• Nenhum resultado encontrado

5. TEATRALIZANDO O BOT NA VIDA COTIDIANA

5.3 PROJETO CARETAS / FABI GROSSI

5.3.2 Performatizando o ciberbullying

5.3.1.1 Apresentando as fachadas

De início, precisamos deixar marcadas quais as fachadas são apresentadas pelo bot para que, ao longo da análise dos demais itens, possamos compreender como ocorre a defesa de cada uma delas a partir de diversas estratégias de comunicação e de tecnologia adotadas pelo Projeto Caretas. Assim, resta-nos evidente a existência de duas fachadas facilmente identificadas no bot: a fachada antropomórfica, onde busca-se simular, com o máximo de precisão possível, um ser humano, e a fachada de jovem mulher vítima de ciberbullying. Assim como Goffman explana que cada pessoa é detentora de inúmeras fachadas que são entram em palco a depender da situação social que se desenrola, na Fabi ambas as fachadas caminham juntas, são interdependentes e são igualmente trabalhadas. Contudo, desde já deixamos claro que a fachada antropomórfica é a base que sustenta a de vítima. Nesse sentido, falhar com a primeira implica, necessariamente, em falhar com toda a narrativa desenvolvida na campanha.

Desta feita, buscar identificar a fachada-vítima a partir da manifestação da persona da marca no feed do Facebook, conforme fizemos com a Beta, mostra-se prejudicado na medida em que não há interações da marca na página do projeto.

Portanto, precisamos identificar essa persona olhando unicamente para o chatbot, já que não há outras manifestações de personalidade do Projeto Caretas em outra plataforma: a Fabi existe apenas ali, no Messenger. É aqui que buscaremos encontrar elementos que contribuam para a fachada a ser trabalhada. Isto posto, considerando os objetivos da campanha e todo o plano de fundo que impulsionou a criação da estratégia comunicacional, a Fabi é própria face do projeto caretas, sua persona. Dirigir-se a um público específico e jovem em uma campanha social, como o proposto pelo Projeto, implica em adotar uma personalidade imagética que permita a este público identificar-se na própria campanha. Se não há a sensação de que aquele problema pode também acontecer comigo, se eu não consigo me enxergar no outro, é difícil estabelecer um vínculo relevante o suficiente que seja capaz de tornar-se um canal de transferência de informações relevantes entre as partes.

Por outro lado, durante toda a interação existem diversas marcações interacionais que reforçam a fachada antropomórfica do robô. A primeira delas, por exemplo, encontramos no início do contato com o bot. Ao buscar extrair informações do usuário através de perguntas durante o diálogo e não através de artifícios tecnológicos como o Biga Data (Figura 26), o chatbot incorpora uma usuária comum da rede ao demonstrar não apenas pouco conhecer sobre o interlocutor, mas se interessar por saber de quem se trata. A lealdade dramatúrgica da narrativa, neste caso específico, envolve demonstrar o menos possível a quase onisciência que uma IA pode ter e manter esse papel durante toda a interação é relevante para, mais uma vez, não causar assombro ou repulsa ao usuário.

Desta forma, é interessante mostrar que o menos é mais: apesar de toda a tecnologia e funcionalidade que o Big Data pode oferecer à construção e à evolução da Inteligência Artificial, deixar oculta esta capacidade torna-se, no presente caso, essencial para manutenção da lealdade dramatúrgica da interação. Esta característica é diametralmente oposta ao esperado no caso de serviços automatizados aos quais percebe-se que iniciar a conversa chamando o usuário pelo nome cria uma sensação de zelo com o consumidor, empatia e pertencimento. Desta maneira, resta evidente que não há uma fórmula padrão a ser aplicada, mas sim a indispensabilidade de uma análise caso a caso para saber até que ponto deve-se externar a capacidade dos bots de coletar informações acerca do usuário e utilizá-las em uma conversa automatizada.

Dito isto, a manutenção dessas duas fachadas da Fabi Grossi durante as quase 24h de interação com o usuário consubstancia a defesa da persona do Projeto Caretas e a forma com que este escolheu se comunicar com seu público. O envio de fotos, áudios e vídeos contribui para a defesa da persona na medida em que integra o rol de ações que promovem a estratégia de manutenção da fachada. O que veremos a seguir é como a defesa dessas fachadas se desenrolam a partir da teoria da teatralidade goffmaniana aplicada à interação com a Fabi Grossi.

