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Mandala formativa e a Unidade Básica de Saúde Escola: as residências em saúde nos cenários de práticas na atenção básica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAUDE DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM CURSO DE DOUTORADO

LORRAINY DA CRUZ SOLANO

MANDALA FORMATIVA E A UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE ESCOLA: AS RESIDÊNCIAS EM SAÚDE NOS CENÁRIOS DE PRÁTICAS NA ATENÇÃO

BÁSICA NATAL-RN 2020

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LORRAINY DA CRUZ SOLANO

MANDALA FORMATIVA E A UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE ESCOLA: AS RESIDÊNCIAS EM SAÚDE NOS CENÁRIOS DE PRÁTICAS NA ATENÇÃO

BÁSICA

Tese de Doutorado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do Grau de Doutor em Enfermagem

Área de concentração:

Enfermagem na Atenção à Saúde

Linha de Pesquisa:

Enfermagem na vigilância a Saúde

Orientador:

Prof. Dr. Francisco Arnoldo Nunes de Miranda

NATAL/RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Bertha Cruz Enders - -Escola de Saúde da UFRN - ESUFRN

Solano, Lorrainy da Cruz.

Mandala formativa e a Unidade Básica de Saúde Escola: as residências em saúde nos cenários de práticas na atenção básica / Lorrainy da Cruz Solano. - 2020.

139 f.: il.

Tese (Doutorado)-Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-graduação em

Enfermagem. Natal, RN, 2020.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Arnold Nunes de Miranda.

1. Saúde Pública - Tese. 2. Educação continuada - Tese. 3. Educação interprofissional - Tese. I. Miranda, Francisco Arnold Nunes de. II. Título.

RN/UF/BS-Escola de Saúde CDU 614:37

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4 MANDALA FORMATIVA E A UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE ESCOLA: AS RESIDÊNCIAS EM SAÚDE NOS CENÁRIOS DE PRÁTICAS NA ATENÇÃO BÁSICA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do título de Doutor em Enfermagem

APROVADA em: 28 de fevereiro de 2020

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Professor Dr. Francisco Arnoldo Nunes de Miranda - Presidente

(Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN)

___________________________________________________ Professor Dr. João Mário Pessoa Júnior

(Universidade Federal do Semi-Árido/UFERSA)

___________________________________________________ Professor Dr. Ricardo Burg Ceccim

(Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS)

___________________________________________________ Professor Dr. Rodrigo Assis Neves Dantas

(Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN)

___________________________________________________ Professora Dra. Rosangela Diniz Cavalcante

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DEDICATÓRIA

Aos meus filhos Pedro, Nina e Flora que alimentam meus sonhos e enchem minha vida de sentido. Amo vocês.

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6 AGRADECIMENTOS

Ao meu companheiro, Miguel, agradeço pelos vinte e um anos de convivência e compartilhamentos de sonhos e realizações, como nosso filho e nossas filhas.

A minha família, meu pai, minha irmã, minha madrasta, meus sogros, pelo apoio ao longo dessa trajetória.

Aos meus amigos Rosangela, pela generosidade e acolhida, Kélia, disponível e colaborativa, Madson, companheiro criativo, Camila Mesquita, cúmplice e amável, Ialy, presente e alegre, Vítor e Diana Lunardi, gentis e compreensivos. Muitas pessoas poderiam estar aqui, mas são lembradas a partir dessas pessoas incríveis em minha vida.

Ana Lúcia, minha fiel amiga no cotidiano do enredo familiar, sem você não teria conseguido.

Aos meus preciosos colegas de doutorado, Resenhas in off, Paulinha, Jéssica, Marcelly, Mércio, Gleyce e Juliana. Minha turma foi uma realização doutoral.

Aos colegas das UBS Dr José Holanda e Dr Paulo Jansem pela paciência e companheirismo ao longo desses quatro anos. Vocês são parte dessa conquista.

À Saudade, secretária municipal de Mossoró, pela força e reconhecimento no meu trabalho. Aos meus colegas do Hospital Maternidade Almeida Castro, principalmente, Larizza Queiroz pelo valor atribuído ao meu trabalho. A Elisângela e Kelly, colegas de Instituto de Ensino, Pesquisa e Extensão. A Nikellyne e Patrícia pelas palavras e ações ao longo dessa nossa caminhada.

Ao PGENF/UFRN pelas oportunidades que me permitiram ser mestre e agora doutora. Agradeço aos funcionários, professores e demais pesquisadores pelos encontros de aprendizagens.

À SMS de Caicó pela abertura para a pesquisa. Virgínia, sua postura foi sempre responsável e comprometida com o serviço de saúde caicoense.

Aos coordenadores dos programas de residência da Escola Multicampi de Ciências Médicas do Rio Grande do Norte da UFRN, professoras Ana Luiza e Renata.

Aos meus companheiros e companheiras do movimento de Educação Popular, aos mestres Vera Dantas e Ray Lima. Aos meus amigos Paula Érica, Priscila, Berg e todos aqueles e aquelas que alimentam meus sonhos democráticos.

Ao Grupo de Pesquisa de Ações Promocionais e de Atenção a Grupos Humanos em Saúde Mental e Saúde Coletiva da UFRN, coordenado pelo professor Arnoldo e destaco a participação de Glauber Weder.

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Ao professor Arnoldo pela generosidade em me acolher como aluna e aprendiz de bruxo. Serei eternamente grata pela oportunidade em ser sua doutoranda. Sem sua dedicação, empenho e paciência, esse trabalho não seria possível.

A minha banca examinadora pela colaboração imprescindível nesse momento tão difícil de finalização do que, na verdade, não tem fim.

Ao professor Ricardo Ceccim por permitir a realização do meu sonho de aprender com ele. Sua existência em minha vida foi um verdadeiro presente.

A Lucídio, Rafael e Juliane, amigos que a vida me presenteou ao longo da idealização e implantação do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade de Mossoró.

À Andréa Taborda, pioneira com o Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade de Mossoró. Sua amizade tem valor único.

A todos os residentes, preceptores, tutores dos programas de Mossoró e Caicó - Jéssica, Pedro, Arthur, Pammella, Jean, Brena e Maria Helena -, em nome de vocês, agradeço aos residentes. Maria Tereza, Simone, Janaíne, Lorena e Narjara, em nome de vocês, agradeço aos preceptores. Isabel, Ana Luiza, Ubaldo, Amélia, em nome de vocês, agradeço aos tutores.

Meu agradecimento especial aos usuários, trabalhadores e trabalhadoras, gerentes das seis Unidades Básicas de Saúde que permitiram a vivência da pesquisa. Senti a dor e a alegria de estar nos territórios ao lado de vocês. Levarei comigo cada aprendizado compartilhado ao longo das seis semanas.

A minha ancestralidade. A produção de dados gerou uma reconexão com meus ancestrais indígenas e seridoenses, que fortalecem meus passos e sonhos em busca de viver aquilo em que acredito.

