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A aproximação analítica ao fenômeno econômico das relações inter-firmas: uma breve revisão

Capítulo 1. O desdobramento organizacional da firma e os novos esquemas de relação interempresarial

1.2 A aproximação analítica ao fenômeno econômico das relações inter-firmas: uma breve revisão

O crescente fenômeno observado da maior “externalização” de um variado grupo de atividades produtivas, de distribuição e de desenvolvimento tecnológico, onde na verdade nem todas elas são desenvolvidas integralmente numa única firma, é agora uma das formas organizacionais dominantes na acumulação capitalista contemporânea. Possivelmente, os dois aspectos mais visíveis destas novas configurações organizacionais relacionam-se com uma mais nítida inter-relação entre empresas (na maioria das vezes de propriedade independente), não

reduzida simplesmente a relações de compra-venda, e com a distribuição espacial dessas atividades segmentadas.

Esta, relativamente nova, característica da organização produtiva chama a atenção por duas razões substanciais: pelo tipo de reestruturação e performance promovido pelos agentes econômicos nessa reconfiguração das cadeias de valor, e pela importância do papel que se designa aos elos mais estreitos entre os agentes (a criação de espaços para sinergias potenciais) na geração e absorção de novo conhecimento aplicado.

As alterações na estrutura de produção e distribuição, como também nos mecanismos de busca e acesso por novo conhecimento, têm aproximado, numa dinâmica diferente, as relações das empresas. Ao mesmo tempo, esses dois movimentos, a reorganização da produção e a procura de capacidades, são expressões, às vezes sobrepostas, da necessidade de intensificar a criação e a extração de valor agregado, e da ampliação das fronteiras nas fontes de conhecimento produtivo.

Este fenômeno vem transcendendo os limites da empresa e a crença nos mecanismos do mercado como organizador da produção. Por outra parte, as redes de empresas estão-se mostrando como esquemas eficientes de organização produtiva, adotadas em indústrias com distinta configuração na sua base técnica (em atividades tradicionais como em outras de maior intensidade de capital fixo e conhecimento incorporado).

Um outro componente refere-se à configuração de novos esquemas, propriamente de gestão organizacional, cujo elemento distintivo é a segmentação espacial de etapas da cadeia de valor. Estas, porém, encontram-se coordenadas e sincronizadas, e têm ido além dos espaços locais, criando a possibilidade de redistribuir entre distintos atores, segmentos da produção, distribuição e comercialização, inclusive atividades relativas a pesquisa e desenvolvimento tecnológico, numa dimensão regional e global (Dunning, 1994; Chesnais, 1996; Narula e Hagedoorn, 1999).9

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Essa distribuição espacial de partes da cadeia de valor ou de atividades que têm a ver com a formação de acordos para melhoras tecnológicas ao nível mundial, sejam projetos em P&D ou joint ventures, é uma manifestação da chamada globalização econômica, que é conduzida por firmas multinacionais (Cantwell, 1996; Dunning, 1997).

O surgimento destas novas formas de governance produtiva está sendo observado a partir de diferentes abordagens e aproximações conceituais, tanto quanto a partir de um maior levantamento empírico, que tentam dar alguma explicação, parcial ou geral, dos distintos fenômenos associados (tecnológicos, organizacionais, institucionais, aprendizado, entre outros), e com distintos graus de abrangência (micro, meso e macro industrial). Desta forma, as diferentes interpretações podem dirigir sua atenção a um ou vários assuntos específicos e nível de generalidade.

Assim, temos a análise das inter-relações entre firmas, também definidas como redes de firmas, que: baseiam o estudo no assunto de cooperação tecnológica e os tipos de acordos estabelecidos (Freeman, 1990; Hagedoorn e Schackenraad, 1993 e 1994; Hagedoorn, 1994); as que dirigem a atenção à questão de ser este um fenômeno propriamente tecnológico (Zuscovitch e Cohen, 1994); destacam as redes como resultado de processos de subcontratação (Coriat, 1995), considerando essas relações como um padrão pós-fordista da indústria (Karlsson e Westin, 1994); as que apresentam estas organizações como novas formas de competir nos mercados (Best, 1990); sublinham sua existência como novas instituições da indústria que geram grupos integrados de elos de informação (Aoki, 1986; Powell, 1991; Nohria, 1992), e as que as apresentam como estruturas que gerariam espaços de aprendizagem (Hagedoorn e Duysters, 1999) ou como sistemas que permitiriam processos de mobilidade na informação produtiva (Antonelli, 1996).

