CAPÍTULO I – A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
4. A Formação Contínua de Professores
4.2. Paradigmas de Formação na Formação Contínua
Tal como apresentámos vários modelos que influenciaram a formação inicial,
julgamos pertinente explicitar, de forma sucinta e sob a forma de quadro (quadro 4), os
paradigmas que, segundo Eraut (1987) marcaram a formação contínua.
Quadro 4 - Paradigmas de formação, segundo Eraut (1987)23
Paradigmas Características
Da Deficiência - “Um professor apresenta lacunas de formação devido à desactualização da formação inicial e à falta de competências práticas.
- A formação contínua surge, assim, como uma acção de preenchimento de saberes e destrezas ou de resposta a necessidades reconhecidas como prioritárias, mais pela Administração Central do que pelos professores.
- A determinação de áreas prioritárias (impostas aos professores) e a tipologia (predeterminada) da formação são algumas das características deste paradigma em que prevalece a lógica da administração.”
Do Crescimento - “A formação contínua do professor [situa-se] numa lógica de experiência pessoal e numa finalidade de desenvolvimento profissional.
- Valoriza-se a experiência pessoal e profissional dos professores que assumem um papel activo no seu processo de formação.”
Da Mudança - “A formação é perspectivada como um processo de negociação e colaboração dentro de um espaço aberto que é a escola e em função da necessidade de reorientar os saberes e competências do professor.”
De Solução de
Problemas - “Parte-se do princípio de que a escola é um local onde emergem constantemente problemas que serão melhor solucionados quando diagnosticados pelos professores, que são os actores que mais directamente intervêm nas situações educativas reais.”
Ribeiro (1989) realiza uma análise comparativa sobre estes quatro paradigmas,
afirmando o seguinte:
“a) Em termos de finalidade da formação, tanto o paradigma baseado na compensação de deficiências, como o assente na solução de problemas visam o aperfeiçoamento do professor e a melhoria educativa na escola;
b) a diferença entre eles reside em que a fonte justificativa da formação e a sua credibilidade é extrínseca ao professor ou à escola, no caso do paradigma da deficiência, ao passo que, na outra perspectiva, ela é interna;
c) em termos de finalidade da formação, os paradigmas baseados no crescimento/desenvolvimento de novas potencialidades próprias e no processo de mudança visam a reorientação do professor e da escola;
d) a sua diferença assenta no carácter intrínseco (paradigma do crescimento) ou extrínseco (paradigma da mudança) da fonte estimuladora e propiciadora da formação.” (cit. por Pacheco & Flores, 1999, p. 130).
Da mesma forma, Ferry (1987) propõe três modelos principais para enquadrar a
formação de professores, cujos referentes são: o tipo de processo, a dinâmica formativa e
o seu modo de eficiência.
Uma vez mais, apresentamos estas ideias, sob a forma de quadro (quadro 5).
Quadro 5 – Modelos de formação, segundo Ferry (1987)24
Modelos Características
Centrado nas
Aquisições - “Formar (...) implica adquirir (ou aperfeiçoar) determinados saberes ou técnicas cuja finalidade consiste em garantir um nível definido de competência. - Deste modo, o processo de formação organiza-se em função de resultados a obter, obedecendo a uma lógica racional.
- Trata-se de um dos modelos mais enraizados nas instituições em que os conteúdos e os objectivos, predeterminados por quem concebe a formação, são uma realidade exterior ao formando, prevalecendo uma relação hierárquica entre teoria e prática. - Neste sentido, encara-se o formando como objecto de formação25.”
Centrado no
Processo - “A formação é conceptualizada de modo mais flexível incluindo todo o tipo de experiências realizadas durante o processo formativo. - Por conseguinte, o formando é visto como um agente da sua própria formação,
realçando-se o significado e a singularidade das situações formativas com as quais continuamente aprende.
- Daí a ênfase ser colocada no processo e não nos resultados da formação.”
Centrado na
Situação - “O objectivo da formação consiste em saber analisar e interrogar-se sobre a realidade, pelo que a prática assume uma importância crucial no processo formativo. - Deste modo, o formando empreende um trabalho sobre si próprio em função das situações que enfrenta, mediante um processo de reestruturação do
conhecimento num contexto prático.
- Nesta perspectiva, o formando é encarado como observador/analista, pelo que a
confrontação e a interrogação sobre a realidade na qual vai actuar constituem estratégias importantes.”
24 Quadro elaborado com base na síntese de Pacheco & Flores (1999), (op. cit., pp. 130-131). 25 O sublinhado é nosso.
Ainda numa outra perspectiva, Adamczewski (1996) concebe a formação como:
“informação (onde prevalece o ter, o saber e o receber), como prática (predominando o fazer e o agir), como desenvolvimento (valorizando-se o ser, o aprender e o existir), como comunicação (realçando-se o cooperar, o partilhar e o confrontar) e como transformação (prevalecendo o conceber, o deliberar e o decidir)” (op. cit., p. 131).A formação contínua no nosso País
26deve ser perspectivada segundo três critérios
(pessoal, profissional e organizacional), que correspondem a necessidades concretas,
conforme revela o quadro 6.
Quadro 6 - Três critérios que perspectivam a formação contínua27
Critérios
Pessoal Profissional Organizacional
- necessidades de autodesenvolvimento; acção de desenvolvimento psicológico de adultos, procurando alcançar níveis de autoconhecimento mais elaborados e proporcionar níveis mais elaborados de conhecimento acerca da realidade; - necessidades profissionais: • individuais (satisfação profissional, progressão na carreira e valorização curricular);
• grupo (sentido de pertença a um grupo profissional, partilhando uma cultura comum);
- necessidades contextuais da escola;
- necessidades que reflectem uma adequação às mudanças sociais, económicas e tecnológicas;
- necessidades que se orientam para a melhoria do sistema educativo em geral;
- necessidades formativas como forma de resposta à desactualização da formação inicial.