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8 RESUMO

Objetivou-se avaliar processos e resultados dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade em Medicina de Família nos cenários de prática da Atenção Primária à Saúde do Estado do Rio Grande do Norte. Trata-se de estudo qualitativo, com apoio da cartografia, desenvolvido em Unidades Básicas de Saúde que são cenários de prática de atuação conjunta dos Programas de Residência em Saúde nos municípios de Mossoró e Caicó - únicos nesta área da especialidade de Saúde da Família e Comunidade no estado. Participaram do campo coletivo dessas residências 12 usuários, 24 trabalhadores de saúde, 12 residentes, 4 preceptores e 5 gestores, que foram convidados a colaborar com o estudo por meio do método “bola de neve”. A produção dos dados aconteceu em duas etapas, coordenadas entre si. A primeira consistiu na produção e registro dos dados em forma de relatos de campo, tal como ocorre no compartilhamento relativo ao chamado “território existencial” em que se inserem os campos de prática das residências. A segunda aconteceu no encontro com os usuários, trabalhadores, residentes, preceptores e gestores, mediados por roteiros de entrevista semiestruturada. Atendendo à legislação brasileira, foram seguidos os preceitos determinados pela Resolução nº 466/2012, do Comitê Nacional de Ética na Pesquisa, do Conselho Nacional de Saúde registrada no CEP/UFRN CAAE: 12101019.5.0000.5537. O estudo apresenta o conceito/ferramenta de Mandala Formativa sobre os fios de formação em serviço. Os resultados evidenciados através dos registros de campo, demonstrados nos mapas cartográficos de cada cenário, expressam a produção de subjetividade em torno do SUS, Atenção Básica e formação profissional. Estão apresentados em duas aproximações denominadas Abordagem Comunitária e Unidade Básica de Saúde como Escola em dois artigos - um que versa sobre análise da implantação do Programa de Residência Multiprofissional em Mossoró e outro sobre a dinástica do saber e a Residência Multiprofissional. A análise dos Programas de Residência resultou na problematização das Unidades de Saúde como Escolas e o que precisa ser sistematizado para gerar espaços resolutivos em que todos aqueles e aquelas que estão nos cenários de práticas na Atenção Básica aprendam: estudantes, profissionais, gestores, usuários, professores e pesquisadores.

DESCRITORES: Educação continuada, Saúde Pública, Educação Profissional em Saúde Pública, Educação Interprofissional, Ensino.

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9 ABSTRACT

The objective was to evaluate the processes and results of the Multiprofessional Residency Programs in Family and Community Health in Family Medicine in the practice scenarios of Primary Health Care in the State of Rio Grande do Norte. This is a qualitative study, supported by cartography, developed in Basic Health Units that are scenarios of practice of joint action of the Health Residency Programs in the municipalities of Mossoró and Caicó - unique in this area of the specialty of Family and Community Health in the state. 12 users, 24 health workers, 12 residents, 4 tutors and 5 managers participated in the collective field of these residences, who were invited to collaborate with the study through the “snowball” method. The production of the data took place in two stages, coordinated with each other. The first consisted of the production and recording of data in the form of field reports, as occurs in the sharing related to the so-called “existential territory” in which the practice fields of the residences are inserted. The second took place in the meeting with users, workers, residents, tutors and managers, mediated by semi-structured interview scripts. In compliance with brazilian legislation, the precepts determined by Resolution No. 466/2012, of the National Research Ethics Committee, of the National Health Council registered at CEP / UFRN CAAE: 12101019.5.0000.5537 were followed. The study presents the concept / tool of Mandala Formative on in-service training threads. The results evidenced through the field records, shown in the cartographic maps of each scenario, express the production of subjectivity around SUS, Primary Care and professional training. They are presented in two approaches called Community Approach and Basic Health Unit as School in two articles - one that deals with the analysis of the implementation of the Multiprofessional Residency Program in Mossoró and another on the dynamics of knowledge and the Multiprofessional Residency. The analysis of the Residency Programs resulted in the problematization of Health Units as Schools and what needs to be systematized to generate resolutive spaces in which all those who are in the scenarios of practices in Primary Care learn: students, professionals, managers, users, teachers and researchers.

DESCRITORES: Education, Continuing; Education, Public Health, Public Health Professional ; Interprofessional Education, Teaching.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mandala doada para UBS Santa Costa 12

Figura 2 – Mandala doada para UBS Antônio Camilo 18

Figura 3 – Mandala doada para UBS Dr José Fernandes de Melo 20

Figura 4 – Mandala Formativa 22

Figura 5 – Mandala doada para UBS Valdete Minervino 28

Figura 6 – Mandala doada para UBS Vereador Durval Costa 38

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AB Atenção Básica

ACS Agente Comunitário de Saúde

ANEPS Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação

Popular e Saúde

APS Atenção Primária à Saúde

C e D Crescimento e Desenvolvimento

CMS Conselho Municipal de Saúde

EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

ESF Estratégia de Saúde da Família

FONDIPIS Fórum Nacional de Diálogos e Práticas Interprofissionais em Saúde

HUOL Hospital Universitário Onofre Lopes

IES Instituições de Ensino Superior

LGBTT+ Lésbicas, Gay, Bissexuais, Travestis, Transexuais e outros mais

NASF Núcleo de Apoio a Saúde da Família

NDAE Núcleo Docente-Assistencial Estruturante

ONG Organizações Não Governamentais

PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde

PDI Plano de Desenvolvimento Institucional

PMAQ Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da

Atenção Básica

PMM Prefeitura Municipal de Mossoró

PTS Projeto Terapêutico Singular

R1 Residentes do primeiro ano

R2 Residentes do segundo ano

SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

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SUS Sistema Único de Saúde

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

UFERSA Universidade Federal Rural do Semi-Árido

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13 SUMÁRIO 1. CONFECÇÃO INICIAL... 15 2. OBJETIVOS... 22 2.1 OBJETIVO GERAL... 22 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS... 22 3. REFERENCIAL METODOLÓGICO... 24 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO... 34

4.1 APROXIMAÇÃO 1 – MANDALA FORMATIVA: FIOS DA FORMAÇÃO EM SERVIÇO... 34

4.2 APROXIMAÇÃO 2 - ABORDAGEM COMUNITÁRIA: ESTICANDO O CONCEITO DE INTERPROFISSIONALIDADE... 41

4.2.1 Considerações Iniciais... 41

4.2.2 Vivências de abordagem comunitária... 42

4.2.3 Caminhos conceituais da abordagem comunitária... 50

4.2.4 Abordagem comunitária: dimensões do cuidado... 56

4.2.5 Conceito-fluxo... 58

4.3 APROXIMAÇÃO 3 – UBS ESCOLA: LUGAR DE SONHOS E PRODUÇÃO DE DESEJOS... 61

4.3.1 Considerações Iniciais... 61

4.3.2 UBS Escola: comunidade de encontros... 62

4.3.3 UBS Escola: criar conexões e ampliar a resolutividade... 65

4.3.4 Do modelo utilitarista de formação para um modelo responsável de formação: um modo participativo de observação do não dizível na literatura... 68

4.3.5 Ser UBS Escola... 75

4.3.6 Para continuar experimentando o conceito UBS Escola... 78

4.4 ARTIGO 1 - ANÁLISE DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL... 80

4.5 ARTIGO 2 – A DINÁTICA DO SABER E A RESIDÊNCIA... 96

6 CONTINUANDO OS FIOS DA MANDALA... 106

REFERÊNCIAS... 109

APÊNDICES... 116

APÊNDICE A -REGISTRO DAS ATIVIDADES DIÁRIAS EM CAMPO... 116

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS DIRIGIDO AOS TRABALHADORES, GESTORES E RESIDENTES... 117

APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTAS DIRIGIDO AOS USUÁRIOS... 118

APÊNDICE D – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO... 119

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APÊNDICE E – INVENTARIANDO EXPERIÊNCIAS NOS CENÁRIOS DE PRÁTICAS DAS RESIDÊNCIAS NO RIO GRANDE

DO NORTE... 121

APÊNDICE F – APRENDENDO A CARTOGRAFIA SOCIAL... 125

ANEXOS... 128

ANEXO A – MAPAS CARTOGRÁFICOS... 128

ANEXO B – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA.... 135

ANEXO C – EXEMPLO DOS REGISTROS DE CAMPO DA PESQUISA... 136

ANEXO D - LINHA DE CUIDADO LGBTT+... 137

ANEXO E – IMAGEM DA PORTA DO AMBULATÓRIO ... 138

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Sonho O que move

Existe em mim, mas ainda não sei Necessidade de viver e enfrentar a realidade

Manter viva Conseguir resistir Onde mora o sonho? Na dor frente à injustiça

Na lágrima que caminha no rosto do desassistido No vazio dos encontros

Na invisibilidade de vidas

Da banalidade de algumas mortes Da naturalização da indiferença Das negativas em atender

Do frio humano com humanos Da roupa branca de vaidade Da necessidade mercantil de inferiorizar alguém

Do agir impensado que ensino a obedecer No nojo do diferente

Preciso de sonho

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1. CONFECÇÃO INICIAL

As residências em saúde podem ser definidas como uma modalidade de ensino pós-graduação lato sensu que visa contribuir para a formação de profissionais para assistência, gestão e ensino. Como modalidade de ensino em serviço, a medicina foi a área pioneira, no Brasil, nos anos 1940. (BRASIL, 2010).

