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noticiados 19 pelo jornal de maior circulação da cidade “Jornal A Tarde” (me refiro principalmente a paralisação das equipes de PSF).

1. O processo de implantação e ampliação do PSF em Salvador

Até dezembro de 2005 a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador tinha implantado

114 equipes distribuídas em 34 unidades de saúde, demandando 1.309 profissionais de

saúde (ACS, Auxiliares de enfermagem e de odontologia, dentista, médico e enfermeiro). Para chegar a esses 16% da população de Salvador assistida pelo Programa, a Secretaria de Saúde levou 5 longos anos, entre idas e vindas. No decorrer do processo de implantação e ampliação do PSF, surgiram várias propostas de diversos atores, o que ocasionou, de uma forma ou de outra, a conformação do cenário que eu encontrei em campo.

A primeira proposta de implantação da Estratégia de Saúde da Família surgiu em 1998 quando foi implantado o Programa de Agentes Comunitários em Salvador. Sob a inspiração de Samuel, que naquele momento coordenava a Residência em Saúde da Família do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia e era assessor técnico da

Secretaria Municipal de Saúde, formatou-se uma proposta baseada em critérios epidemiológicos e sociais. Já nesse momento, o Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário aparece como um dos Distritos Sanitários que seriam contemplados pela implantação do Programa:

“Ele foi o primeiro, foi a pessoa que idealizou o PSF de Salvador. (...) E naquela época a idéia é que fosse implantado o PSF no Subúrbio Ferroviário, Pau da Lima e Cabula/Beiru. Por quê? Assim, a idéia de Samuel, era uma coisa que ele defendia, é que a gente teria um critério epidemiológico social na escolha lá do Subúrbio, (...) um PSF num lugar mais organizado pra fazer o contraponto, que seria o Pau da Lima. E Cabula/Beiru seria o intermediário. Mas no decorrer do processo, antes mesmo da implantação, já se falava em começar com mais equipes no Subúrbio, deixando Pau da Lima e Cabula pra depois. De 98 pra 2000 foi essa discussão toda: onde é que iria implantar o PSF em Salvador? Eu sei que Samuel saiu e o projeto se perdeu... ” (Dolores, técnica da SMS).

Em 2000, a partir da demanda do Prefeito Antônio Imbassay, em plena campanha de reeleição, o PSF finalmente tomou evidência na pauta política municipal e foram implantadas 11 primeiras equipes da cidade no Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário, correspondendo à primeira etapa da implantação25 (Salvador, 2000, 2005).

“A idéia de todo mundo era assim: vamos aproveitar o momento político já que se quer implantar e o prefeito, no caso, ele forçava muito essa implantação porque ele queria que Salvador tivesse PSF, podia ser uma equipe, mas tinha que ter PSF” (Dolores, técnica da SMS).

Embora o Programa de Implementação da Estratégia de Saúde da Família (2001b) apontasse para uma ampliação do PSF para 75% da população de Salvador até 200426, a

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Em julho/2000 foram implantadas 11 equipes nos centros de saúde de Itacaranha, Alto do Cruzeiro e Alto de Coutos (unidades do Subúrbio Ferroviário). Posteriormente, com uma nova seleção, foram implantadas em janeiro de 2001 mais 4 equipes em Beira Mangue (Salvador, 2000).

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O Programa de Implementação da Estratégia de Saúde da Família tinha como meta atingir 100% de cobertura em 05 Distritos Sanitários: Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário, São Caetano/Valéria, Cabula/Beirú, Itapagipe e Liberdade. Nessa perspectiva, tinha-se como ampliação anual: 162 equipes até 2001 (25% do município) ; para 2002 a proposta era atingir os 45% do município; para 2003 tinha-se como meta os 60% do município; e para 2004, foi prevista a cobertura de 75% do município (Salvador, 2001).

execução das ações para tal meta não se desenrolava com a mesma clareza e, aos poucos, o PSF foi perdendo a sua amplitude enquanto estratégia...

