em outro momento. Agora a participação da REAL Sociedade Espanhola no atraso dos pagamentos era minimizada e os manifestantes voltavam a atenção para o momento político e financeiro da Prefeitura. Embora a questão da terceirização ainda fosse condenada, o “vilão da história” não era mais a REAL Sociedade Espanhola. A figura do Prefeito e sua gestão estavam no meio da

“roda”, seja pelo repasse atrasado dos salários para a prestadora, e conseqüentemente, para os profissionais, seja pela suspeita do uso do dinheiro público para a campanha eleitoral.

Outro elemento novo discutido pela plenária foi o aumento de número de famílias para cada dentista. Se antes já era difícil o acesso ao atendimento odontológico, agora após a portaria nº 648 de 28/03/0639 ficou quase impossível. Cada dentista passou a ser responsável pela atenção odontológica das áreas de abrangência de 2 equipes. Outro ponto destacado foi a insatisfação dos profissionais com a atual coordenadora do PACS / PSF do município, chegando até ser votada a saída dela como uma das reivindicações a ser apresentada à mesa de negociações com a Secretaria Municipal de Saúde. E não parou por aí: foi destacado o “medo” que alguns profissionais têm das gerentes de unidades: medo de ter o ponto cortado, medo de ser perseguido, medo de retaliação. Parece que a gerência não é muita querida pelos profissionais. Provavelmente elas ocupam o lugar do “chefe” que está mais próximo e não de alguém que chegou para ajudar as equipes a se estruturarem num projeto de trabalho conjunto. Essa foi a primeira vez que eu ouvi na assembléia a gerencia ser referida de forma tão negativa.

Mas o ponto alto da assembléia ainda estava por vir... As assembléias costumavam ter uma lista de questões que se repetiam, estruturando um discurso quase uniforme. Mas em algum momento aparecia um ator, que às vezes nem fazia parte da liderança do movimento, mas levantava uma questão central, inflamando a plenária e mudando a direção da assembléia. Dessa vez o “elemento surpresa” foi uma simpática senhora de uns 70

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Se por um lado a portaria prevê redução do número de pessoas acompanhadas por cada ESF (de 4,5 mil pessoas para 4 mil), por outro lado ela apresenta um retrocesso para saúde bucal. Como itens necessários para incorporação de profissionais de saúde bucal, a existência de um consultório dentário por equipe de saúde bucal (cirurgião dentista, auxiliar de consultório dentário e/ou e técnico de higiene dental) para uma ou duas ESF. (Brasil, 2006a). Assim, deu respaldo legal para que os gestores municipais diminuíssem o número de dentista por unidade. No caso de Salvador, havia USFs com duas equipes de saúde bucal para um consultório dentário. Em vez de ampliarem o número de consultórios por unidade, a SMS redistribuiu os profissionais de saúde bucal.

anos40, uma representante comunitária do Rio Sena. Ela participou da audiência no Gabinete acima referida e nessa assembléia pediu a palavra para declarar o seu apoio ao movimento de forma veemente:

“Pela primeira vez cheguei à mesa do secretário com orgulho e satisfação para reivindicar os direitos da minha comunidade. (...) Lá (unidade de saúde) só tem 2 consultórios, 1 banheiro para os médicos e pacientes, sem água, falta remédio e material. As vezes somos obrigados a comprar material de curativo para levar para o posto. E com tudo isso eles não deixam de ir todos os dias para trabalhar. Digo isso por que acompanho, moro perto e vou lá todos os dias não só na hora que preciso, mas na hora que sinto saudade. Sou hipertensa, diabética, estou recém- operada, mas estou aqui!!! Podem ligar para minha casa para me convidar para essas reuniões e convidem os representantes das associações de suas comunidades!!! Da mesma forma que vocês precisam da gente, a gente também precisa de vocês. Vamos nos unir!!! Todas as vezes que vocês não receberem o dinheiro de vocês, continuem parando como vocês fizeram agora!!! Ninguém come capim, não !!! Na mesa deles não falta nada e na nossa falta tudo !!! (e a plenária de-li-rou).”

Assim, com mais força retórica, a paralisação deixou de ser um mero evento pontual e foi se constituindo um movimento que agrega diversas lideranças, potencializando a força da mobilização.

Mas em que direção essa força vai ser conduzida ? Em direção a mudança do modelo de atenção à saúde ? O que se pode destacar a partir desse longo relato é a rede de

correlações de forças a que o PSF está diretamente vinculado, e que tem se constituído

como um grande desafio na condução e continuidade de suas atividades. Nessa direção, Testa (1995) concebe o cenário como espaço social onde se configura as relações entre atores no desenvolver da ação. Espaço social é um “campo de forças”, o qual resulta das tensões produzidas pelas ações de diferentes sujeitos que se constituem atores (atores individuais e coletivo) em pleno processo de ideologização do trabalho. Vale lembrar que

40 Goffman (2005) faz referência à força dramatúrgica numa apresentação, na qual o protagonista desempenha um papel

diferenciado dos outros atores como a rainha da corte, por exemplo. Seu vestuário ou o lugar mais alto que ela ocupa no palco tem como finalidade ter uma centralização da atenção. A partir dessa analogia, Goffman introduz o conceito de dominância dramática e diretiva na encenação de atores sociais.

as relações que os atores estabelecem entre si são relações sociais e de poder, que no caso PSF em Salvador estão sinteticamente apresentadas nos diagramas 03 e 04 abaixo.

Equipes do PSF Ministério da Saúde SMS Prefeitura Projetos Políticos Fragmentados Política herdada da Gestão anterior da SMS Empresas Terceirizadas

Gerência das USF

Lideranças do Movimento Projetos Políticos próprios (ex.: Sindicatos,

PCdoB) Lideranças Comunitárias História do Processo e Divisão de Trabalho em saúde Projetos Políticos próprios