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Aproximação 2 Abordagem Comunitária: esticando o conceito de interprofissionalidade.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2 Aproximação 2 Abordagem Comunitária: esticando o conceito de interprofissionalidade.

5.2.1 Considerações Iniciais

A Atenção Básica (AB) compreende-se como porta preferencial de entrada na rede de atenção à saúde e surge como estratégia para reorientar a organização do Sistema Único de Saúde (SUS) objetivando atender as necessidades da população a partir do conceito ampliado de saúde e dos condicionantes sociais para a promoção desta como direito social (SOUZA et al, 2014).

É importante lembrar que a produção de cuidado nos serviços de saúde na Atenção Básica (AB) expõe a sobreposição de saberes e fazeres no cotidiano que está centrado no paradigma biomédico e reproduz o modelo de Taylorista2 de organização do processo de trabalho. Esse ideário embota a missão do trabalho nos territórios da AB.

2 Baseava-se na produção em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais

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A junção de conceitos, teorias e práticas gera uma ambiência em que existe algum trabalho em equipe, algumas ações individuais e coletivas que promovam saúde, algo de vigilância à saúde, noções de controle e participação social e tentativas de gestão da clínica. Porém, predominam o agir desconexo da realidade local, atuação fragmentada da equipe, centralidade na agenda do profissional médico, lógica curativista e reativa compondo um enredo ambulatorial.

Na perspectiva de ativar processos de mudanças coerentes com os princípios e diretrizes do SUS alguns conceitos e teorias foram produzidos para sustentar o processo de reorientação do modelo tecnoassistencial.

Esse texto é fruto dos registros de campo da pesquisa de doutorado intitulada “Avaliação dos Programas de Residências em Saúde nos cenários de prática no estado do Rio Grande do Norte”, realizada em seis Unidades Básicas de Saúde (UBS) com onze equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), nas duas cidades em que os programas de Residência Multiprofisisonal em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade e Medicina de Família e Comunidade atuam juntos no estado.

Pretende anunciar o conceito de abordagem comunitária como uma ampliação da interprofissionalidade.

Para começar essa apresentação conceitual necessário se faz compartilhar observações sobre três experiências em que foi feito contato com o conceito ao longo da produção de dados da pesquisa. Em seguida, dialoga-se com outros conceitos do quadro de referências da abordagem comunitária culminando com a descrição das dimensões que compõem o conceito.

5.2.2 Vivências de abordagens comunitárias

Chama-se de abordagem comunitária os processos de produção de cuidados em que os (as) usuários (as) estão explicitamente como responsáveis pelo autocuidado, mas são também cuidadores de outros (as) usários (as).

- Ekobé: ambulatório da Universidade do Estado do Ceará

O primeiro contato com o Ekobé foi em 2015, durante um evento em Fortaleza, na Escola de Saúde Pública do Ceará. Gerou certo estranhamento, uma vez que nossas formações nos ensinam que ter um ambulatório dentro da universidade seria um “não aprender na rede local”, uma espécie de manutenção da academia só na academia, isolada das necessidades da sociedade.

e fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cujas somatória resultava no trabalho coletivo. (ANTUNES, 2009, p. 38-9)

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Um fanzine, na verdade um planzine (revista de fã de plantas medicinais), produzido coletivamente em uma das formações no Ekobé, apresenta o ambulatório:

O Ekobé é um centro de formação e cuidados em saúde, que, por compreender a vida a partir de uma dimensão holística (corpo, mente, espírito) oferece de forma gratuita práticas integrativas e populares, como Reiki, Massoterapia, Hipnose, Yoga, Capoeira, Radiestesia e Constelação Familiar. Localiza-se na UECE – Itapery. (PLANZINE, 2017, p.1).

Então, não era um lugar de distanciamento entre a universidade e a rede de serviços, era a criação de um ponto da rede em que teoria e prática eram vividas, intensamente, desde a construção do espaço - toda a estrutura física foi produzida a partir da permacultura com bioconstrução - até a oferta de cuidado individual e coletivo.