Em geral, tem sido identificada a importância das inter-relações de firmas no contexto produtivo atual, embora a ênfase e a conceptualização desse fenômeno tenha diferentes fontes. Numa perspectiva microeconômica, o tratamento feito à existência de elos inter-firmas está principalmente associado a três eixos: o neoclássico, baseado na existência de economias externas positivas provocadas pelas interconexões de firmas (Economides e Lawrence, 1994); o neo-institucional, que as define como estruturas híbridas, entre o mercado e a hierarquia, que emerge da avaliação dos custos de transação (Williamson, 1975); e, o evolucionista, focalizada nas propriedades organizacionais e o aprendizado inter-ativo (Malerba, 1996; Von Hippel, 1988).

Possivelmente a primeira abordagem seja a que faça uma explicitação do termo rede como um objeto específico da análise e com um tratamento que, principalmente, destaca propriedades nos fluxos de informação e nas estruturas que permitem esses fluxos. Nos outros dois, as redes

não são propriamente o principal objeto de estudo, as inter-relações que emergem são, no caso da escola neo-institucional, uma possível forma institucional de organização derivada das avaliações de custos de transação e na existência de ativos especializados, e no caso da linha evolucionista, as inter-relações são vistas principalmente como produto do estabelecimento de sinergias dos agentes produtivos, na procura de fontes alternativas de conhecimento, que favorecem à inovação.

A análise do fenômeno de redes vem sendo recentemente mais sistematizada, ainda que se encontre na fase de depuração e aprofundamento, tanto conceitual quanto empírica. Um dos importantes esforços de sistematização foi feito por Britto (2000) que, desde uma abordagem que tenta destacar fatores metodológicos, procura colocar os diferentes níveis de abordagem feitos deste fenômeno na análise econômica. Ele distingue três perspectivas no estudo de redes de firmas. A primeira, aquela que outorga uma generalização conceitual ao fenômeno de redes (network economics) onde existem sofisticados sistemas de comunicação e intensa inter-ação entre os agentes, ainda que se reconheça a impossibilidade de desenvolver uma teoria geral. A segunda, que se coloca num nível propriamente microeconômico (network anels), associa-se à natureza de alocação de recursos (formação sistemática de relações que afetam o mercado). Aqui, o autor considera a presença de quatro fundamentos de tipo metodológico: relações de agentes num contexto institucional específico, a conduta desses agentes definida pelas relações estabelecidas, os mecanismos de mercado aparecem como uma mistura de concorrência e cooperação dos agentes, e a consideração de variáveis não econômicas de maneira descritiva (ex., elementos culturais). A última dirige-se basicamente a identificar a existência ou não de redes (networks form), isto é, orienta-se por considerações de tipo morfológico na estrutura de uma rede. Desta forma, dá atenção aos elementos que deve conter uma rede e seus mecanismos de operação (fatores endógenos, caraterísticas do funcionamento, mudanças no ambiente).

Nesta perspectiva, Britto (2000) tenta distinguir elementos característicos contidos nas abordagens feitas ao fenômeno da formação de inter-relações entre agentes produtivos, procurando identificar os fatores centrais no tratamento feito em cada caso. Parece-nos que tanto a perspectiva network economics quanto a networks form, privilegiam, mais implicitamente no primeiro, o assunto das inter-relações como um objeto de estudo em si mesmo. No primeiro caso, considerando as redes como um fenômeno de tipo geral, presente e dominante, não só nas relações entre os indivíduos, mas também nos atos dos agentes econômicos, e onde o eixo de

atenção está determinado pela complexidade orgânica criada por esses elos. Já no caso da análise de networks form, domina o interesse pela caracterização da estrutura e as condições nas quais opera o fluxo de informação ao longo da rede.

A intenção de considerar a existência de inter-relações de empresas como um fenômeno de manifestações abrangentes é, de nosso ponto de vista, um esforço que pode resultar tautológico, em parte porque os atos econômicos e sociais são de natureza relacional, ou podem sobredimensionar esses formatos organizacionais produtivos, como se fossem uma entidade quase universal, capazes de prevalecer como uma “unidade analítica” independente no tempo. Este último faz com que a atenção dirigida ao assunto das redes de firmas resulte, por exemplo, que em termos conceituais outorgue-se-lhe um tratamento excessivo na sua real importância ou, no outro extremo, que seja um termo cada vez mais banalizado no dia-a-dia.

O anterior não quer dizer que este tipo de estruturas organizacionais não sejam de grande importância na lógica de gestão produtiva, muito pelo contrário, mas é indispensável agregar um maior conhecimento na análise e na revisão empírica para pôr este fenômeno na sua real dimensão.