“Então em 2001, quando a gente fez o projeto, foi uma loucura por que, a gente precisava de uma definição da secretaria sobre o que fazer: onde é que ia se implantar o PSF? E eu me lembro que se levou um ano praticamente fazendo planilha. Assim: se for colocar tantas equipes quanto vai gastar? Onde é que vai se botar? Um dia tinha uma reunião lá no Gabinete aí ia se colocar no Pau da Lima, São Caetano, Valéria e Cabula. Daqui a pouco já não era mais, Pau da Lima já não entrava, já ia ser... Então você não tinha idéia, enquanto técnico, do que ia acontecer. Você não sabia exatamente o que é que a gestão queria. Era tão confuso com a gestão. Se a gestão não tinha se definido, imagine o resto” (Dolores, técnica da SMS).

Em março de 2003 o Ministério da Saúde desenvolveu uma forma de pressionar a expansão do Programa junto às Secretarias Municipais de Saúde: o Programa de Expansão de Saúde da Família27 (PROESF). Com a chegada dos recursos do PROESF em Salvador, acelerou-se a ampliação do PSF para outras áreas de Salvador.

“Salvador estava muito atrasada (...). Em Salvador foi muito tímido. Na verdade, assim, eu acho que Salvador só implantou o PSF por uma pressão. Não se preocupava muito com a questão da mudança do modelo. Isso era muito a nível de discurso. Eu acho que foi mais uma pressão de Brasília, do Ministério. Como é que Salvador tá atrás? E até o próprio prefeito pressionava. Porque isso é uma propaganda” (Dolores, técnica da SMS).

Na verdade, o PSF parecia ser um “objeto de desejo” de vários atores, sendo que para cada um havia uma motivação específica por trás. Mas longe de ser algo fácil, essa

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O PROESF (Programa de Expansão de Saúde da Família) é uma iniciativa do Ministério da Saúde para consolidação do Saúde da Família que previu investimentos de US$ 550 milhões até 2009 (50% de empréstimos do Banco Mundial e 50% de contrapartida do governo federal). O PROESF foi dividido em três componentes. O primeiro teve como objetivo a reorganização da atenção básica nos municípios com mais de 100 mil habitantes. Entre as ações previstas estavam a capacitação dos profissionais, a aquisição de veículos, equipamentos médicos e de suporte, além de reforma e locação de novas unidades de atendimento do PSF. O segundo componente, aberto a todos os municípios que possuem o Programa Saúde da Família implantado, previu a qualificação de recursos humanos para as equipes do PSF em todo o país. Já o terceiro componente do PROESF reforça os sistemas de informação para avaliação e monitoramento das ações na atenção básica promovido pelo Ministério da Saúde começou a ser operacionalizado em julho de 2003 (Brasil, 2007a). Em Salvador, o PROESF foi elaborado pelas coordenações competentes da Secretaria Municipal de Saúde (ASTEC, COAPS/PACS/PSF, CRA, CDRH, COSAM, Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário) e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde no dia 18/06/2003 (Salvador, 2004).

ampliação (segunda etapa de implantação) se constituiu em meio ao embate de diversas propostas. Enquanto alguns técnicos da Secretaria Municipal de Saúde defendiam a consolidação de modelo baseado nos parâmetros do perfil epidemiológico e social em determinados Distritos Sanitários, por outro lado, algumas prioridades políticas redesenham novos critérios de escolha.

“O projeto de expansão de saúde da família tem na sua base o PROESF, que a gente deveria estar implantando 100% do Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário, São Caetano-Valéria e Cajazeiras. E depois paulatinamente absorvendo o território” (Patrícia, técnica da SMS).

Mas quando o recurso chegou...

“Só que quando a coisa ‘estourou’, chegou o recurso e tinha que fazer as ampliações, começaram os pedidos políticos. São coisas delicadas, tipo assim: ano difícil, ano de política, então ‘eu tenho que colocar unidade... Eu tenho um valor orçado para fazer uma unidade em Alto de Coutos, mas eu acho que é também ‘bacana’ fazer em Cajazeiras ou fazer em Alto das Pombas’... Então começou a fragmentar...” (Magda, técnica da SMS).

E aos poucos, essas demandas políticas partidárias começaram a fazer parte da estratégia de ampliação do Programa, as quais têm uma lógica própria e uma rede de influencia bem mais institucionalizada do que se imagina:

“Você sabe que Salvador é dividida em Distritos e cada Distrito têm seus vereadores. Tem essa história. Então, se no Distrito X esse vereador estava em alta, então a secretaria vinha nas reuniões ‘olha, agora a gente vai implantar PSF em tal e tal lugar’” (Dolores, técnica da SMS).

