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CAPÍTULO II – O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO DOS PROFESSORES

1. Breve Abordagem aos Ciclos de Vida no Desenvolvimento Humano

A análise do desenvolvimento profissional passa, necessariamente, por considerar

o próprio desenvolvimento do ser humano. Gonçalves (1990), referindo-se à idade adulta,

considera que os estudos sobre o desenvolvimento humano,

“que, tomado no sentido ontogenético, pode ser definido como o «processo de mudança experimentado por uma pessoa, do momento da sua concepção biológica ao da sua morte física» (Thomas, 1985), restringiram-se, até há pouco mais que uma década, à infância e à adolescência. A idade adulta era tida como um período de estabilidade, concepção que as cada vez mais rápidas mutações sócio-culturais, uma quase radical alteração de valores e o envelhecimento da população viriam a quebrar, chamando a atenção e enfatizando a «dinâmica do processo segundo o qual a vida dos adultos se desenvolve». Deste modo, a «realização do potencial adulto tornou-se sinal dos nossos tempos» (Knox, 1983). A idade adulta passará, então a ser considerada como «uma fase particular do desenvolvimento do ser humano», no decurso da qual a maturação biológica e o somatório de experiências e conhecimentos acumulados contribuem para modelar um grupo qualitativamente distinto da infância, da adolescência e da extrema velhice (Huberman, 1975)” (Gonçalves, 1990, p. 12).

Contudo, apesar da delimitação de fases, períodos ou estádios, teremos de

conceber o desenvolvimento humano como um processo complexo, que se realiza como

um todo.

No entender de Ferreira da Silva (1982),

“o desenvolvimento é todavia demasiado longo e complexo para poder ser estudado em bloco. Foi necessário marcar etapas, delimitar períodos, sinalizar o percurso por marcos miliários. As descrições do desenvolvimento fazem-se em termos de etapas, estádios, períodos mais ou menos dissemelhantes e diferenciados que comportariam características próprias. Cada um constituiria um todo mais ou menos homogéneo. Esta demarcação de períodos que poderia ter

um mero alcance metodológico ou prático e ser apenas uma classificação mais ou menos convencional, foi influenciada por pressupostos teóricos, modelos biológicos, concepções da infância e da sua posição e significado e acabou por levantar problemas teóricos e metodológicos importantes” (Silva, 1982, p. 71).

Segundo Gonçalves (1990),

“o «estado adulto» não é, porém, apenas, o resultado de mudanças na condição física, na personalidade e nas condições ambientais, mas também consequência das interacções individuais com o meio físico e social. A acção do adulto é, por outro lado, um misto de mudança e estabilidade, em que se conjugam e concorrem a adaptação externa e a mudança interior, conjuntamente com os padrões estabelecidos de interesses e actividades. Em cada momento, a escolha da estabilidade ou da mudança (e a própria deliberação da escolha) é influenciada tanto por considerações de natureza pessoal, que podem ir da satisfação pela actividade desenvolvida e respectivo estatuto remuneratório à opção por uma carreira alternativa, como de cariz situacional, em que se insere, por exemplo, a acomodação entre o trabalho e os papéis familiares. É esta interacção entre estabilidade e mudança que, segundo Knox (1983), produz o desenvolvimento do adulto” (Gonçalves, 1990, p. 13).

Afirma Cordeiro Alves (2001a) que hoje,

“espera-se que o jovem através do desempenho de responsabilidades complexas, à semelhança das práticas rituais nas sociedades primitivas, adquira um estatuto de maturidade, termo, aliás, complexo. Ora a génese dessa maturidade seria explicada, genericamente, (Pikunas, J. 1979), ou pelas «forças interiores ao próprio sujeito» (Freud e Rogers) ou pela «interacção indivíduo- ambiente» (Erikson e Allport). Em qualquer dos casos, e apesar da diversidade de explicações teóricas, os vectores que presidiriam à maturidade, globalmente falando e salva a especificidade individual, seriam:

- a interdependência e autonomia, a actividade participante, a capacidade de aplicação do conhecimento e da experiência, o respeito pelos outros, o auto-controlo, o auto-conhecimento, a vontade de criar um projecto de vida. Sob esta perspectiva, a maturidade, em vez de produto conseguido num momento cronológico dado, identificar-se-á com o processo contínuo da construção individual da própria identidade, em conformidade com as condições envolventes, às quais, por sua vez, vai conferindo uma estrutura consonante (Pikunas, J. 1979)” (Cordeiro Alves, 2001a, p. 61).