As Residências Médicas foram sendo ofertadas na lógica/logística de cada especialidade, como parte do itinerário para adentrar certos nichos do mercado de trabalho. Eram criadas e funcionavam dentro dos hospitais de domínio dos professores e dos chefes das clínicas. (FEUERWERKER, 2018). Essa marca histórica traça uma linha divisória entre os programas destinados, exclusivamente, a médicos, fossem eles os de Residência Médica ou de Residência em Área Profissional em Saúde - uni e multiprofissionais.

Os Programas de Residência em área profissional da saúde não são recentes na história das profissões. Gradualmente, eles são regulamentados e vêm conquistando o aparato legal para sua consolidação, como programa de pós-graduação lato sensu específico.

Dallegrave (2013) localizou quatro momentos históricos das Residências em Área Profissional da Saúde: um primeiro momento de criação das residências em meados da década de 1970 até aproximadamente o início dos anos 2000; seguido do momento de dificuldades políticas para manter a proposta, entre 2000 e 2005; depois, um terceiro momento, caracterizado pelo período de expansão dos programas e latência política, acordos com a categoria médica e solidificação dos programas, sem incursões políticas de grandes repercussões, de 2006 a 2009; e, por fim, a partir de 2010, um momento com a continuidade da expansão de programas por meio de editais de fomento, financiamento e etapa de adequação de uma matriz operacional pedagógica. Insere-se nessa localização histórica, um quinto momento que aconteceu após o golpe de 2016, com a suspensão das atividades da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), confluindo para desestruturar essa modalidade de formação, uma vez que as atividades da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) foram mantidas.

Alguns marcos históricos da Residência Médica no Brasil têm início em torno de 1945, no pós-guerra, com a abertura dos primeiros programas. Nas décadas de 1960/1970, começou a ampliação dos Programas de Residência Médica, juntamente com o boom da especialização e do assalariamento na medicina. Na década de 1980, após a criação do Sistema

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Único de Saúde (SUS), principalmente depois do investimento na expansão da Atenção Básica (AB) via Saúde da Família, emerge o desencontro entre a formação dos profissionais de saúde - sobretudo médicos -, as políticas e as necessidades do SUS, uma vez que não existia o médico de família no mercado brasileiro. (FEEUERWERKER,2018).

A partir de 2003, no início do governo Lula, é disparada a decisão política de resolver a problemática da formação para o SUS, que culmina, em 2009, com a criação do Programa

Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas – Pró-Residência. Esse desencontro da formação de profissionais médicos e as necessidades do SUS

tem enfrentamento radicalizado com o Programa Mais Médico para o Brasil de 2013, que previu a expansão intensiva da Residência Médica, entendida como importante para a formação de especialistas; passando a ser estratégica ao provimento de profissionais para o SUS, segundo as necessidades dos municípios e com financiamento federal - bolsas pagas pelos Ministérios da Saúde e da Educação. (FEUERWERKER, 2018).

Ressaltam-se as várias iniciativas que objetivavam qualificar a força de trabalho mediante ações de educação permanente em saúde, capazes de articular a formação profissional às práticas dos serviços de saúde. Entre elas, o fortalecimento e expansão das residências em área profissional da saúde e médica. (HADDAD et al, 2018).

De acordo com a Constituição Federal de 1988, ao SUS compete ordenar a formação na área da Saúde. Portanto, as questões de Educação na Saúde passam a ser atribuição finalística do sistema. A Portaria Ministerial nº 1.996, de 20/08/2007, institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, definindo

[...] educação permanente como um conceito pedagógico, no setor da saúde, para efetuar relações orgânicas entre ensino e as ações e serviços, e entre docência e atenção à saúde, sendo ampliado, na Reforma Sanitária Brasileira” (BRASIL, 2009, p. 7).

As residências em saúde, de um lado, são uma modalidade de formação em serviço – “no” e “para o” SUS –, potentes na transferência para o núcleo profissional da compreensão das necessidades sociais nessa área, a partir de respostas elaboradas de forma coletiva, de práticas interprofissionais e de conhecimentos transdisciplinares. (CECCIM et al 2018). De outro, espera-se que ações afirmativas e práticas formadoras inovadoras como as residências, contribuam para a qualificação da ação profissional, resultando na melhoria da atenção e na mudança do modelo de cuidado em Saúde. (VILLARDI et al, 2015).

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O número de pesquisas sobre os programas de residência vem aumentando ao longo dos anos, exemplificada na pesquisa que analisou teses e dissertações sobre Residências em Saúde produzidas no Brasil, no período entre 1987 e 2011. Os resultados evidenciaram uma

predominância de estudos sobre Residência Médica, seguidos de Programas de Residência Multiprofissional em saúde. Deve-se considerar o fato de a Residência Médica ter sido institucionalizada há mais de 20 anos antes da Residência Multiprofissional em Saúde; o que pode justificar a diferença no número de estudos. Destaca-se o fato de apenas 4% dos trabalhos se dedicaram a pesquisar os programas de Residência Médica e em Área Profissional da Saúde, articulando a formação de trabalhadores da saúde nessas duas modalidades. (DALLEGRAVE, CECCIM, 2013).

Mendes (2011, p. 19) define Sistemas de Saúde como “respostas sociais deliberadas às necessidades de saúde dos cidadãos e, como tal, devem operar em total coerência com a situação de saúde das pessoas usuárias”. Propõe, a exemplo de experiências em outros países, as Redes Integradas de Atenção, como forma de organizar o SUS em sistemas integrados que possibilitem responder, com efetividade, eficiência, segurança, qualidade e equidade às condições de saúde da população brasileira.

No Brasil, Atenção Primária à Saúde - APS ou AB, ambas têm o mesmo significado - constituindo-se como diretriz norteadora e articuladora para a transformação do modelo de atenção à saúde vigente e tendo a Saúde da Família (ESF) como a principal estratégia organizativa no SUS. (BRASIL, 2015). Porém, compreende-se o valor de construção do conceito AB no Brasil que carrega sintonia com os princípios da reforma sanitária.

Resultados de pesquisa realizada para avaliar a qualidade da APS pelos profissionais do serviço apontam para a necessidade de qualificar ainda mais a atenção por meio de investimentos na ESF, principalmente melhorando a qualidade do acesso e da formação profissional, destacando o reconhecimento dos especialistas na área de APS e a instituição de um programa de educação continuada que alcance todos os profissionais. Recomendam que outras pesquisas para avaliar os serviços de APS, a partir das experiências de usuários e gestores, possam ser executadas a fim de fortalecer o processo de avaliação do sistema. (CASTRO et al, 2012).

Partindo dessas premissas, apresenta-se a importância deste estudo ao questionar: as residências em Saúde - sejam as de Medicina de Família e Comunidade ou as Multiprofissionais em Atenção Básica - que estão inseridas nos cenários de práticas da APS no estado do Rio Grande do Norte melhoram os resultados da oferta de cuidado à população?