O trabalho desenvolvido no Ekobé revoluciona os paradigmas em Saúde, uma vez que disponibiliza uma série de terapias complementares para possibilitar a melhoria das condiçõesde saúde da população de Fortaleza. Esse espaço foi possível através de um convênio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a equipe do Ekobé e a Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS) (RULZ, 2008).

Silva, Melo e Lage (2019) divulgam no site sobre o Ekobé:

A palavra indígena significa “vida”, em tupi guarani. E não é somente essa similaridade com os povos tradicionais que o espaço possui. Lá habita o cuidado oriundo dos saberes ancestrais, como também pessoas dispostas a propagá-los.

Continuam contando a história de criação do ambulatório em 2005 por ocasião de um encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Os cuidados são ofertados pela moeda da solidariedade e tem a educadora popular e médica Vera Dantas como uma das criadoras do Ekobé. Todos os cuidadores que integram o espaço, o fazem por satisfação a partir do princípio da cooperação, num fluxo de recebimento e retribuição. Como Vera diz “Temos pessoas aqui que chegaram sendo cuidadas e depois viraram cuidadoras”. Não só contribuem dentro da casa como também fora dela.

Em 2017, ao participar de uma formação de Educação Popular com Vera Dantas, em Mossoró na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) foi possível vivenciar como aprendiz dessa grande mestra sobre processos de cuidar integrativos e populares emancipatórios.

No ano de 2019, foram realizadas imersões de Educação Popular incluindo visita ao Ekobé que disparou a reflexão sobre os vários conceitos que versam sobre o disciplinar (multi,

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inter e transdisciplinar) e sobre o profissional (uni, multi e interprofissional) que agora pareciam não acolher a vivência do usuário com toda sua autonomia de cuidado de si e cuidado do outro.

Aprendizagens foram compartilhadas com pessoas que começaram no Ekobé procurando ajuda para enfrentar suas necessidades de saúde e agora são formadores de outros cuidadores e cuidam de outras pessoas. Sem terem profissões na Saúde, são eles pedagogos, jornalistas, artistas, estudantes ou simplesmente usuários do espaço.

Cheios de desejo e vontade de cuidar de outros e outras. Desejo encantador que em nossa vida profissional de dezessete anos como enfermeira assistencial é comum faltar em colegas graduados e pós-graduados em profissões da Saúde.

Cuidado solidário, gratuito e amoroso fundamental para mudar a produção dos serviços de Saúde e transformar o modelo assistencial hegemônico. Foi tão transformador participar dessas formações de Educação Popular, que os questionamentos sobre os conceitos que até então alimentavam nosso andar na vida profissional, passaram a inquietar.

São propostas de educação popular que constituem um olhar multirreferencial na interface com os atores populares e institucionais que dialoguem sobre ações coletivas de enfrentamento das situações-limite apontadas pela população. (BRASIL, 2014).

Aquela ambiência do Ekobé é pura afetação, a oca pela condição indígena, a policromia que enche de energia, a espiral de ervas medicinais, o acolhimento afetuoso e a liberdade como algo do “você é de casa”. Tudo aquilo fez entender porque as paredes brancas com azulejos e as salas quadradas de alguma forma não atendiam por ambiência humanizada. Faltava vida.

Em cada cenário pesquisado faltava essa vida multicolorida, conexão com ancestralidade, amorosidade e solidariedade. Essenciais para a formação em Saúde.

A sensação de transversalidade entre a Ciência e os saberes da tradição, atravessa as crenças mais íntimas de organização e produção de cuidados. Funcionou como um achado para a questão de pesquisa que envolve a produção de cuidado, como algo que diz “a resposta é essa” para a formação em Saúde. Baseada no Sistema de Saúde coloca o povo entre as disciplinas e entre as profissões, não de forma intrínseca ao conceito, mas de forma explícita. Para além da autonomia do “Cuidar de Si”, mas com a potência de cuidar de outras pessoas. Como nossos ancestrais que não tinham formação em Saúde e eram grandes cuidadores da população.

Exatamente como versam os princípios políticos-pedagógicos da Educação Popular, tomados como ferramentas de agenciamentos para participação em defesa da vida como estratégia de mobilização social pelo direito à saúde. Instigando atitudes de participação no sentido de

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sempre mudar realidades, tornando-as vivas, criativas e correspondentes ao desejo de uma vida digna e feliz. (BRASIL, 2007).

