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Capítulo 2. As caraterísticas e as tendências atuais da organização produtiva "externalizada"

2.5 A formação das OEMs e ODMs na indústria eletrônica da computação

2.5.1 As características principais dos fornecedores de serviços de manufatura

Hobday (2000) apresenta os elementos relevantes da formação dos sistemas de fornecedores que têm sido típicos na indústria eletrônica, tentando destacar as modificações

em grande medida a “contribuição” das ETNs para a criação de clusters industriais dentro de países em desenvolvimento avançado (focaliza os casos de países do Leste e sul da Ásia).81

Um dos aspectos típicos da cadeia na indústria eletrônica e da computação é que a condução e comando da mesma é efetuada pelas firmas de marca (IBM, DELL, HP, etc.), as quais adotaram como mecanismo de maior eficiência operativa (elevando sua atenção nas core activities, mantidas in-house) a transferência de atividades, principalmente manufatura, para fornecedores independentes, em distintos “degraus” nas redes de produção. De maneira geral, podem ser identificados três tipos de fornecedores: os fornecedores no sistema original equipment manufactured (OEM); os fornecedores no sistema own-design manufactured (ODM), também conhecida como original idea

manufactured (OIM), e os fornecedores no sistema own brand manufactured (OBM), cada

um dos quais representam capacitações diferenciais (Tabela 2.1).

As firmas OEM representariam o nível primário num sistema de fornecedores com capacidade para manufaturar e montar produtos ou componentes. Consiste no estabelecimento de arranjos entre compradores (nas redes internacionais representadas pelas ETNs) e fornecedores originários das localidades de atuação, que na experiência do Leste asiático foram fundamentais para a construção da supply base. Por regra, os arranjos definem que a firma fornecedora tenha que seguir as especificações técnicas do produto e empregar os procedimentos operativos padrão definidos pela firma contratante. Adicionalmente, tem que fazer uso do brand name do comprador assim como dos seus canais de distribuição no mercado (quando se trata de certos componentes intermediários e principalmente de produtos finais). O avanço nas atuais OEMs, ainda que continuem existindo unidades de montagem, tem evoluído além de suas funções de manufatura para atividades de controle logístico, volume e expandindo-se para funções de design.

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Na sua avaliação, nos países do Leste asiático, as atividades diretas das empresas transnacionais e seu papel na criação de espaços setoriais locais têm sido pouco estudados, particularmente desde a perspectiva na qual se deixe de ver as ETNs como simples screwdriver plants, e se destaque o seu papel para o desenvolvimento de ambientes locais de inovação e na criação de clusters empresariais competitivos para o mercado mundial.

Tabela No. 2.1

Transição de empresas (latecomer firms) nos países de recente industrialização: OEM- ODM-OBM*

Transição Tecnológica Transição de Mercado

1960s-1970s

OEM • Processos de aprendizagem na

montagem para bens padronizados. Licenças

• ETNs compram os produtos, definem

design e distribuem usando o nome

da sua própria marca. 1980s

ODM • Empresas locais fazem design** e

aprendem habilidades em inovação de produtos.

• ETNs compram os produtos, definem

design e distribuem usando o nome

da sua própria marca (arms length). • ETN´s ganham Valor Agregado

depois da Produção (PPVA). 1990´s

OBM • Empresas locais fazem design e

conduzem P&D para novos produtos.

• Empresas locais organizam a distribuição, têm marca própria e obtêm valor agregado depois da produção (PPVA).

*OEM=Manufatura com equipamento próprio; ODM=Design próprio e manufatura; OBM=Manufatura de marca própria

** Contribuem no design do produto, de maneira independente ou em associação com a ETN. Fonte: Hobday (2000).

As firmas ODMs pela sua parte representam, de alguma maneira, uma seqüencia na ascensão das condições e capacidades das empresas locais inseridas nas cadeias de valor. As empresas que operam neste degrau têm as habilitações para a realização do design de uma parte ou de todo um produto ou componente. Muitas vezes os compradores cooperam estreitamente com o fornecedor local, caracterizando mecanismos de “duas vias” no fluxo de informação que induz aprendizado compartilhado para o melhoramento de produtos. Neste tipo de inter-relação, os fornecedores locais potencialmente têm maiores possibilidades de internalizar know how operativo e de manufatura desde o comprador, mas ao mesmo tempo pelo tipo de participação (com maior conteúdo de parte da firma local no

design e na manufatura do produto), estes fornecedores obtêm uma maior porcentagem do

valor agregado gerado. Da mesma forma que nos sistemas OEM, as empresas locais utilizam o nome de marca da firma líder (por exemplo, IBM). Em termos do potencial de geração de novo conhecimento aqui predominam avanços de tipo incremental no design, mais que inovações originais.

essa posição conseguem ter as capacitações suficientes para gerar seus próprios produtos (de fato com marca própria) e oferecer soluções de novos componentes e produtos. As firmas OBM desenvolvem esforços próprios em P&D, planejamento, geração de produtos e controle de funções também chave como o marketing e a distribuição final dos produtos. Neste sentido, as empresas OBM obtêm o maior volume de valor agregado apropriado ao longo da rede. No caso da indústria da computação, é neste nível que se coordenam e determinam-se as características e tendências da cadeia produtiva.