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Por cenários de prática entende-se, para essa pesquisa, o serviço de APS - a Unidade Básica de Saúde (UBS) -, que recebe os profissionais residentes para vivenciarem a formação em serviço. O campo expressa modos de fazer de cada equipe que tem elementos comuns, como a organização de agendas, e elementos singulares, como a organização de projetos coletivos, por exemplo. Essa organização é coproduzida entre os atores das equipes, ou seja, os trabalhadores de diversas categorias, preceptores, residentes, gestores e usuários, norteados por um currículo composto por sentidos e valores do cuidado. (SOUZA, 2018).

Para esclarecer outras possibilidades de cenários de práticas comuns às Residências em Saúde no Estado do Rio Grande do Norte, pode-se mencionar os hospitais para as Residências Médicas em Obstetrícia e Multiprofissionais em Neonatologia, uma vez que esses programas objetivam formação para atuação em serviços hospitalares.

O Rio Grande do Norte reflete a historicidade brasileira na estruturação dos programas de residências em saúde. O primeiro programa implantado como residência médica foi no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), hospital-escola ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no ano de 1980, que registra a formação de centenas de médicos, qualificando a prática profissional na rede pública e privada do estado. (SOUSA, 2015).

Os hospitais universitários da UFRN, atualmente administrados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), submeteram e aprovaram propostas em 2009, tendo sido as primeiras instituições formadoras a implantarem Programas de Residência em Área Profissional da Saúde, uni e multiprofissionais no RN, no âmbito hospitalar. (ALVES, 2015).

Em 2013, implanta-se o primeiro Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade do Estado, através da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Município de Mossoró, localizado no alto oeste potiguar, após submissão e aprovação de uma proposta como instituição executora, em parceria com a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) como instituição formadora. Ressalta-se a existência do programa de Residência de Medicina de Família e Comunidade, da SMS Mossoró, em parceria também com a UERN, desde 2011.

Esse marco histórico em Mossoró é o disparador desse estudo, uma vez que a pesquisadora responsável por esse estudo foi uma das idealizadoras e a responsável pela implantação do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde. Acompanha-o desde

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2013, como membro do Núcleo Docente-Assistencial Estruturante (NDAE), até os dias atuais, o que evidencia a inserção no universo dessa modalidade de formação. Some-se a esse engajamento, no ano de 2012, a UBS Dr. José Holanda iniciando como cenário de práticas do Programa de Medicina de Família e Comunidade, o que permitiu aproximação com o trabalho articulado dos dois programas e vivências do impacto no processo de trabalho e, consequentemente, nos modos com que a equipe ofertava cuidado à população adscrita.

No que se refere à UBS Dr. José Holanda, verifica-se o desenvolvimento de consultas compartilhadas, de Projetos Terapêuticos Singulares, do acolhimento com classificação de risco, da oferta de Práticas Integrativas e Complementares e ações de Educação Popular e Saúde, como vivências, entre outras, que aconteceram no trabalho conjunto dos dois programas de residência. Entretanto, acompanhando outros cenários das residências, pode-se perceber a acomodação ao modelo ambulatorial e uma formação reprodutora do paradigma assistencial hegemônico (centrado na consulta e em procedimentos biomédicos).

A formação no e para o SUS requer três princípios ordenadores do trabalho e da educação dos profissionais de Saúde. São eles: orientar-se pelo sistema de saúde vigente, pelo trabalho em equipe pautado na interprofissionalidade e pelo atendimento integral à saúde, respeitando usuários como atores em histórias de vida, histórias familiares e histórias culturais, além da organização de práticas sem dicotomia ou barreiras entre ações de promoção, prevenção e reabilitação em Saúde. (CECCIM, 2004).

O caminho desse estudo pressupõe o fato de que as residências em Saúde, especificamente os programas de Medicina de Família e Comunidade e Multiprofissionais em Saúde da Família e Comunidade, ao ocuparem os mesmos territórios nas UBS, os mesmos cenários de prática da formação, alteram os resultados da produção de cuidado. Contudo, atuam como Guattari (2000) sugere, isto é, criando novas relações com o mundo e ocupando os grandes espaços reservados à inovação, à improvisação de atividades, ações novas sem tradução ou representação, produzem realidades que têm relação estreita com a cartografia.

Justifica-se a escolha pela Cartografia, acolhendo o pensamento de Fuganti (2014), entendida como modo de produzir realidades, agenciando desejos e potências que acontecem em ato e alimentam existências. Torna-se factível para ampliar as superfícies de contato entre saberes/fazeres e criar possibilidades inventivas de encontros capazes de serem mapeados e registrados nos territórios da Atenção Básica em que as Residências em Saúde estão inseridas.

O Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UFRN começou na década de 1980, na capital Natal e, a partir de 2015, foi interiorizado para os

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municípios de Santa Cruz, Currais Novos e Caicó. Esses dois últimos ligados à Escola Multicampi de Ciências Médicas do Rio Grande do Norte, que, no mesmo ano, implantou o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família nos mesmos municípios. Assim, os dois programas atuam de forma conjunta em Caicó e Currais Novos - ambos os municípios localizados na região do Seridó potiguar.

Acredita-se que a relevância desta pesquisa consiste em permitir o acompanhamento do processo de implantação dos Programas de “Residência em Medicina de Família e Comunidade” e “Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade”, além de dimensionar o impacto nas redes locais nos municípios de Mossoró, Caicó e Currais Novos, em termos de inferência, compreensão e análises possíveis para o Estado do Rio Grande do Norte.

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Adubos oníricos

O que pode adubar sonhos? Alegria de viver

Ser, simplesmente ser. Sentir a dor do outro Prazer nos encontros A certeza das incertezas O gosto do toque

Capacidade de gestar cuidado Cura das curandeiras

Cuidar de quem cuida Beleza da diversidade

Musicalidade pulsante da vida Penetração de outras existências Palavras ainda não escritas Embriaguez da juventude que, vestida de coragem, germina solos improváveis

Pertencimentos Identidades

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2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Analisar os programas de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade e Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade, nos cenários de prática da Atenção Primária à Saúde no Estado do Rio Grande do Norte.

2.2 Objetivos específicos

• Identificar as implicações locais no processo de implantação dos programas de residência em Unidades Básicas de Saúde;

• Caracterizar a realidade das equipes que atuam nos cenários de prática após a implantação dos programas de residência;

• Investigar as potências de produção de autoanálise e de autogestão no/do cotidiano,

como geradores de protagonismo e melhoria da qualidade do trabalho nos campos da residência.

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Molhada de dor

Estou como esse dia Molhada com minha dor que estronda como um trovão em mim

Um raio me acendeu para ver a vida Os pingos que umedecem meu rosto dizem que há muito mais do que dias luminosos

A chuva arrasta a vida que agora me falta

Mela partes minhas que estavam secas pelo brilho dos meus sonhos Estou densa como as nuvens pesadas de chuva

Preciso trovejar para explodir minha tristeza

A água de chuva e lágrimas escorre a esperança em dias melhores Molhe meu corpo, para me lembrar da vida.

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3. REFERENCIAL METODOLÓGICO

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, com apoio da cartografia, desenvolvido em Unidades Básicas de Saúde (UBS), que são cenários de prática de atuação conjunta dos programas de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade e Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade no Estado do Rio Grande do Norte.

O apoio da cartografia consiste no fato de permitir traçar mapas processuais de um território existencial, que favorece o estudo das relações de forças que compõem um campo específico de experiências. Portanto, trata-se de um modo de pesquisar os processos que são produzidos e, concomitantemente, como são transformados pelo próprio ato de pesquisar em agenciamento com as linhas de força e de subjetivação do campo problemático. (PASSOS et al, 2015).