A vivência de aprendizagens do Ekobé impulsionou para reinventar o processo ensino- aprendizagem do Programa de Residência em Mossoró que serão apresentados em seguida.

- O Espaço da Palavra

No ano de 2012 acontecia a inauguração do Espaço da Palavra (APÊNDICE E) pela psicóloga Maria Tereza Vieira Holanda, na cidade de Mossoró, a partir de seu diagnóstico situacional dos transtornos mentais das UBS, de acordo com sua participação no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Participamos da inauguração como enfermeira da ESF de uma das equipes.

Os objetivos traçados pela idealizadora da estratégia eram: criar um espaço entre usuário e equipe a partir de uma relação dialógica e de uma escuta qualificada; intervir na redução de danos, diminuindo, assim, o uso de psicotrópicos. Os encontros são semanais como forma de fortalecer o vínculo entre os profissionais e os usuários, e de usuários entre si. (CARVALHO, 2018)

Com a abertura do Programa de Residência Multiprofissional em Mossoró, levamos o Espaço da Palavra como ferramenta de abordagem em saúde mental no âmbito coletivo. Maria Tereza, agora também preceptora do núcleo de psicologia. Entre 2015 e 2019 apoiamos a manutenção de grupos estimulando abertura de outros nos cenários de práticas onde a Residência Multiprofissional atuava.

Estivemos como enfermeira e depois como preceptora de 2012 a 2017 junto ao grupo da UBS que estava na ESF. Aprendemos outra forma de cuidar a partir da sistematização do Espaço da Palavra, uma forma de cuidar do outro e do grupo que acolhe, escuta, sabe esperar, confia na força e apoia a autonomia.

O espaço da palavra pode ser conduzido por qualquer pessoa que deseja cuidar de outras pessoas, já que consiste em um Círculo de Cultura que trabalha com as potências do facilitador. Maria Tereza, por exemplo, é focalizadora de Biodança e por isso os encontros com ela eram recheados de músicas através de exercícios que expressam uma profunda sensação de bem-estar e promovem a integração do organismo, que atua de forma cada vez mais coerente e ética em sua relação com o outro. (HOLANDA; CARVALHO; SOLANO, 2019). Outros facilitadores usam

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poesia, aromoterapia, auriculoterapia nos encontros do grupo. Não há uma receita para os grupos, só intenção de cuidar com outra abordagem.

O encontro do grupo que acompanhei começa com uma palavra geradora escolhida pelo grupo no encontro anterior. Com uso de chás de ervas medicinais, essa prática é comum em todos os grupos Espaço da Palavra, para proporcionar uma reconexão com os saberes curadores ancestrais que, por longos anos, ajudaram no enfrentamento de alguns transtornos mentais leves, como, por exemplo, chá de capim santo, Cidreira etc.

Pesquisa de conclusão da Residência em nosso programa sobre as vivências das mulheres nesse grupo que ajudamos a criar e que existe até hoje, registra “Na maioria dos dias eu tô bem. Mas tem dias que parece assim, que eu vou morrer. (pausa). Tem dias que eu tô muito bem. Mas tem dias que desaba tudo. Eu amanheço cansada, um desânimo tão grande, uma tristeza. Aí eu vou pro grupo, às vezes triste, cansada, muita coisa ruim na cabeça, mas quando chegava a hora de eu ir, que chegava lá, e começava a ouvir as coisas, aí tinha coisa que parecia que tava falando pra mim. Ave Maria, mudou muita coisa, muita coisa na minha vida mudou, depois que comecei a ir pra aquele grupo, me sinto muito bem”. (sic) (CARVALHO, 2018, p. 42)

Percebe-se que o grupo, ao longo dos anos, gera força para as mulheres que estão nele, onde uma cuida da outra, que cuidam do grupo, que ajudam a equipe. Hoje a equipe não assume mais o cuidado do Espaço da Palavra, mas o grupo permanece se encontrando toda semana, porque não dependem mais da equipe – é, agora, referência de cuidado do território e funciona com apoio externo a ESF.