As anteriores são a expressão dos estágios construídos na organização produtiva terceirizada, que faz predominar, em muitas atividades industriais, a formação de unidades de fornecimento com diferentes qualificações e participação na criação de conhecimento e de valor. Não só mostram a simples localização das firmas nos níveis de fornecimento existentes nas cadeias de produção, como também representam posições hierárquicas, quase sempre numa conexão inversamente proporcional à absorção de aprendizado e do valor criado e à sua distância relacional com o centro, posições essas que resultam das capacidades construídas por cada tipo de fornecedor. Consideramos que a experiência da produção em rede, que foi aproximando as relações entre usuários e fornecedores além de simples trocas comerciais, de forma tal que fosse possível uma maior estabilidade no tempo, e sobretudo, criar caminhos para um maior fluxo de informação produtiva, é uma alternativa que pode ou não elevar as capacitações das firmas que operam como satélites de aprovisionamento. O envolvimento de fornecedores outsourcing nas atividades de design ou de manufatura82 tem distintas possibilidades, o que define, ao mesmo tempo, o tipo de inserção e a intensidade da colaboração efetiva possível na cadeia de valor da computação (Tabela 2.2).

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A estrutura funcional na elaboração de um produto refere-se à seqüência dos momentos que vão desde o planejamento (conceito e desenvolvimento)---design (especificações, detalhes, teste)---manufatura (protótipos, processos, teste, etc.), o que liga-se também a considerações sobre as opções de fornecimento (interno ou externo) dos componentes.

Tabela 2.2

Estrutura por tipo de fornecedor na cadeia produtiva da computação

Tipo de Fornecedor Especificações Funcionais Padronização dos

Componentes Tipo de Produtos 1. Fornecedor proprietário de componentes • Realiza design e engenharia de produto • Realiza manufatura • Não existe envolvimento nas decisões de engenharia ou montagem do usuário • Componentes podem ser padronizados • Componentes podem ser customizados • Resistores • Díodos • Circuitos integrados • microprocessadores • Chips de processamento digital 2. Fornecedor de componentes controlados • Design e engenharia de produto definido pelo usuário • Usuário controla a patente dos componentes ou é o proprietário • Os componentes controlados e a lista de materiais determinados pelo usuário • Participação limitada nas atividades de engenharia do produto • Componentes podem ser padronizados • Componentes podem ser customizados • Mother-boards para computador • Controladores • Produtos de OEMs em geral. 3. Fornecedor de Componentes da “Caixa Preta” • Planejamento definido pelo usuário • Design e engenharia de manufatura feita pelo fornecedor • A maior complexidade do produto, maior colaboração com o usuário • Produtos customizados • Circuitos integrados complexos • Hard disks • Unidades de memoria 4. Fornecedor de partes de marca* • Planejamento, design e manufatura altamente integrados • Controle do usuário final • Produtos customizados

Fonte: Elaborado a partir de Hsuan (1999)

*Este caso está identificada com os esquemas de fornecimento utilizados por firmas japonesas da indústria automobilística (Toyota e Nissan), onde existem relações de longo prazo.

A tabela anterior mostra o tipo de proximidade e relacionamento possível estabelecido entre o fornecedor e o usuário na cadeia produtiva. Temos que destacar que o nível de interdependência está determinado: pelo nível de customização/padronização dos componentes do produto final, pela parte que controla (fornecedor/usuário) os momentos chave da especificação funcional do produto (planejamento-design-manufatura), pelo grau de modularização da cadeia de valor do produto e pela decisão estratégica no tipo de terceirização e controle de etapas definido pela empresa que comanda a cadeia de valor.