Considerando esta concepção de maturidade

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como um processo em

desenvolvimento, poderemos contextualizar os ciclos de vida humana.

Segundo Cordeiro Alves (2001a),

“três contribuições epistemológicas se destacam na definição/fundamentação dos «ciclos de vida»: a psicodinâmica35, o interaccionismo simbólico36 e a psicologia da «life-span37»” (op. cit., p. 62).

Apesar da compexidade deste tema, que transcende os objectivos deste trabalho,

podemos considerar a organização dos ciclos de vida

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, segundo três perspectivas (figura

6), de acordo com Huberman (1975), sendo a psico-sexual, a sócio-psicológica e a

profissional.

Figura 6 – Organização dos ciclos de vida, segundo Huberman (1975)

35 Nas palavras de Cordeiro Alves (2001a), “a psicodinâmica, partindo de uma raiz freudiana, será

desenvolvida por investigadores neo-freudianos, enquadrando-se, igualmente, nessa perspectiva, alguns estudos recentes (Huberman, M., 1988 e 1989; Kennedy, C.E., 1985). (Codeiro Alves, 2001a, p. 62).

36 Ainda no entender de Cordeiro Alves (2001a), “o interaccionismo simbólico, proveniente das

conceptualizações «interaccionistas» da «Escola de Chicago», impõe-se entre as correntes sociológicas pelo seu carácter de teoria social evolutiva que acentua a criatividade face à mudança. Contanto, entre os seus fundadores, com as figuras de R. Park e W. Thomas, os interaccionistas detiveram-se, para além das temáticas sociais, sobre a socialização do adulto e sobre a «carreira profissional», de que são pioneiros” (op. cit., pp. 62-63).

37 A este propósito, Cordeiro Alves (2001a) afirma que “a psicologia da «life-span», visando a identificação

de padrões de desenvolvimento, processos e relações que definem o curso total da vida, a partir do estudo dos «momentos ou situações de transição», assenta em alguns princípios que, à luz de Schale e Willis (1982) se resumem:

1. dá-se a continuidade de desenvolvimento e mudança através da vida, surgindo, tanto na infância como na idade adulta, os eventos e alterações que lhe são próprios, não podendo, contudo, ser previstos ou tratados na idade adulta da mesma forma que nos estádios anteriores;

2. a idade cronológica não constitui forçosamente o indicador mais importante para muitos tipos de mudança, especialmente na idade adulta, em que se rompe o isomorfismo entre as alterações biológicas e comportamentais, isoformismo característico do desenvolvimento nas idades jovens;

3. muitos aspectos do desenvolvimento caracterizam-se por um acentuar da variabilidade interindividual ao longo do decurso da vida, surgindo tal facto associado a um maior impacto da influência do meio durante a vida do adulto;

4. a visão de desenvolvimento da «life-span» implica uma multiplicidade e reciprocidade das influências de mudança” (op. cit., p. 63).

38 Afirma Cordeiro Alves (2001a), “registando-se, embora, diferentes métodos na abordagem da

organização ou desenvolvimento dos ciclos de vida, e especificamente dos ciclos da vida adulta (estudos biográficos, clínicos, análise factorial, sínteses de pesquisas sobre o passado), poder-se-á considerar que o número de ciclos tem oscilado entre dois e dez, admitindo-se, recentemente, um maior consenso sobre o número sete (Kennedy, C.E., 1985)” (op. cit., p. 64).

Perspectivas

Psico-sexual Sócio- Profissional

Dentro da perspectiva psico-sexual que privilegia o desenvolvimento afectivo,

podemos destacar os estudos de Erikson (1950) que,

“sobre o desenvolvimento do «ego», acabaria por estipular, desde a infância à velhice, oito etapas, estádios ou «idades» [I-Oral-Sensorial; II-Muscular-Anal; III-Locomotor-Genital; IV- Latência; V-Puberdade e Adolescência; VI-Idade Adulta Jovem; VII-Idade Adulta; VIII- Maturidade], cuja ultrapassagem sucessiva, à medida que se opera o crescimento orgânico, cada vez mais complexo, em direcção à maturidade, só poderá ser realizada pela superação de uma «crise» ou «momento decisivo» para o desenvolvimento psicossocial [Confiança vs Desconfiança; Autonomia vs Vergonha e Dúvida; Iniciativa vs Culpa; Indústria-Inferioridade; Identidade vs Confusão de Papel; Intimidade vs Isolamento; Generatividade vs Estagnação; Integridade do «ego» vs Desespero]” (op. cit., p. 65).