Essa autonomia foi fruto do autocuidado apoiado pela sistemática criada por Maria Tereza que, em 2019, ganhou amplitude para a primeira formação de Facilitadores em Espaço da Palavra. A ideia da formação foi apostar na potência do cuidado colaborativo, autônomo e comprometido com a vida que o grupo oportuniza. Estávamos organizando o ambulatório das Residências em Saúde para atender a Linha de Cuidado de Atenção Integral da população LBGTT+ (APÊNDICE E) e as Práticas Integrativas e Populares de Cuidado.

A formação foi delineada e realizada por Maria Tereza com Pedro e Jéssica (Residentes do segundo ano) com apoio de dois residentes concluintes de 2018 e 2019, Arthur e Pammella, todos psicólogos. A ideia era espalhar facilitadores nos territórios e fortalecer o ambulatório. Foi nesse contexto que acreditamos no que Vera Dantas vinha nos ensinando e fizemos uma vivência com ela no Ekobé para nos encorajar na busca de outras relações e referências.

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Assim, em julho de 2019, aconteceu a formação em que residentes, profissionais da AB, preceptores e usuários dos nossos territórios experimentaram o Espaço da Palavra para semear em seus respectivos locais de produção de cuidado. Uma transversalidade que afetou a todos, inclusive os facilitadores do curso - uma energia compartilhada que nos encheu de esperança com o que estávamos gerando.

A natureza do cuidado inclui dois sentidos básicos, intimamente ligados entre si. A primeira, a atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro. Seguida, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado se sente envolvida e ligada ao outro ou outra. Apresenta também ressonâncias como o amor como fenômeno biológico, a ternura, carícia, cordialidade, a convivialidade e a compaixão. (BOFF, 2004).

Em setembro, por ocasião da produção de dados, estivemos em um dos territórios que participaram da formação de residentes, agentes comunitários de Saúde (ACS) e usuários. Essa experiência é marcante pela transformação dos (as) usuários (as) que, durante a formação, apresentavam um silêncio que poderia refletir as relações de poder, por vezes, impostas nesses espaços. Participar do encontro do Espaço da Palavra com esses mesmos usuários (as) foi encantador pela autonomia e segurança que os três usuários que fizeram a formação de facilitadores expressavam.

Foi uma sensação única debaixo de um cajueiro, um círculo com uns trinta usuários, equipe de Residentes e equipe da UBS, como se a resposta que procurava para as inquietações da pesquisa estivesse ali. Naquele lugar, com a luz da manhã atravessando as folhas e frutos do cajueiro, o farfalhar das folhas, o som dos passarinhos, foi a composição perfeita que atendia à imagem de produção de cuidado que buscava encontrar no serviço.

Encontro apoio no II Caderno de Educação Popular em Saúde (BRASIL, 2014) quando a autora Vanderléia Pulga menciona a reflexão, partilha e leitura coletiva das possibilidades, sendo feita também através do exercício das linguagens diversas, espaços comunicativos dos movimentos com estímulos ao protagonismo popular, reconhecendo as histórias de vida de cada um com seus anseios, necessidades e potencialidades.

Partilha de cuidado, amorosidade, pessoas que se encontravam para cuidarem de si e do outro e da outra. Cuidado compartilhado. Um dos usuários que estava como facilitador, ao ser entrevistado (o melhor das entrevistas foram as conversas antes e após o ‘gravando’, talvez a liberdade da conversa sem estar documentada fosse a garantia da conversa franca), demonstrava

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uma alegria genuína de quem aprendeu a doçura do cuidado humanizado. A formação de facilitadores em Espaço da Palavra operou uma autêntica transformação na produção de cuidado.

Debaixo daquele cajueiro, brotaram muitas respostas e outras perguntas: por que encontros como aquele não eram a essência da formação em Saúde? Como poderíamos ampliar a potência de encontros como aquele? Espalhar aquele cuidado sem criar fórmulas?

Foi uma explosão tão grande de alegria e prazer em viver aquele encontro, que não queria deixar aquela experiência. Era o lugar perfeito das quartas pela manhã.