Segundo Pacheco & Flores (1999), conforme estas necessidades sejam
valorizadas, teremos diferentes modelos de formação contínua de professores:
administrativo, individual e de colaboração social.
Ora, estes modelos apresentam diversas características. Nos quadros
28seguintes
(quadros 7 a 9), procuramos sintetizar algumas dessas particularidades.
26 De acordo com Pacheco & Flores (1999), segundo “o ordenamento jurídico da formação de professores
dos ensinos básico e secundário, em Portugal, a formação contínua tem como finalidades principais: adquirir novas competências; incentivar a inovação educacional por parte dos professores; e melhorar a competência docente.” (op. cit., p. 132). (ver Capítulo I, ponto 4.1.1. O Regime Jurídico da Formação
Contínua).
27 Quadro elaborado com base na síntese de Pacheco & Flores (ibidem).
Quadro 7 – Modelo Administrativo Características Críticas M od el o Administrativo (ou transmissivo)
- Formação planificada e realizada pelas instituições de formação do ensino superior e pelos serviços regionais e/ou centrais do Ministério da Educação (estratégia formativa de curta duração: seminários, conferências, cursos, workshops); - Ênfase das necessidades organizacionais;
- “Reflecte uma formação fragmentada, que não corresponde a necessidades concretas dos professores e não incide directamente na prática lectiva, uma formação colectiva em que o professor é um receptor passivo e uma formação de cariz administrativo, onde a presença do professor é mais importante que a sua participação.”
- Enquadra-se numa “lógica de desenvolvimento do sistema educativo que tem por finalidade preparar os professores para as mudanças desejadas ou para a inovação perspectivada tecnologicamente”; - “Este tipo de formação tem servido, grosso
modo, para a actualização dos professores no
âmbito das ciências da especialidade e das ciências da educação.”
Quadro 8 – Modelo Individual
Características Críticas
M
od
el
o
Individual - Formação perspectivada num sentido duplo:
• autoformação (cada professor é o sujeito e objecto de formação); • heteroformação (um grupo de professores elabora projectos formativos, dinamizados por um formador/animador – também professor);
- Ênfase nas necessidades individuais dos professores (identificadas como verdadeiramente suas, susceptíveis de um processo formativo que possa conduzir a significativas mudanças ao nível da prática lectiva);
- Modelo de formação centrado na escola e nas necessidades individuais dos professores;
Quadro 9 – Modelo de Colaboração Social Características Críticas M od el o De Colaboração Social (ou de parceria e de ligação das escolas às instituições de ensino superior ou de aprendizagem cooperativa)
- Resulta da interacção dos modelos administrativo e individual;
- A formação é “uma arena social, com muitos actores envolvidos e cada um deles com responsabilidades específicas de formação”;
- “De entre os vários actores envolvidos, destacam-se os professores a quem se reconhece uma participação directa e uma co- responsabilidade pelo processo formativo; as instituições de ensino superior que têm a legitimidade conceptual e metodológica para organizar a formação centrada na escola e os serviços centrais e/ou regionais do Ministério que assumem a responsabilidade política de determinar os critérios e parâmetros globais de formação contínua;
- Formação contínua enquadra-se numa lógica do desenvolvimento profissional do professor, de acordo com o princípio da articulação dos saberes práticos com os saberes teóricos;
Assim sendo, a formação contínua deverá resultar de um esforço conjunto, no
sentido de articular num projecto contextualizado e válido, quer as necessidades
individuais e profissionais dos professores, quer as necessidades do próprio sistema
educativo.
Pacheco & Flores (1999) concluem escrevendo que:
“um programa de formação contínua deve potencializar a colaboração dos diversos actores do sistema educativo e a realização de projectos de investigação-acção-formação orientados para o desenvolvimento profissional do professor. Numa perspectiva de organização da formação em programas e/ou projectos, Develay (1996) enumera os seguintes princípios que os legitimam:
a) A formação deve ter em consideração a pluralidade de actividades profissionais do professor. (Por exemplo, leccionar matérias, respeitar um horário, dialogar com os alunos e encarregados de educação, partilhar os problemas da profissão com os professores). (...)
b) A formação deve pôr em sinergia, por um lado, os saberes a ensinar e, por outro, os saberes e saber- fazer necessários para possibilitar um ensino ao serviço da aprendizagem. (...)
c) A formação deve apoiar-se numa articulação forte entre a prática lectiva e o esclarecimento teórico que a fundamenta e que dela emerge. Nesta lógica, privilegia-se a alternância prática-teoria numa relação dialógica em que a primeira conduz à segunda. Num contexto de formação contínua, a prática é o suporte da teoria, já que esta orienta aquela e não a predetermina. (...)
d) Uma personalização da formação deve conduzir à consideração dos formandos como pessoas. (...) e) A formação deve ser contratualizada. (...)
f) A formação deve adoptar um princípio regulador da sua organização: visar a coerência entre a profissão docente e as obrigações que a caracterizam, entre as quais se destacam as seguintes: cada professor deve sentir-se como verdadeiro profissional; cada professor deve entender a formação não como uma obrigação administrativa mas como uma necessidade permanente.” (op. cit., pp. 135-137).