Assim, a cartografia permite apreender a movência de realidades nos cenários de prática das residências, agenciando os territórios de existência através da potência (capacidade de produzir em ato) (FUGANTI, 2014).

Definiu-se como cenários da pesquisa aqueles das práticas das Residências em Saúde localizadas nos municípios de Mossoró, Caicó e Currais Novos, no Estado do Rio Grande do Norte. Cabe reiterar o desenvolvimento, nesses municípios, de Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade e Médica em Medicina de Família e Comunidade, que atuam de forma conjunta. Acredita-se que a articulação no processo de trabalho de médicos, enfermeiros, odontólogos, nutricionistas e fisioterapeutas, entre outras categorias profissionais, potencializa os resultados da produção de cuidado, ao invés de analisar as estruturas, processos e resultados dos programas de forma isolada.

Em virtude de dificuldades locais dos programas de residência, não foi possível fazer parte do cenário de pesquisa, as residências em Currais Novos. Os entraves para manter os programas nas UBS, foram vistos pelos residentes daquele território, como um fator desfavorável para a produção dos dados da tese.

Desse modo, a pesquisa aconteceu em Mossoró e Caicó, sem comprometimento da legislação de proteção à pesquisa com seres humanos. Do ponto de vista da densidade populacional e da cobertura universal do SUS, o município de Mossoró é o mais populoso da segunda região de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte, com uma população estimada de 284.288 habitantes. A análise da pirâmide etária revela uma população relativamente jovem com

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predominância do número de mulheres. Quanto à raça, prevalecem brancos e pardos (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE MOSSORÓ, 2016).

O município de Mossoró reflete a transição epidemiológica, com registro de doenças, emergentes, reemergentes ou negligenciadas, bem como de crônico-degenerativas e internações por condições sensíveis à APS. Apresenta perfil de natureza contemporânea como a taxa de mortalidade - principalmente pelas doenças do aparelho circulatório, causas externas e neoplasias, com a presença de algumas doenças ainda persistentes ou de redução lenta, com agenda inconclusa e fatores limitantes da ação de saúde pública municipal, o que tem dificultado seu controle, a saber: tuberculose, hanseníase, dengue, doença de chagas, doenças diarreicas, leishmaniose e leptospirose, entre outras (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE MOSSORÓ, 2016). O indicador Cobertura Populacional estimado pelas equipes de Atenção Básica é de 74,39% com 69 equipes da ESF e 01 Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS).

Do ponto de vista da densidade populacional e da cobertura universal do SUS, o município de Caicó é considerado como principal referência da região do Seridó, distante 256 km da capital estadual, Natal. Seu território ocupa uma área de 1.228,574 km², o equivalente a 2,33% da superfície estadual, posicionando-se como o quinto município com maior extensão do Rio Grande do Norte (IBGE, 2018a). Tem população estimada para 2018 de 62.709 pessoas com pirâmide etária expressando maior número de mulheres e população predominantemente jovem. Percentual de cobertura de equipes de Atenção Básica (2013) de 88,25%. (DATAPEDIA, 2018a).

A cartografia admite desenhar a rede de forças (articulações históricas, econômicas, culturais etc.) à qual o objeto ou fenômeno em questão está conectado. O caminho da pesquisa é composto de passos que se sucedem sem se separar, permitindo o mergulho na intensidade do presente. (PASSOS et al,2015).

Nesse sentido, adensa-se o conceito de coletivo das residências em saúde. Participam do campo coletivo das Residências em Saúde nas UBS, usuários, trabalhadores de saúde das UBS, residentes e gestores, que foram convidados a colaborar com o estudo, segundo o método da “bola de neve”, do inglês snowball - antecipando, considera-se como uma técnica indicada para se trabalhar com Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade e Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade. Esse tipo de amostragem é útil para pesquisas quando não há precisão sobre sua quantidade, sobretudo quando requer conhecimento das pessoas pertencentes ao grupo - ou reconhecidos por estas - para localizar informantes para o projeto. Configura-se uma variante da amostra não probabilística que utiliza cadeias de referência.

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Consiste no fato de os primeiros participantes indicarem outras pessoas que atendam aos critérios de elegibilidade. (VINUTO, 2014).

Como critérios de inclusão para usuários, foram utilizados: ter idade igual ou maior a 18 anos; ter registro na UBS campo da pesquisa há pelo menos seis meses e não estar sem atendimento por igual período. Por sua vez, trabalhadores, gestores e residentes atenderam aos critérios de elegibilidade, a saber: ter concluído há, no mínimo, um ano, sua formação; trabalhar na UBS campo há pelo menos seis meses e estar em atividade por ocasião da coleta dos dados. Foram excluídos aqueles e aquelas que expressaram desconhecimento absoluto sobre o que sejam as Residências em Saúde.

Isto posto, foram entrevistados 57 (cinquenta e sete pessoas) distribuídas em 12 (doze) usuários, 12 (doze) residentes, 5 (cinco) gestores, 4 (quatro) preceptores e 24 (vinte e quatro) trabalhadores. As entrevistas foram registradas em dispositivo móvel e transcritas na sequência.

A produção de dados estava prevista para acontecer em três fases, contudo, não foi possível utilizar os relatórios do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), porque apresentavam inconsistências nos registros e, logo após o novo Governo Federal assumir, as informações ficaram indisponíveis. Para transpor essa dificuldade em cada UBS pesquisada, perguntou-se sobre como as equipes utilizaram as informações geradas pelo PMAQ e foi unânime o desconhecimento do conteúdo dos relatórios, interessando às equipes, o conceito final da avaliação. Foram seis UBS, sendo quatro em Mossoró e duas em Caicó com onze equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Das onze equipes que participaram do estudo, a classificação referente ao terceiro ciclo foi: oito com o conceito BOM, uma REGULAR e duas com MUITO BOM.

A segunda etapa trilhou a direção metodológica da cartografia que articula três ideias que compõem com ela o plano da pesquisa: transversalidade (pesquisa como intervenção sobre a realidade), implicação (inerente a qualquer atividade de produção de conhecimento) e de dissolução do ponto de vista do observador (adoção de um olhar onde não há separação entre objetivo e subjetivo). A dissolução do ponto de vista do observador não anula a observação. (PASSOS et al, 2015). A seguir, será apresentada a síntese dos registros de observação por UBS e por período pesquisado.

A) Registros de observação da UBS Vereador Durval Costa em Mossoró de 22 a 26 de julho de 2019.

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1 22/07/19 Matutino 01h20m

2 22/07/19 Vespertino 40m

3 23/07/19 Matutino 30m

4 24/07/19 Matutino 35m

Data Turno Tempo

5 24/07/19 Vespertino 01h

6 25/07/19 Matutino 45m

7 25/07/19 Vespertino 01h20m

8 26/07/19 Matutino 02h15m

TOTAL 07h25m

B) Registros de observação da UBS Dr. José Fernandes de Melo em Mossoró de 19 a 23 de agosto de 2019.

Data Turno Tempo

1 19/08/19 Matutino 02hs 2 20/08/19 Matutino 01h30m 3 20/08/19 Vespertino 02h10m 4 21/08/19 Matutino 01h20m 5 21/08/19 Vespertino 01h10m 6 22/08/19 Matutino 40m 7 22/08/19 Vespertino 50m 8 23/08/19 Matutino 01h05m 9 23/08/19 Vespertino 55m TOTAL 11h50m

C) Registros de observação da UBS Santa Costa em Caicó de 02 a 06 de setembro de 2019.