A tendência mais marcante da cadeia produtiva da computação é que as grandes firmas de marca dos Estados Unidos (IBM, HP, DELL) estão operando com estruturas desverticalizadas de fornecimento, onde grandes fornecedores de serviços estão assumindo as atividades de desenvolvimento de engenharia de manufatura de componentes, que têm consideráveis níveis de independência nas etapas e que estão dirigindo-se cada vez mais às atividades de design. Em termos da tabela 2.2, o tipo 2 e cada vez mais o tipo três seriam os esquemas representativos da arquitetura organizacional dominante neste setor.83

Nas experiências observadas nas cadeias dos setores de base eletrônica (de bens de consumo, computação, telecomunicações e componentes associados) na região do sul y do Leste asiático parece que existiu, desde os anos sessenta até hoje, uma seqüência na ascensão das capacidades de vários fornecedores que lhes permitiu a oportunidade de operar desde sistemas OEM para sistemas OBM. Mas também se chamou a atenção para situar os fatores que, nos determinados casos, lhes permitiram esse salto. Nesse processo, na conformação inicial do agrupamento de fornecedores, localizados regionalmente, a participação ativa das ETNs em termos dos recursos injetados e apoio para a capacitação das empresas locais, e a posterior reação positiva destas últimas para absorver e internalizar esse novo aprendizado, foram centrais (Ernst, 2002; Kishimoto, 2003).

Efetivamente, existem vantagens de possíveis oportunidades potenciais para as empresas locais, por exemplo, o aprendizado que emerge da adaptação aos parâmetros operativos para garantir a fluidez nas atividades da rede (industrial training school), que vão conduzindo algumas firmas para trajetórias de catching-u por imitação, principalmente nas capacidades de design e de organização produtiva. Embora, este caminho tenha sido possível por uma conduta inicial de risco e estratégia das empresas comandantes para formar seus fornecedores, nos anos noventa as empresas que tentam incorporar-se nesses circuitos, inicialmente em esquemas OEM, tiveram que assumir um maior custo inicial, isto é, tiveram que realizar fortes investimentos na adequação de seus estabelecimentos e na capacitação de seus trabalhadores, na expectativa real de obter um menor retorno

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As condições de desenvolvimento de novos produtos para o usuário final está favorecida pela padronização de partes e componentes. Isto permite relegar a realização dos mesmos em mãos de fornecedores, reduzir os custos de produção, os riscos de outsourcing e dar flexibilidade ao usuário final.

econômico.84 A conduta atual das ETNs, no que diz respeito a dispor de fornecedores OEM, é procurar a maior qualidade dos serviços produtivos ao menor custo possível. Ou seja, têm uma menor propensão para investir na formação de fornecedores neste degrau, e quando suas expectativas com relação às empresas locais não são satisfatórias em termos de qualidade, quantidade e tempo de entrega dos componentes requeridos, rapidamente buscam fontes alternativas de fornecedores (em certo sentido os custos de saída das ETNs tendem a zero).85

Por sua parte, nas estruturas de empresas locais operando em sistemas ODM e OBM, ainda que aumente a sua participação relativa na geração e absorção do valor produzido, mantendo uma maior estabilidade nas conexões do fluxo de informação e uma mais evidente relação de cooperação usuário-produtor, com freqüência continuam subordinadas ao comportamento estratégico das empresas que controlam a rede, pois dependem da tecnologia e de componentes chave que lhes são abastecidos pelas ETNs.

A conformação dos agrupamentos de fornecedores nas cadeias regionais, nas experiências asiáticas desde os anos sessenta, apresentam particularidades que têm a ver com os seguintes fatores: a origem de capital das ETNs; as estratégias de formação e articulação destas com as empresas fornecedoras locais; a trajetória tecnológica específica e a maturação da base técnica e dos produtos gerados; a rapidez de reação e aprendizado das empresas locais.86 Daí que as condições de formação de empresas fornecedoras sejam

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“Ao interior dos sistemas OEM, a taxa de aprendizagem depende dos esforços internos (in house efforts) e dos investimentos em engenharia e capacitação do trabalhador” (Hobday, 2000; p. 7)

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Estes fatos vão na contramão das opiniões comuns no sentido dos benefícios imediatos que se esperam das cadeias produtivas globais, as quais consideram que este é o melhor caminho, ou é que o único, para a alternativa de crescimento de unidades produtivas e indústrias em países de menor desenvolvimento: “A forma mais poderosa de crescimento para os países pobres é que se tornem parte dos sistemas mundiais de produção de empresas multinacionais. Essas empresas criam empregos nos países de baixos salários, quer por meio de investimento direto em suas economias, quer encontrando fornecedores nesses países que fabriquem produtos de acordo com as suas especificações para posterior exportação aos mercados mundiais, muitas vezes até mesmo para o mercado de origem da multinacional... [e ainda se considera que é esta a rota natural para o up-grading industrial] O processo mundial de produção ajuda os países ricos por propiciar custos inferiores de produção, e beneficia os países pobres ao criar empregos, experiência com tecnologias avançadas e investimentos. Por fim, um país pobre termina “diplomado”, e deixa de ser um simples fornecedor de componentes para se tornar um inovador” (Sachs, J., 2001 artigo Globalização e a conferência de cúpula de Gênova, Folha de São Paulo, 7de Julho de 2001).