Voltando às colocações distintivas feitas por Britto (2000), observamos que ele oferece- nos uma interessante estratificação dos níveis gerais nos quais têm sido abordadas as redes de firmas e os elementos característicos considerados em cada um deles. Ainda que esta seja uma distinção esclarecedora do tratamento metodológico outorgado às redes, apresenta uma orientação inclinada à constituição de morfologias, isto é, à tipificação das possíveis formas que podem assumir essas redes, o que vai depender dos elementos considerados em cada caso. Neste sentido, quase sempre as abordagens das inter-relações de firmas estariam situadas entre a segunda (network anels) e a terceira (networks form) perspectiva. Por exemplo, as visões mais interessadas em definir a estrutura interna na conformação da rede, e suas lógicas internas na transmissão de informação, têm um caráter mais instrumental, aceitando a existência de economias externas positivas, e partindo da teoria de graphos (Economides, 1996).10 Ou também

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A teoria de graphos é uma metodologia aplicada na análise da matemática que se dirige ao estudo das propriedades imersas na relação estabelecida entre dois ou mais pontos (nós): direção, freqüência, número de pontos, posição, conexões, etc. Na análise econômica essa teoria tem sido retomada para, usando o mesmo instrumental, determinar as características das possíveis estruturas em rede e dos efeitos, principalmente no fluxo de informação, gerados nas ligações dos agentes.

temos aquelas que procuram ressaltar que os elos de relação entre grupos ou firmas, interna e externamente, e seus mecanismos de transmissão de informação, são determinados por fatores institucionais específicos (Aoki, 1986; Nohria, 1992).

Existe uma marcada tendência por fazer distinções tipológicas, de fato Britto propõe uma tipologia que, baseando-se na análise de graphos e considerando fatores institucionais, na perspectiva da “nova economia institucional”, tenta conjugar, de um lado, elementos como a existência de ativos específicos, condutas oportunistas, custos de transação, e, de outro lado, considerações relativas com fluxos de informação e capacidades de aprendizado.11 Sua proposta está orientada para indicar, partindo desses elementos, sob que condições estabelecem-se arranjos inter-empresariais e formas contratuais.

Em geral, nas análises das redes de empresas é possível distinguir duas linhas diferentes. Uma, aquela que outorga uma maior importância aos agentes (os nós da rede), identifica a rede como um subproduto das estratégias dos agentes e, portanto, dá mais relevância às características organizacionais e às condições técnico-produtivas (também as vezes incluem fatores socioculturais). A outra, a que focaliza sua atenção no tipo de atividades (formação de cadeias produtivas, fluxos tecnológicos) e na existência de complementaridades ou compatibilidades entre as atividades que se levam a cabo. Efetivamente, estas duas posições são manifestas nas análises de rede, mas também teríamos que agregar que se faz uma distinção nas abordagens, nas quais, ou se sublinham elementos mais qualitativos e descritivos, ou se destacam fatores mais de caráter quantitativo, que tentam mostrar as propriedades contidas em sistemas de rede como “densidade”, “similitude”, “elos”, etc., a partir de técnicas de insumo-produto e graphos.

Assim, as diversas formulações, além do fato de que muitas vezes pensam as inter- relações de firmas como sistemas dominantes e com certo grau de autonomia, ou as enxergam desde a perspectiva de capturar suas “características, lógicas e condições internas”, ou seja, propondo tipologias, estão esquecendo de algumas questões que são centrais. Deve ser evidente

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Na sua perspectiva, considera as redes como subsistemas (tem autonomia relativa e capacidades endógenas de transformação). Sua morfologia retoma o modelo de estrutura-conduta-desempenho de Bain para formar seus critérios de classificação dos possíveis tipos de redes. A estrutura, é definida tomando as ferramentas de graphos (nós, links, tipo de fluxo, posição) para agrupação; a conduta, considera o tipo de arranjo inter-organizacional (meso econômico); e, o desempenho, onde destaca os resultados diretos (economias de escala, escopo, custos e benefícios transacionais), indiretos (coordenação e redução de incerteza) e dinâmicos (difusão de informação, mecanismos de aprendizado e capacidade de inovação), (Britto, 2000 pp. 6-7).

que o fenômeno de maior visibilidade existente nas inter-relações de firmas é, por natureza, um assunto tipicamente microeconômico na sua origem, que tem importantes manifestações no chamado espaço meso econômico (produtivo e organizacional inter-industrial) e que, notoriamente, apresenta uma importante dimensão espacial.