Data Turno Tempo

1 02/09/19 Vespertino 20m 2 03/09/19 Matutino 30m 3 03/09/19 Matutino 50m 4 03/09/19 Vespertino 20m 5 03/09/19 Noturno 45m 6 04/09/19 Matutino 40m 7 04/09/19 Matutino 55m 8 04/09/19 Vespertino 01h50m 9 05/09/19 Matutino 02h10m 10 05/09/19 Vespertino 02h15m 11 06/09/19 Matutino 35m TOTAL 11h05m

D) Registros de observação da UBS Valdete Minervino em Caicó de 09 a 13 de setembro de 2019.

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Data Turno Tempo

1 09/09/19 Vespertino 02hs 2 10/09/19 Matutino 02h20m 3 10/09/19 Vespertino 02h10m 4 11/09/19 Matutino 20m 5 11/09/19 Vespertino 02h30m 6 12/09/19 Vespertino 01h50m

Data Turno Tempo

7 12/09/19 Noturno 01h35m

8 13/09/19 Matutino 01h20m

TOTAL 14h05m

E) Registros de observação da UBS Vereador Lahyre Rosado em Mossoró de 16 a 20 de setembro de 2019.

Data Turno Tempo

1 16/09/19 Matutino 2hs 2 16/09/19 Vespertino 01h30m 3 17/09/19 Matutino 02h10m 4 18/09/19 Matutino 01h30m 5 18/09/19 Matutino 02h.s 6 19/09/19 Matutino 02h15m 7 19/09/19 Vespertino 01h20m 8 19/09/19 Vespertino 02h10m TOTAL 15h05m

F) Registros de observação da UBS Antônio Camilo em Mossoró de 23 a 27 de setembro de 2019.

Data Turno Tempo

1 23/09/19 Matutino 02h10m 2 24/09/19 Matutino 02h35m 3 25/09/19 Matutino 01h50m 4 25/09/19 Matutino 45m 5 25/09/19 Vespertino 01h10m 6 26/09/19 Matutino 55m 7 27/09/19 Matutino 01h20m TOTAL 10h45m

Resultado dos registros de observação da pesquisa

UBS TEMPO DE

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30 UBS 1 07h25m UBS 2 11h50m UBS 3 11h05m UBS 4 14h05m UBS 5 15h05m UBS 6 19h45m TOTAL 70h15m

Os registros são a base empírica dos resultados que constituem essa tese e serão apresentados na sequência.

A etapa das entrevistas aconteceu mediada por roteiros de entrevista semiestruturada (APÊNDICE B e C), que culminou em vários indicadores considerados essenciais e suficientes para, em tópicos, contemplar a abrangência das informações esperadas. Os tópicos são como lembretes flexíveis, para permitir que, na interlocução, sejam absorvidos novos temas e questões trazidas pelos participantes da pesquisa (MINAYO, 2010).

Cada UBS cenário de prática participamos ao longo dos cinco dias da semana em diferentes turnos e atividades procurando estar com a equipe sem julgamentos e sem preconceitos, aliás, esse foi o maior desafio. Reconhecer o processo de subjetividade que fabrica a AB e a formação nesses cenários. Como bem esclarece Guatarri e Rolnik (2017) os sujeitos são o resultado de uma produção em massa, é serializado, registrado, modelado. Esse indivíduo é um terminal que está em posição de consumidor de subjetividade. Esta, por sua vez, é essencialmente fabricada e modelada no registro social.

Comumente, as pesquisas são realizadas para culpabilizar usuários, trabalhadores e gestores (poucas resultam nessa culpa de alunos, professores e pesquisadores, uma vez que são os produtores desses conhecimentos). A imersão nas UBS foi conduzida pelo desejo de ser parte daquele lugar para conseguir identificar potências e fragilidades das residências nos territórios.

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 2000, p. 32).

Acreditando nessa pesquisa que ensina, procurou-se aprender com ela. Reaprender e reencantar com a AB produzida no cotidiano das práticas profissionais em Mossoró e Caicó.

A produção de dados desenvolveu-se partir da leitura prévia das informações relativas ao PMAQ de cada UBS. A dificuldade foi em Caicó, porque não foi possível captar os números

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de identificação dos locais da pesquisa antes de chegar para estar com as equipes. Então, em dois dos cenários, as informações foram inseridas na pesquisa, durante a semana.

Um método de círculos em redes, guarda certa semelhança com a ideia de etapas, exceto pelo fato de que não engessadas e sim deslizantes. São pesquisas que preservam certo movimento cognitivo construtivista e uma estética da mandala. São agenciadas por outros possíveis e geram interferência/intervenção no campo. No ciclo da pesquisa correm dados, informação, problematização e conhecimento, mas como fluxo. (CECCIM et al, 2014).

Na organização da produção de dados, definimos estar com as equipes por uma semana, porque, na AB, as semanas seguem um padrão de cronograma que muda dependendo das demandas das Secretarias de Saúde, das equipes, das instituições formadoras entre outros fatores.

Assim, o primeiro movimento para entrar nos cenários era com a gestão municipal que anunciaria nossa chegada para as gerentes das seis UBS. Ao chegar a cada serviço, procurava-se o serviço de recepção e a orientação era aguardar a gerente. Esse esperar era uma excelente oportunidade para experimentar ser usuário, ou seja, o lugar de alguém que procura atendimento.

Procurou-se identificar as informações visuais, comunicados, identidades das equipes e procurava-se conversar com as pessoas que aguardavam atendimentos. Esses eram os momentos mais singulares.

Ceccim et al (2014) sugerem os círculos em rede como uma possibilidade metodológica à investigação como pesquisa-formação, em que se admite uma postura científica de provocar a conversação, criando um meio de cultura para o fluxo do pensamento e uma trama em tecedura de saberes. Torna a ação de produção de conhecimento implicada, ou seja, aquele conhecimento que deseja operar práticas sociais criando conexões e permite-nos pensar a pesquisa-formação-intervenção.

Transitou-se ao longo da pesquisa do estar com para o sentir com como Ceccim traduziu em um dos vários encontros formativos ocorridos ao longo da produção da tese. Ser parte daquele lugar (lembra as cartografias sociais produzidas na residência), acessar memórias, compartilhar sentimentos e afetos.

Foram muitas conversas e participações como parte da equipe, pressões arteriais foram verificadas, participação de reuniões, matriciamentos, conversas nas salas de espera com usuários que estavam aguardavam atendimento, auriculoterapia em usuários e trabalhadores. A chegada ao serviço era sempre um estranhamento inicial que, ao longo dos dias, se transformava em coleguismo. Foram feitos novos vínculos, resgatados outros, que a rotina por vezes distância.

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Ao longo do processo de pesquisa, configura-se um ciclo da inteligência, deixando de ser um processo coletivo de transformação participativa; torna-se uma análise das figuras de realidade (reconhecimento das configurações em ato de uma realidade) e engendramento de linhas de reconfiguração dessa mesma realidade em direções produtoras de sentido (um para onde, não um para o quê). No ciclo da inteligência da pesquisa-formação, temos um momento basal na atenção e um momento operativo na construção de conhecimento, passando pela coleta/produção de dados, seleção/expressão de informações, descoberta/construção de conhecimento e emergência/produção de inteligência, desenvolvendo capacidade de pensar, não apenas de raciocinar (reordenar, rearranjar), assim operando realidades por atualidade, sempre em recomposição/reconfiguração. (CECCIM et al, 2014, p. 8-9)

Seguia-se o fluxo ao término de cada semana, sentindo com as equipes os cenários de práticas das residências nos municípios, revisavam-se os registros, organizavam-se as entrevistas para seguir a transcrição e criavam-se os mapas de cada imersão das UBS (ANEXO A).