E assim o PSF foi sendo ampliado de forma “pulverizada” e desarticulada: em 2003 atingiu o número de 44 equipes e em 2004, 69 equipes implantadas. Dentre os distritos, o Subúrbio Ferroviário foi de fato o mais privilegiado, mas ainda estava muito abaixo da

meta de 100% de cobertura. A implantação dessas 37 novas equipes28 no Subúrbio deu-se, em parte, pelo critério sócio-epidemiológico, mas também, e sobretudo, pela força política local.

“O Subúrbio não saiu da história por que tinha uma força que era o vice-prefeito Marcos Medrado. A política dele toda era lá no Subúrbio. Ele forçou muito. Teve alguns momentos, eu me lembro, que quando se falava assim: ‘vamos ampliar no subúrbio ou passar pra outro lugar...’. Mas aí ele segurava. Então o vice-prefeito teve um papel fundamental na ampliação do PSF lá no Subúrbio, por que na época quem tinha eleito ele, na verdade, foi o Subúrbio” (Dolores, técnica da SMS).

Mas de uma forma ou de outra, um pouco aqui e outro ali, a implantação do PSF em Salvador perdeu a sua direcionalidade, na medida em que se fragmentou no território, acabou “fatiando” a clientela e impossibilitando a organização da demanda a partir da atenção básica.

“As unidades29 eram, no caso, aqueles postos de saúde antigos e houve uma ampliação para duas equipes, mas não era o bastante. Só que quando o pessoal do PACS chegou pra fazer o mapeamento, pra saber exatamente quantas equipes iam precisar, aí se descobriu que tinha uma média de quatro mil famílias (quando deveria ser mil por equipe). Então o que é que se ia fazer? Era a grande discussão: se implantava as equipes só e deixava o resto dos habitantes ali do lado sem nada, (...) ou se implantava as quatro equipes e aí a população, junto com essas equipes e a secretaria, iam forçar o prefeito a construir outras unidades para desmembrar essas equipes. (...) Então, assim, vamos implantar, aproveitar que existia essa vontade de implantar e a partir daí, a gente vai desmembrar essas equipes. Só que isso levou uma vida, aliás, se não me engano, até hoje essas equipes estão nos mesmos lugares” (Dolores, técnica da SMS).

O que era para ser a porta de entrada do sistema em 2000, se tornou hoje “um beco sem saída”. O que era para ser uma estratégia de ampliação do acesso aos serviços de saúde, agora se mostra como um programa que inclui poucos e exclui muitos:

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Mesmo com a implantação de mais 23 equipes em 2003 e 14 em 2004, não se atingiu a meta para 2004 de 100% de cobertura do PSF no Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário.

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Aqui se referem às primeiras unidades que foram implantadas em julho de 2000: Unidade de saúde da família de Itacaranha, Alto de Coutos, Alto do Cruzeiro.

“Então nós temos ‘ilhas’, que hoje para gente, eu acho que é essa a maior dificuldade. A comunidade em algumas regiões resiste ao ‘saúde da família’, porque ela acha que a gente tá fechando a demanda, ao invés de dar uma maior acessibilidade.” (Patrícia, técnica da SMS).

“Assim, tinha uma unidade básica de Fazenda Coutos que atendia quase tudo ali. Era a unidade de Fazenda Coutos III. E de repente essa unidade virou um PSF e só atende aquela área adscrita. Toda aquela comunidade que não foi mapeada está solta. E isso aconteceu em várias comunidades. Aí lota Albergaria, lota Paripe, que é uma unidade pequenininha, lota Bariri é que uma unidade também pequena. Então, assim a gente tem 48% de PSF no Subúrbio. Ainda falta 52% do Distrito. Atender essas famílias todas com 4 postos de atenção básica. Não pode dar um bom atendimento, que a gente sabe, quem poderia estar realmente atendendo é uma unidade de PSF, que é mais especializada, que tá junto. É difícil, viu. É muito difícil...” (Magda, técnica da SMS).