As palavras de Vera Dantas (FIOCRUZ, 2019) expressam a sensação de uma conexão profunda entre vida, trabalho e natureza dos povos originários, parecem estar entranhados em nossa ancestralidade permitindo que o ser humano seja parte da terra, parte de outras dimensões. O corpo é território e deve produzir vida em sua amplitude no ambiente, humano, animal muito além da doença.

- Linha de Cuidado LGBTT+

Os residentes do primeiro ano (R1) dos Programas de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade da UERN/Prefeitura Municipal de Mossoró estudam juntos. Essa não é a realidade dos programas de Caicó. Nos resultados fica nítido que o ‘estarem juntos’ na instituição formadora, amplia o vínculo entre eles na produção de cuidado nos territórios. Ao se tornarem R2, há um distanciamento e, em Caicó, não há nenhuma proximidade entre os programas.

Nossa atuação como tutora junto com uma colega médica que coordena o programa de Residência Médica, do módulo acolhimento e humanização desde de 2015, em uma das atividades que os residentes produzem é um estudo de demanda para identificarem o público que acessa os nossos serviços. O resultado desde então: mulheres adultas jovens (com vida sexual socialmente aceita ou são heterossexuais, casadas, “juntas”, separadas, viúvas) com filhos; crianças e idosos. Ao apresentarem tencionamos onde estão: homens; trabalhadores e trabalhadoras (todas as UBS só funcionam em horário comercial); adolescentes, população LGBTT+; profissionais do sexo; usuários de álcool, crack e outras drogas; pessoas em situação de rua; povos nômades (circenses, ciganos e imigrantes) e povos de religião de matriz africana (não há indígenas em Mossoró e não temos nenhuma UBS com residentes em equipes da zona rural).

Partindo dessas e de outras demandas, desde 2017, os Programas de Residência de Mossoró criaram o Fórum Nacional de Diálogos e Práticas Interprofissionais em Saúde

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(FONDIPIS), que acontece anualmente, para provocar a rede a pensar e mudar as práticas de produção de cuidado. Esse nosso sonho coletivo acontece em torno dessas populações que não têm acesso ou este é restrito aos serviços de Saúde. O III FONDIPIS foi o disparador da Linha de Cuidado de Atenção Integral à Saúde da População LBGT a partir de um Grupo de Trabalho que manteve ativo o processo de organização assistencial que culminou com abertura, em outubro de 2019, do primeiro serviço no estado voltado para as singularidades desse público (APÊNDICE E).

O processo foi acompanhado de formações que operaram transformações na produção de cuidado garantindo espaços para que os ativistas dos movimentos sociais que participaram da confecção da Linha de Cuidado (ANEXO D) fossem responsáveis pela organização do ambiente, divulgação dos atendimentos, construção de agendas de trabalho, gestão do processo de produção do serviço.

Nos vários momentos entre reuniões, formações e apresentação no Conselho Municipal de Saúde (CMS), até aos dias de hoje, com o funcionamento do ambulatório os (as) usuários (as) estão com a equipe dos Programas de Residências, acompanhando a organização e execução dos atendimentos individuais e coletivos ofertados pelo ambulatório.

Esse produzir cuidado com os movimentos sociais dos usuários do serviço é a vivência dos elementos da educação popular pela capacidade de estimular autonomia do (s) sujeito(s) em autodeterminar-se, escolher, apropriar-se e reconstruir o conhecimento produzido em função de suas necessidades e interesses. Pode ser compreendida também pela responsabilização, autodeterminação, decisão, autovaliação e compromissos a partir da reflexão de suas próprias experiências e vivências (BRASIL, 2007).

Viver cada palavra desta em ato faz pulsar a fé na reorientação do modelo assistencial, mas com a população dentro de todo o processo. Na primeira reunião após o FONDIPIS, a reinvindicação dos movimentos era por um médico generalista, um endocrinologista, um psicólogo e um assistente social. Esse pedido expressava toda a produção de subjetividades do paradigma biomédico. A cada reunião e formação, íamos ampliando saberes e fazeres em saúde dando vida ao conceito ampliado de saúde. Em nossas atividades atuais no ambulatório, percebemos que essa produção em ato acontece no cotidiano do serviço.

Em uma das atividades de formação para a abertura da Linha de Cuidado, contamos com