Cada mapa se alimentava das palavras de James Cowan (1999) sobre o Fra Mauro que produzia mapas a partir de histórias de viajantes, que o procuravam e de maneira estranha o faziam viver na presença do que, para eles já era passado. O que revela a cada história? A elaboração do mapa assumia uma dimensão que não fazia parte das considerações iniciais como, por exemplo, a cada história, colhia dados impossíveis de serem verificados, mas que eram conhecimentos que abrigavam sentimentos, tanto quanto observações essenciais para a imagem do mapa. Ele se questionava se o mapa produzido refletia a existência do mundo ou a própria existência dele como cartógrafo.

Os mapas estão dispostos nesse trabalho em ordem cronológica dos momentos em que se esteve nos cenários de práticas. Revelam conversas, observações, práticas, sentimentos e sensações que foram registradas com símbolos e palavras, para revelar as linhas de montagem da subjetividade nos territórios1 existenciais.

Foram feitos sem comparação com o anterior ou posterior, e expressam aprendizagens - como pesquisadora que quer sentir com a equipe. A diferença do primeiro feito em julho e o último em setembro pode sugerir um caminho aprendido, um modo de ser pesquisadora em formação, que sonha em lançar-se em busca de modelagens responsáveis de formação no e pelo trabalho.

1 O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio do qual um sujeito

se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto dos projetos e das representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos. O território pode se desterritorializar, isto é, abrir-se, engajar-se em linhas de fuga e até sair de seu curso e se destruir. A reterritorialização consistirá numa tentativa de recomposição de um território engajado num processo desterritorializante. (GUATARRI; ROLNIK, 2017, p. 388).

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A pesquisa em geral e, em particular, aquelas que focalizam estratégias de reorganização do setor da Saúde com vistas à melhoria de seus Sistemas e coberturas - quer do ponto de vista dos serviços, quer no processo de formação e implementação da qualificação e capacitação dos profissionais -, exige que sejam resguardados os direitos legais e jurídicos dos sujeitos envolvidos em pesquisas com seres humanos. Este estudo seguiu os preceitos da legislação brasileira, referentes ao tema, como a Resolução nº 466/2012, da Comissão Nacional de Ética na Pesquisa (CONEP), do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012).

O estudo foi submetido à Plataforma Brasil para análise do Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e está registrado pelo CAAE 12101019.5.0000.5537. Essa medida visa garantir a preservação da integridade física, moral e social dos sujeitos/participantes desse estudo. Em atenção à tramitação e deliberação pelo referido comitê, ressalta-se que a pesquisa de campo só foi implementada após o deferimento do parecer consubstanciado, medida que preserva os seres humanos (ANEXO B). Por ocasião da produção de dados, solicitou-se aos sujeitos, conforme citado anteriormente, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE D), que se efetivou após os esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa, os riscos envolvidos e os resultados esperados - assegurando a confidencialidade e a privacidade dos participantes. Destarte, atende às exigências legais para encaminhamento responsável e consciente da pesquisa.

Lima (2016) apresenta a experimentação como um campo de possíveis tensões, um lugar “entre” ou um “não lugar”, em que caminhos podem ser trilhados com intervenções/interferências do transformar para conhecer. Seria um resultado desejável do método que inclui desvios, perturbações, conflitos, numa aposta de produção “de comum” entre os diferentes.

Fazer pesquisa sob esse outro olhar para as realidades, produzindo informações a respeito delas, propondo estratégias para captar os devires, registrando redes explicativas e as possíveis redes de intervenção para ter as linhas de fuga, traz pontos em que existem produções, em que se entrou em processo e outros em que se entrou em recomposição, criando outros territórios. (CECCIM et al, 2014).

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Ela disse que eu era De outra localidade Aonde o ouro brilhava Mais que a felicidade Devido à grande cegueira Da minha sociedade. Um deles disse: Rapaz,

Pode ficar com a gente. Você me parece ser Um rapaz inteligente, Mas bote um pano no rosto Pra não cegar sua mente. Botei um pano no rosto, Escondi a vaidade E sai de braços dados Com ela pela cidade Sem ver o brilho de nada Só nossa felicidade.

Hoje em dia, eu sou um deles, Caminho na escuridão. Tirei a venda dos olhos, Joguei o pano no chão... Preferi cegar meus olhos Que cegar meu coração Eu espero que ninguém

Venha sentir essa dor; Cegar seus próprios olhos, Eu peço até por favor... Não façam asneira nenhuma, Tudo pode ser mais uma História de pescador.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados estão organizados em duas partes nesse trabalho. A primeira definida como aproximações será apresentada a seguir. Aproximação 1 apresentando a Mandala

Formativa, seguida da Aproximação 2, que versa sobre o texto/síntese Abordagem Comunitária e

Aproximação 3, que irá expor Unidade Básica de Saúde Escola. Os três textos são produtos dos registros de campo. Na sequência, serão expostos os resultados do estudo já submetidos às revistas, como critério obrigatório para defesa da tese. O primeiro consiste em um estudo piloto de natureza mista em que foi testada a triangulação de métodos para verificar avaliação do Programa de Residência Multiprofissional na Atenção Básica em Mossoró. Por fim, um ensaio filosófico sobre a dinástica do saber e a residência multiprofissional à luz do filósofo Michel Foucault. Os cinco textos são interdependentes e evidenciam parte da produção de dados dessa investigação.

5.1 Aproximação 1 – MANDALA FORMATIVA: TECENDO FIOS DA FORMAÇÃO EM SERVIÇO

A confecção inicial da tese passou por pressuposições do que seria encontrado nos cenários de práticas das Residências em Saúde, mas os resultados evidenciaram outras demandas que foram sendo incorporadas ao desenho inicial da pesquisa.

Analisar o processo é uma necessidade permanente para alertar sobre possíveis mudanças de percurso e, ainda assim, manter os objetivos estabelecidos. Esse reavaliar o processo em seu desenvolvimento é necessário para problematizar. (BRASIL, 2016).

A investigação ganhou outros contornos mencionados ao longo dos textos que, semelhante ao que Ceccim (2016) descreveu de uma experiência acerca de um projeto de investigação colaborativa, realizado em 2014 e definido como “prospecção”, registra o contato com múltiplas vivências de fazer a Atenção Básica (AB) e da colocação de diversos interlocutores dessas experiências em rede de conversas, sem intenção de inventariar boas práticas; mas distintas práticas visando comemorar a multiplicidade, pluralidade e diversidade. Talvez anunciar outros/ novos itinerários assistenciais, caminhos pedagógicos locais, o repensar constante e a atualização permanente em Atenção Básica.

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Assim, avaliar as residências em Saúde nos cenários de práticas no estado do Rio Grande do Norte, permitiu como o dicionário Aurélio (2010) define o termo, avaliar o valor de abrir as portas dos serviços para ensinar no e pelo trabalho na Atenção Básica.

Nesse caminho de conhecer o valor dos encontros de aprendizagens nos cenários de práticas, foi possível ir aprendendo a relevância de pesquisar com usuários (as), com os colegas de AB, gestores de serviços, gestores dos programas e preceptores. Foi um ressignificar profissional, afetando a existência como trabalhadora, educadora e pesquisadora.

A produção de dados do estudo foi repleta de presentes ganhos ao longo das seis semanas de imersão nos territórios das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e, em cada uma delas, foram compartilhados sonhos, angústias, alegrias. A convivência modificava a escrita, estreitando os laços através do contato mantido com cada novo colega conquistado. Acredita-se que, também estes foram afetados pela pesquisa. Em cada lugar os resultados preliminares da pesquisa eram compartilhados para ir pensando junto com as equipes como as evidências poderiam colaborar com aquele cenário.