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Nos estudos de Kishimoto (2003), Zysman et al (1996) e (Kenney e Loewe, 1999), por exemplo, existem sinais de que a presença e participação dos governos não parecem ser cruciais no desenvolvimento local

diferentes nos casos de países como Coréia, Taiwan, Hong-Kong e, mais recentemente, no bloco conformado por Malásia, Singapura e Tailândia.87

Vários elementos factuais estão presentes na ampliação do número de produtores locais que fazem parte das redes de fornecimento nessa região: de um lado, isto foi apoiado por ambientes setoriais e macroeconômicos favoráveis (estabilidade macroeconômica, existência de políticas de apoio à exportação, infra-estrutura em educação e treinamento técnico para a indústria, etc.), e por outro lado, por elementos relacionados, como já foi dito, à forma de ingerência do investimento estrangeiro (transferindo tecnologia e capacitando as firmas locais) e à resposta das empresas locais (investindo, por exemplo, na assimilação de tecnologia mais que tentar mover-se na fronteira do conhecimento tecnológico). Ao mesmo tempo, a formação das fornecedoras locais no Leste asiático, mostra evidências de ter existido um certo processo de saltos sucessivos, mas graduais, nas capacitações de várias dessas firmas, ou seja, desde as tarefas de montagem e depois manufatura mais sofisticada (OEM) até atividades de maior complexidade (OBM). Ao mesmo tempo em que nessas experiências, basicamente nos casos de Coréia, Taiwan e Hong Kong, foram gerando-se efeitos up-grading para empresas fornecedoras, criando uma certa seqüência linear de avanço nas suas qualificações, também é muito importante indicar que o tipo de intervenção das empresas multinacionais, nessas localidades, para formar grupos de fornecedores nas suas cadeias de produção, foi vital para a formação das dimensões de agrupamentos empresariais localizados –clusters (Gráfico 2.1).

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A formação de fornecedores OEM tem as seguintes distinções: No caso coreano, as empresas locais tiveram no começo um estrito controle das ETNs, por meio á restição à oferta de componentes e materiais chave, e o controle de novos designs, bens de capital (tecnologia) e canais de distribuição (nos casos de chaebols como Samsung e LGE e a sua relação com empresas japonesas –Toshiba, VCR, Sony, etc.); no caso de Taiwan as ETNs estabeleceram relações tanto com pequenas como com grandes empresas locais de propriedade familiar (destacando a produção de hardware e software, PCs, monitores, etc.). Neste caso os fornecedores da indústria eletrônica foram mais diversificados e complexos, com a formação de clusters de firmas pequenas e médias, e mantendo profundas conexões com a indústria de computação estadunidense; o caso de Hong Kong é parecido com Taiwan. No início dos anos 90 surgem pequenas e médias empresas (PMEs) associadas a novos mercados de exportação. Essas PMEs surgiram de relações para trás de empresas criadas por fornecedores já existentes (quase sempre via relações de subcontratação com antigos chefes, em estruturas de baixos custos). Isto é, fornecedores de segundo degrau agora foram os responsáveis pela construção de novos fornecedores na cadeia. Os produtos principais são teclados, PCs, electrônica de consumo, mouse, máquinas de Fax, calculadoras, entre outros. Finalmente, no caso de Malásia, Cingapura e Tailândia, a estratégia na formação de produtores locais seguiu outro caminho, têm sido principalmente subsidiárias de empresas transnacionais (um claro caso de arms-length) as quais, mantendo certa independência da empresa mãe, têm feito melhoras produtivas (principalmente qualidade total, processos de controle estatístico, manufatura modular). Para mais detalhes ver Hobday (2000; pp.8-15).

Gráfico 2.1

Processo de conformação de clusters industriais na eletrônica*

A. -O começo: Investimento Externo Direto/Compras externas-

Entrada de empresas estrangeiras procurando força de trabalho de baixo custo

B. -Efeitos de encadeamento para trás-

Empresas locais subcontratadas entram para prover peças, partes e serviços de montagem

C. -Efeitos de encadeamento para frente-

Novos investidores e compradores externos entram para explotar fornecedores de baixo custo

D. -Segundo grande efeito de encadeamento para trás-

Mais empresas locais subcontratadas entram, muitas crescem rapidamente e dá o melhoramento da infra-estrutura

E. -Repetição de encadeamentos para trás e para frente-

Processo é repetido em ondas de entradas de compradores externos e locais