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CAPÍTULO III – OS CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE

2. Os Conceitos de Currículo e de Desenvolvimento Curricular (DC)

2.2. Aproximação ao Conceito de Currículo

De significado polissémico, o conceito de currículo encontra dificuldades ao nível

da sua definição.

A propósito do significado deste conceito, Roldão (2000a) afirma, de forma clara

e advertidamente simplista, que o currículo é:

“sempre, independentemente da época, primeiro que tudo, uma construção social, ou seja, ele não nasce nem existe porque as disciplinas tais e tais tenham prestígio, ou porque o decisor X ou Y achou que deveria ser desta maneira ou daquela. Evidentemente que se corporizam através das decisões dos responsáveis, evidentemente que reflectem o poder dos campos científicos, mas o essencial do currículo escolar e da existência da escola é a necessidade de responder a uma necessidade socialmente reconhecida” (Roldão, 2000a, p. 11).

Neste sentido, compreendem-se as palavras de Pardal (1993), ao afirmar que:

“o currículo, como a escola, não é neutro. Democratizar a escola é democratizar aquele, adaptando-o à heterogeneidade sócio-cultural dos alunos. Agindo-se ao contrário, isto é, valorizando a uniformização, aumentará seguramente o nível de frustração dos alunos” (Pardal, 1993, p. 23).

Não pretendemos apresentar uma definição de currículo, nem mesmo recolher um

conjunto de definições que se apliquem a este conceito. A nossa intenção é apenas referir

alguns sentidos mais comuns para o conceito.

Neste sentido, Ribeiro & Ribeiro (1989) referem que:

“é bastante frequente identificar «currículo» com plano de estudos, querendo significar o elenco e sequência de matérias propostas para um ciclo de estudos, um nível de escolaridade

ou um curso, cuja frequência e conclusão conduzem o aluno a graduar-se nesse ciclo, nível ou curso. Em termos práticos, o plano curricular concretiza-se na atribuição de tempos lectivos semanais a cada uma das disciplinas que o integram, de acordo com o seu peso relativo no conjunto dessas matérias e nos vários anos de escolaridade que tal plano pode contemplar” (Ribeiro & Ribeiro, 1989, p. 47).

Noutra perspectiva, Formosinho (1983), esclarece que:

“a palavra currículo pode veicular um significado mais restrito e um mais lato. Geralmente, aquele é o sentido preferido pela Teoria Curricular e este pela Sociologia da Educação.

As definições tradicionais (estritas) de currículo centram-se à roda do processo de ensino e das actividades educativas expressamente planeadas para transmitir conhecimentos, valores ou atitudes. Estes são sempre veiculados intencionalmente e de modo formal.

Dentro desta perspectiva, temos duas possíveis definições de currículo:

a) Currículo é o elenco das disciplinas a leccionar – o que pode incluir apenas o nome da disciplina, mas também pode abranger o programa e os métodos a utilizar.

b) Currículo é o conjunto das actividades educativas programadas pela escola, ocorram elas nas aulas ou fora delas – incluindo assim as conferências, actividades teatrais e as desportivas, viagens de estudo, actividades de grupos criadas pela escola, o jornal escolar, etc.

A primeira definição privilegia os conhecimentos e as actividades realizadas nas aulas, a leccionação das disciplinas e, portanto, valoriza claramente a componente académica do currículo.

A segunda definição é mais englobante e abrange as componentes culturais, sociais e desportivas do currículo escolar.

(...) Tem sido usada na Sociologia da Educação uma terceira definição (ampla) de currículo centrado na aprendizagem. Currículo é tudo o que é aprendido na escola pelos alunos, seja ou não objecto de transmissão deliberada. Por exemplo, faz parte do currículo o calão académico que os alunos aprendem, as atitudes adquiridas no contacto com os colegas, a tipologia dos professores elaborada pelos alunos, as estratégias de lidar com os professores, a socialização feita pelos contínuos, as estratégias de fuga ao trabalho ou de copiar nas provas de avaliação, etc. Tudo isto não é, evidentemente, objecto de ensino formal na escola, mas é aprendido através do contexto, do contacto com vários tipos de pessoas ou é mesmo objecto do ensino informal dos colegas. Esta definição chama a atenção para que existe nas escolas um currículo escondido (hidden curriculum) que é o conjunto de todas as aprendizagens que os alunos fazem através do contexto institucional e que facilmente nos passariam despercebidas” (Formosinho, 1983, in Machado et al., 1991, pp. 43-44).