O novo conhecimento, ao ser produzido, supera o que antes era novidade; por isso é fundamental entender aquele que já existente, tanto quanto colocar-se aberto e apto à produção do que ainda está sendo criado. O ciclo gnosiológico é composto pelo ensinar, aprender e pesquisar em dois momentos: o em que se ensino e aprende o conhecimento existente e o em que se trabalha a produção de saberes ainda não existentes. “Dodiscência”, docência-discência-pesquisa, são indicotomizáveis, são práticas requeridas por este ciclo. (FREIRE, 2000).

Aprendemos e, de certa forma ensinamos, pesquisando sobre as Residências em Saúde. Em cada lugar quis deixar meus agradecimentos para que todas as pessoas que colaboraram comigo visualizassem meu presente. Então, para cada serviço, foi confeccionada uma mandala (dispostas ao longo do trabalho) para cada lugar que nos recebeu.

As mandalas Olho de Deus são símbolos indígenas de etnias mexicanas e bolivianas que representam saúde, felicidade e prosperidade a quem as possui. Na tradição indígena, a mandala é feita pelo pai quando o filho nasce e cada cor significa uma intenção. O Olho de Deus é conhecido como o poder de ver e compreender as coisas desconhecidas. (OLIVEIRA, 2016).

Assim, cada mandala foi produzida pensando no que se desejava para cada uma delas, as cores representam essas intencionalidades. Os fios, as tramas, os pontos e composição de oito ou quatro pontas, tudo fazia sentido nas passagens pelas UBS.

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A ideia de usar mandalas surgiu a partir da leitura de textos de Ceccim e Ferla (2006), que lançam mão destas para representar a gestão em rede de práticas cuidadoras para a educação dos profissionais de Saúde. As linhas expressam o cuidado sensível ao controle social de organização do Sistema de Saúde. Essas palavras foram seminais para definir o conceito anunciado no texto da Mandala FormATIVA como materialização das aprendizagens que a pesquisa proporcionou nos serviços da AB.

A vida no centro significa todas as vidas. Para Boff (2004) tudo o que vive precisa ser alimentado, cuidado. Vidas humanas (todas as vidas), vida da terra, vida da água, vida dos animais, vida do ar, vida. As ressonâncias negativas do cuidado são percebidas pela má qualidade de vida, pela penalização da maioria empobrecida da humanidade, pela degradação ecológica e pela exaltação exacerbada da violência.

A formação em Saúde precisa criar encontros em que o cuidar possa ser experimentado durante o cuidar, nos atos do trabalho, para despertar sensações e afetos produzindo-se no cuidado. São encontros que, ao longo da vida, tem-se participando com o outro e consigo do movimento de

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estar vivo. Cuidado entre vivos produzido a partir desses encontros com suas singularidades e multiplicidade, em acontecimento. (ABRAHÃO; MERHY, 2014).

A vida presente nos territórios da AB em toda a magnitude - esse olhar condensa indivíduos, coletivos, espaços físicos, memórias, sentimentos, ambiente, riscos, potências.

A produção de cuidado centrado em todas as vidas precisa do quadrilátero da formação em Saúde para criar possibilidades de mudanças e de subversão aos paradigmas hegemônicos.

O ensino, gestão setorial, práticas de atenção e controle social são as partes constituintes do quadrilátero que propõe construir e organizar uma educação responsável por processos interativos e de práticas na realidade para transformar, criar caminhos, convocar protagonismos e identificar a paisagem interativa e móvel de indivíduos, coletivos e instituições, como cenário de conhecimentos e invenções. Uma cartografia permanente em que estão aspectos éticos, estéticos, tecnológicos e organizacionais, operando em correspondência, agenciando atos permanentemente reavaliados e contextualizados. (CECCIM; FEUERWERKER, 2004).

Estão como pontos da formação em serviço na mandala que, ao invés de um quadrilátero, estão como forma geométrica concêntrica integrando outros elementos que resultam das observações registradas no período pesquisado (APÊNDICE A).

Pedrosa (2016) já anunciava essa mudança ao discorrer sobre as possibilidades experienciadas de formar em Saúde, quando o quadrilátero vira mandala a partir das dobras e brechas que se abriram na concepção de formação e produção de conhecimentos nessa área, na constituição de atores. A mandala é um símbolo da totalidade e representa a integração entre homem e natureza, retratando as condições nas quais é construída a experiência humana entre o interior (pensamento, sentimento, intuição e sensação) e o exterior (natureza, espaço e cosmo).

Aprendizagens devem ser afetações prazerosas que o corpo inteiro aprende. Michel Serres (2004, p. 116) esclarece que “qualquer tipo de ensino que transmita conhecimentos apenas para seus seguidores, não forma seres humanos, estes animais criativos, mas, sim, macacos de imitação”.

Nesse caminho de animais criativos precisa-se de esperança, amorosidade, respeito e compromisso. Serão tomadas emprestadas falas de alguns autores para estruturar essa ideia.

A esperança de produzir o objeto é tão essencial ao trabalhador quanto indispensável é a esperança de refazer o mundo, na luta dos oprimidos e das oprimidas. Desse modo, a prática é desveladora, gnosiológica. A educação sozinha, porém, não faz a transformação do mundo, esta a implica. (FREIRE, 2014). Para o mesmo autor, a esperança é fundamental para a atividade

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educativa porque significa a crença de que professor e alunos juntos podem aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e enfrentar os obstáculos sem perder alegria. A esperança faz parte da natureza humana, sem ela a experiência histórica seria puro determinismo. (FREIRE, 2000).

A amorosidade nas práticas pedagógicas significa ampliar o respeito ao outro, respeito à autonomia de pessoas e de grupos sociais, especialmente àqueles em situação de iniquidade, por acreditar na criação de laços de ternura, acolhimento e compromisso anteriores às explicações e argumentações no enfrentamento e transposição de situações de sofrimento e injustiça. Valorizar a amorosidade nas práticas de Saúde e Educação é fortalecer o diálogo nas relações de cuidado, através da incorporação do afeto e da sensibilidade, consolidando processos em construção no SUS tais como a humanização, acolhimento, participação e controle social, políticas de enfrentamento das iniquidades em Saúde. (BRASIL, 2016). Paulo Freire (2019) defende que o amor é um ato de coragem, é compromisso com a vida. Onde quer que estejam pessoas em situação de opressão, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. Isso é amorosidade, é dialógico.

O respeito aos saberes produzidos pela Ciência, senso comum, saberes locais ou práticos, saberes indígenas, crenças e saberes da tradição - dialogando com outros saberes e experiências, reconhecendo e validando todos esses conhecimentos, mas sem relativismo, ou seja, da ideia de que todos os saberes se equivalem. De forma que nenhum saber seja considerado padrão a partir da qual será aferida a validade dos outros saberes sem considerar as condições situadas de sua produção, mobilização e suas consequências. (NUNES, 2010). Respeito ao saber anterior dos educandos, na Saúde, pode ser traduzido como as experiências das pessoas sobre o seu sofrimento e dos movimentos sociais e organizações populares em sua luta pela saúde, nas comunidades de moradia, de trabalho, de gênero, de raça e etnia. (BRASIL, 2010).

O compromisso é uma prática pedagógica que deve aproximar cada vez mais o que digo e o que faço, entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo. A maneira como desempenho meu papel de educador, precisa ser coerente com meu posicionamento - se minha opção como docente é democrática, progressista, não posso ter uma prática reacionária, autoritária, elitista. (FREIRE, 2000). Adaptando essa ideia para a Saúde, pode-se falar em responsabilidade sanitária, quando mencionado o papel das equipes ao assumirem que, em seu território de atuação, devem considerar na organização e operacionalização do processo de trabalho, as questões ambientais, epidemiológicas, culturais e socioeconômicas, por meio de ações em Saúde, para diminuição de riscos e vulnerabilidades. (BRASIL, 2017). Necessário se faz considerar o

Referências

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