5.3.2.2 Aparência e maneira

Conforme relatamos, logo no primeiro contato com o usuário é enviado uma alerta no sentido de informá-lo que a conversa a ser desenvolvida é, na verdade, uma “experiência de ficção interpretada por uma atriz virtual” (Figura 22). A escolha das palavras é interessante: não se diz tratar de um robô ou mesmo de uma IA. Usar a expressão “atriz virtual” é um artifício para que não seja criada uma resistência inicial do interlocutor humano por estar conversando com uma máquina, o que causa ainda uma certa repulsa por parte de alguns. É um jogo de palavras que revela uma verdade através do eufemismo, ou seja, trata-se do dizer sem dizer. Na verdade, Kathia Calil, a mulher que emprestou rosto e voz à Fabi, é uma atriz, mas não virtual. Virtualidade está no que a transpôs para o Messenger: o código de programação. Dessa forma, além de uma imagem para a personagem, à Fabi Grossi também foi atribuída uma aparência e uma maneira. Isto posto, para criar essa atriz virtual, o bot

pauta sua interação com o usuário através não apenas de relatos, mas também apresentando fotos, áudios, vídeos e documentos que são ingredientes relevantes para a verossimilhança da narrativa e são importantes para o objetivo persuasivo de conscientização acerca da temática abordada na campanha. É no aplicativo de conversação instantânea onde as ações do enunciador ocorrem e é com os elementos tecnológicos oferecidos pela plataforma que a fachada da personagem Fabi será validada.

Após este aviso inicial, a robô se propõe a apresentar-se, dizendo seu nome e idade, para logo em seguida questionar ao interlocutor humano sobre a idade dele. Em que pese este último dado poder ser facilmente coletado pelos dados presentes no perfil do Facebook do interlocutor, a Fabi opta por perguntar a idade da pessoa com quem está conversando (Figura 26). Esta estratégia pode ser vista por dois ângulos: o primeiro, a cortesia, por abrir as portas e servir como um quebra gelo para iniciar a conversação; o segundo é perceber que este questionamento serve como a âncora conversacional que justifica ela própria revelar sua idade, 21 anos, o que se mostra relevante para a identificação do público alvo (adolescentes e jovens adultos) com a mulher que compartilhará seus problemas e angústias. Por outro lado, é de se esperar que por trás da conversa, independente da veracidade da resposta dada pelo interlocutor humano, os programadores tenham coletado o dado etário existente nas páginas dos usuários como métrica de resultados e alcance da campanha. Dessa forma, pouco importa, estatisticamente falando, se a idade revelada pela pessoa durante a conversa é ou não real, pois o próprio código capta o que de fato interessa através do Big Data.

Logo após se autoqualificar, Fabi manifesta receio de que o vídeo caia nas mãos de alguém da sua família e ao questionar se deve ou não contar o ocorrido aos pais, a Fabi adiciona novos elementos à sua fachada. Passamos a conhecer um pouco mais o ambiente social ao qual ela está inserida na medida em que, pouco após a fase de apresentação, de si e do problema que a aflige, Fabi envia três fotos suas: uma em plano médio, que revela a aparência do seu corpo, e duas de rosto. Após encaminhar as fotos, ela informa: “essa sou eu” (Figura 27).

Figura 27: fotos da Fabi. Fonte: Facebook.

Esta fase da conversa é interessante por não deixar aberto ao usuário como seria a fisicamente a garota que está desabafando com ele. O bot faz questão de deixar claro como ela é fisicamente. Para além disso, o local onde as fotos foram tiradas e as roupas que usa também servem de indicativo para tentar enquadrar a Fabi em um determinado padrão socioeconômico. Ademais, entre uma foto e outro, ela revela que passou maquiagem para a mãe não perceber que passou a noite em claro. Este dado, apesar de parecer bobo, indica que a Fabi ainda mora com a mãe e, mais a frente, em outro momento ela também acrescenta que o pai mora igualmente com ela. Assim, pouco a pouco esses elementos visuais e informativos vão moldando a fachada a ser defendida ao longo da interação: Fabi é uma mulher jovem, branca, de classe média e que mora com pais em um apartamento. Destarte, ao pensarem em criar um bot apto interagir e cativar jovens e adolescente, a marca idealizou um background social para inserir a personagem Fabi e torná-la mais crível e simpática ao público.