Note-se como, com a mesma denominação, podemos encontrar outros sentidos

para o conceito. Assim, por exemplo, atendendo ao âmbito escolar, podemos distinguir

currículo formal, informal e oculto.

O currículo formal:

“designa o plano de ensino-aprendizagem – nos seus objectivos, conteúdos e actividades – expressamente definido para promover aprendizagens explícitas, o qual constitui obrigação formal do professor implementar e se traduz, concretamente, no horário lectivo de alunos ou professores e no cumprimento de programas estabelecidos. Por currículo informal entende-se toda a actividade estruturada ou não estruturada que faça parte da vida escolar dos alunos para além das actividades lectivas. (...) O conceito de currículo oculto designa, simultaneamente, dois aspectos: por um lado, aquelas práticas e processos educativos que induzem resultados de

indiciam, por não serem ainda totalmente conhecidos; por outro lado, refere-se a efeitos

educativos que a educação escolar parece favorecer, como uma espécie de sub-produtos do currículo formal (manifesto), respeitantes sobretudo à aquisição de valores, atitudes perante a escola e matérias escolares, processos de socialização, de formação moral e de reprodução da estrutura social de classes” (Ribeiro & Ribeiro, 1989, p. 53).

Referindo o currículo explícito, e em particular o currículo oculto, Torres (1995)

escreve que:

“o curriculum explícito ou oficial aparece claramente reflectido nas intenções que, de uma maneira directa, indicam quer as normas legais, os conteúdos mínimos obrigatórios ou os programas oficiais, quer os projectos educativos da escola e o curriculum que cada docente desenvolve na aula. O curriculum oculto faz referência a todos aqueles conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que se adquirem mediante a participação em processos de ensino e aprendizagem e, em geral, em todas as interacções que se dão no dia-a-dia das aulas e escolas. Estas aquisições, no entanto, nunca chegam a explicitar-se como metas educativas a conseguir de uma forma intencional. O curriculum oculto costuma incidir no reforço dos conhecimentos, procedimentos, valores e expectativas mais de acordo com as necessidades e interesses da ideologia hegemónica desse momento sócio-histórico (...). No entanto, o desenvolvimento do

curriculum oculto nem sempre vai na direcção de uma consolidação dos interesses dos grupos

sociais dominantes e das estruturas de produção e distribuição vigentes. A análise do curiculum latente em cada situação concreta põe em relevo que a vida dos estudantes nas escolas não se caracteriza por uma submissão sem mais aos ditados das normas, tarefas e significados que lhes impõem os seus docentes. Os alunos e alunas costumam resistir e alterar as mensagens a que a instituição os submete” (Torres, 1995, p. 201).

Com o intuito de acrescentar mais algumas perspectivas sobre o conceito de

currículo, remetemos para categorização apresentada por Goodlad (1979). Segundo esta,

podemos encontrar uma diversidade de sentidos, atendendo aos vários níveis e agentes

implicados no processo curricular. Assim, teremos currículos:

- ideológicos;

- formais;

- percebidos;

- operacionais;

- experienciais.

Os currículos ideológicos (ideais):

“emergem de processos de planeamento ideísticos. Embora um bom trabalho ao nível das ideias antecipe problemas de adopção e uso, os produtos resultantes visam, habitualmente, servir um mercado variado de decisões e acções e param no «pegar e largar» dos processos

sociopolíticos. (...) Consequentemente, é raro que os elementos dos currículos ideais cheguem aos estudantes na sua forma original. (...) Pode determinar-se o conteúdo de um currículo ideológico analisando livros de textos, manuais, guias para o professor e coisas do género” (in Machado et al., 1991, p. 62).

Entendemos por currículos formais:

“os que obtiveram aprovação oficial por parte das autoridades estatais ou locais e são adoptados, por escolha ou decreto, por uma instituição e/ou pelos professores. (...) O currículo formal podia ser uma colecção de currículos ideais simplesmente aprovados e aceites sem adaptação ou modificação. A nota importante é que é oficial; é o facto de ter sido sancionado” (op. cit., p. 63).