Por outro lado, duas colocações têm que ser feitas por sua importância e que, na nossa posição, são básicas para tentar ter uma maior compressão do processo na formação das relações de produção (organizacionais, tecnológicas, produtivas) entre firmas:

Primeiro, deve-se indicar que as distintas formas organizacionais que assume o complexo de relações é, na sua substância, uma criação alternativa de controle e coordenação da produção, orientada ao máximo aproveitamento das condições técnico-produtivas dominantes (a base tecnológica ou as trajetórias que, num estado de maturidade, são intensamente empregadas) ou é dirigida, mas com elementos particulares, à procura de novos caminhos para a criação de conhecimento produtivo inovador.

Segundo, e ao mesmo tempo, a formação de elos inter-firmas é resultado, também, de condutas estratégicas que levam ao estabelecimento dessas estruturas de coordenação, onde emergem renovados espaços para a transferência e absorção de valor, e, sob certas condições poderiam habilitar a transmissão qualitativa de informação e aprendizagem relacional.

A partir das observações anteriores acreditamos que os esforços por desenhar tipologias podem ser limitados a analisar o fenômeno das redes de firmas. Aceitamos que a intenção por definir contornos e instrumentar ferramentas para oferecer uma interpretação deste fenômeno pode ser de utilidade, mas sempre serão limitados em função dos elementos contidos, do nível de generalidade outorgado e, claro, do viés interpretativo.

Em todo caso, o estudo do fenômeno das redes tem que ter presente as seguintes considerações:

2. Que existem componentes, na sua conformação, que expressam um mix de possível colaboração e rivalidade;

3. Que representam um desdobramento organizacional que tem, por uma parte, um conteúdo tecnológico (divisibilidade de etapas produtivas) e, por outra, muito importante, de gestão (coordenação-integração) de atividades espacialmente dispersas (planejamento-desenvolvimento de processos e produtos-design-engenharia- manufatura-marketing-distribuição);

4. Que a segmentação proporciona vantagens de caráter competitivo e funcional na organização da cadeia produtiva. De fato, as estruturas em rede deveriam ser entendidas como inovações, notadamente de organização (controle e coordenação); 5. Que é um tipo de organização alternativa da produção, que não pode ser considerada

como geral, ainda que em muitos setores produtivos seja dominante;

6. Que não pode ser esquecido o fator da concorrência, pois é um dos principais fenômenos explicativos do comportamento empresarial para a busca de novas condições competitivas (tecnológicas e de organização);

7. Que sendo uma expressão organizacional, ainda que relativamente nova e em desenvolvimento, reconhecidamente de extensões regionais e globais na sua conformação, tem que ser vista como uma estrutura dinâmica.12

Também temos que chamar a atenção para as considerações que Britto faz, aliás corretamente, no sentido das limitações metodológicas que prevalecem ao tentar analisar, a partir duma perspectiva de redes, os esquemas de inter-relações de firmas: que as definições de rede são construções abstratas; a dificuldade de definir os limites da rede; os problemas para identificar as mudanças dinâmicas da rede; o fato de que, na realidade, os atores participantes da rede não têm consciência de formar parte duma estrutura deste tipo.

Neste sentido, teríamos que entender o fenômeno das inter-relações desde uma perspectiva que não tenta outorgar-lhes, a esta criação organizacional, um carimbo conceitual universal, permanente e até ideal, como sistema produtivo, na evolução que as empresas têm adotado (temos que lembrar as diferentes estruturas que têm assumido; firmas multi-planta,

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Autores como Axelsson (1993) indicam que a evolução das redes de firmas tem que ser associada, por exemplo, às mudanças acontecidas ao nível da indústria.

matriz/subsidiária, holdings, etc.,) ao longo do processo de acumulação nas economias capitalistas.

Efetivamente, as estruturas de organização inter-firmas, visíveis na sua manifestação produtiva regional e global, regional and global chains (Gereffi, 1994; 2002), tem hoje em dia uma presença relevante nos processos produtivos locais e, especialmente, internacionais. Mas, além de identificar algumas características de possíveis estruturas de rede, o mais importante é destacar que estas formas organizacionais representam, de forma implícita ou explicita, novos esquemas de criação e absorção de valor, e, neste sentido, ter-se-ia que indagar sobre os objetivos na formação desses complexos empresariais, as vantagens e desvantagens obtidas de formar parte ou não das redes, e observar até que ponto existe um efetivo fluxo de informação qualitativa, aos componentes da rede, que levem ao desenvolvimento de processos de aprendizado, e no melhor dos casos up-grading, principalmente às partes de menor qualificação produtiva.

Nossa intenção, a seguir, é argumentar que só é possível ter uma melhor apreciação do fenômeno das inter-relações de firmas partindo de que estas organizações emergem do processo interativo e dinâmico de reformulação da gestão produtiva, elevação da eficiência econômica, e da busca de oportunidades em novos processos e produtos, estimulados pela rivalidade.