Segundo Cordeiro Alves (2001a), Erikson (1950) explicita o modelo de fases ou

estádios de desenvolvimento afectivo do indivíduo proposto por Freud (1971) (estádios:

oral, anal, fálico, de latência, puberdade, adulto ou genital), numa linha psicodinâmica.

Um outro A. integrado nesta perpectiva é Ch. Bühler (1976). Esta (1976), sob o

ponto de vista teórico,

“move-se em torno do conceito central de autodeterminação, que define como «uma escolha de finalidade em que se exprime a própria identidade», daí passando à consideração das fases” (op. cit., p. 66).

Estas cinco fases são: a infância, a juventude, a idade adulta – 25 a 45 anos, a fase

do balanço – 45, 50 a 65 anos, a fase da calma – repouso – começo aos 70-80 anos.

Aquela autora (1976) faz correponder, numa perspectiva prática, estas cinco fases

aos períodos decisivos da «evolução profissional e da fundação da família». Os períodos

são, também, cinco:

- I. Época pré-escolar e escolar;

- II. Preparação para a profissão, inícios profissionais, relações pré-conjugais; - III. Plena actividade profissional, casamento e fundação da família;

- IV. Importância dos êxitos e efeitos da profissão, eventual retrocesso profissional, independência dos filhos, que poderá enriquecer a família pelo casamento ou empobrecê-la pela separação;

- V. Substituição das profissões primitivas por profissões parciais ou «hobbies», com frequente ocorrência da perda de um dos cônjuges (Cordeiro Alves, 2001a).

Na perspectiva sócio-psicológica, destaca-se, por exemplo, Havighurst (1953,

1970, 1972). Para este A.,

“as fases dos ciclos de vida são organizados em função das preocupações dominantes no indivíduo ao longo da sua vida.

Assim, depois da infância (0-10 anos- diferenciação progressiva do meio) e da adolescência (10-18 anos – consecução da identidade do eu e da maturidade psicológica), surge a idade

adulta, composta por seis ciclos, cada um dos quais definido por uma preocupação própria: 1. Orientar a vida (18-30 anos); 2. Concentrar a energia (30-40 anos); 3. Dispor de si e afirmar- se (40-50 anos); 4. Manter-se e mudar de papel (50-60 anos); 5. Desobrigar-se? Como? (60-70

anos); 6. Libertar-se de compromissos (70-80 anos).

Na análise que Ch. Bühler (1976) faz das seis fases da vida de Havighurst, a perspectiva evolutiva, quer pessoal, quer social do indivíduo, seria explicada a partir do conceito de tarefas

de evolução, que corresponderiam às «realizações que se podem esperar em cada uma das

idades», não rigorosamente limitadas sob o ponto de vista conceptual” (op. cit., pp. 67-68).

Salienta-se, na perspectiva profissional, o modelo de Friedman (1970) sobre os

ciclos de vida profissional de homens e de mulheres, onde se consideram quatro fases ou

etapas,

“cujas sucessivas ultrapassagens determinarão uma evolução nos valores e no tempo psicológico do indivíduo, bem como nas suas ambições (op. cit., p.69).

Estas quatro etapas correspondem, em relação aos homens: 1ª - entrada na vida

adulta (± 18-28 anos); 2ª - expansão (± 25-50 anos); 3ª - estabilidade (± 50-55 anos);

4ª - pré-reforma (± 55-65 anos). Em relação às mulheres: 1ª - casamento (± 20 anos);

2ª - educação dos filhos (± 22 a 47 anos); 3ª - o casal após a educação dos filhos (± 47-

60 anos); 4ª - viuvez (± 64-78 anos).

Uma tentativa de articulação de vários autores e dos vários modelos de

organização dos ciclos de vida é apresentada por Patricia Cross (1981), procurando

estabelecer uma conjugação das perspectivas biológica, psico-social e profissional,

tentando transmitir uma visão de conjunto do desenvolvimento do adulto.