Por currículos percebidos entendemos que:

“são currículos de representação mental. O que foi oficialmente aprovado para a instrução e aprendizagem não é, necessariamente, o que as várias pessoas e grupos interessados tomam mentalmente como sendo o currículo” (ibidem).

Em relação aos currículos operacionais, distingue-se que,

“o que os professores pensam que o currículo das suas aulas é, e o que realmente ensinam, podem ser coisas diferentes. (...) O currículo operacional é o que acontece hora a hora, dia após dia, na escola e na sala de aula. Não há forma de saber ao certo o que é. O currículo operacional também é um currículo percebido. Existe nos olhos de quem o observa” (op. cit., pp. 63-64).

A propósito dos currículos experienciais, a situação torna-se ainda mais

complexa. Assim,

“se é difícil conseguir dados que dependem do currículo operacional, o currículo vivenciado pelos estudantes é ainda terreno mais escorregadio. Olhar para os alunos diz-nos muito pouco sobre o que vai pelas suas cabeças. Auscultá-los levanta muitas questões de validade. Será que eles acreditam que nós tomaremos a sério as suas respostas? Ousaremos nós acreditar nas suas respostas? Mesmo que consigamos algum esclarecimento sobre o que nos parece que está a acontecer no momento, que alterações virá isso a ter mais tarde? Se os estudantes aprendem alguns factos ou princípios, que importância tem que eles odeiem a matéria e até o professor? ” (op. cit., p. 64).

Para além destas, outras acepções de currículo poderiam ser apresentadas.

Acrescentamos, apenas a título de exemplo, a sugestão de Goodlad et al. (1979) que

analisa os planos de estudos e programas de ensino (currículo formal) de várias

perspectivas:

“a) Para quem define e elabora planos e programas, o currículo identifica-se com o oficialmente aprovado e preceituado.

b) Para quem elabora manuais escolares, o currículo traduz-se no conteúdo e forma que

aqueles apresentam, correspondentes à interpretação do formalmente estabelecido.

c) Para os professores que os transmitem nas suas aulas, o currículo representa a sua percepção acerca do que é oficialmente definido e, de algum modo, traduzido nos manuais

de ensino.

d) Para os alunos que os recebem, o currículo identifica-se com o que experienciam e apreendem, em resposta ao que lhes é transmitido pelo professor e comunicado em manuais

escolares.

e) Para observadores externos – que não sejam as entidades oficiais, os autores de livros

didácticos ou professores e alunos – o currículo formal vem a identificar-se com a descrição operacional dos planos e programas de ensino tal como funcionam nas escolas e salas de

aula.

(...) Acentue-se que, em rigor, o currículo formal se identifica com o oficialmente definido; as

interpretações deste currículo referidas em c) d) e e) representam o que se poderia designar como currículo real, situando-se a interpretação b) a meio caminho entre estas duas dimensões

de currículo (significando, talvez, uma forma ideal do currículo formal, vista do ângulo dos

especialistas de matérias de ensino previstas nos programas escolares)” (Ribeiro & Ribeiro, 1989, p. 57).

Podemos aqui referir as possíveis discrepâncias entre o currículo planeado e o

praticado na situação de ensino. Muitas vezes, o currículo planeado (o que se afirma; o

plano ou intenção oficial) não se traduz no currículo que se pratica (a execução do plano

ou realidade do ensino), por exemplo, por falta de recursos e meios didácticos na escola.

Nem mesmo tudo aquilo que o professor ensina, pode ser aprendido pelo aluno, se por

exemplo, não lhe for transmitido numa linguagem acessível.

Citamos as palavras de Roldão (2000b), por se revelarem pertinentes no âmbito

deste trabalho. Afirma a A. (2000b) que,

“serão naturalmente os professores os principais especialistas de currículo, porque esse é o saber que caracteriza e define a sua acção – saber fazer aprender alguma coisa a alguém. Pensar curricularmente significa tão-só assumir conscientemente uma postura reflexiva e analítica face ao que constitui a sua prática quotidiana, concebendo-a como campo de saber próprio a desenvolver e aprofundar e não como normativo que apenas se executa sem agir sobre ele “(Roldão, 2000b, p.17).