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APROXIMAÇÕES E DIFERENÇAS ENTRE OS TERRITÓRIOS

5 A ABORDAGEM TERRITORIAL DO DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL

5.4. APROXIMAÇÕES E DIFERENÇAS ENTRE OS TERRITÓRIOS

Quais são as lições que se pode extrair do exemplo desses dois territórios? O que os aproxima e o que os diferencia? Ao responder estas perguntas, muitos elementos importantes surgem para analisar as possibilidades da abordagem territorial como um caminho virtuoso para o desenvolvimento rural sustentável.

Para este estudo, uma questão fundamental refere-se ao funcionamento e dinâmica das estruturas de governança que foram concatenadas para a abordagem territorial e a relação com as instituições que balizam a ação territorial. Aqui, a análise das relações de poder e das formas de participação é elemento central. Outro fator importante diz respeito ao processo de aprendizagem coletiva e, por fim, como isso se traduz em propostas e ações concretas em busca de novos rumos do desenvolvimento rural.

5.4.1. A governança territorial

Os dois territórios analisados têm uma estrutura inicial comum: o PRONAT, coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA). De 2003 a 2008, eles se constituíram e caminharam com a mesma metodologia e a mesma estrutura de governança. A partir de 2008, o

Território Vale do Jamari passa a fazer parte do Programa Territórios da Cidadania.

Nessa primeira fase (2003-2008), todo o processo de constituição do território e de formação/capacitação dos agentes territoriais foi a mesma: reuniões com governo do Estado e movimentos sociais do campo para a definição e constituição dos territórios; oficinas de capacitação para o entendimento da abordagem territorial do desenvolvimento rural; plenárias para definição do destino dos recursos e capacitações setoriais (CMDRs, movimentos, prefeituras, agentes de ATER...). A estrutura de governança definida também foi a mesma, orientada pela SDT/MDA.

O que se percebe é que nos dois territórios a participação da sociedade civil no inicio foi bem intensa, diminuindo com o tempo. No entanto, o processo resultou em diferenças significativas. A primeira diferença é que no TEF o poder público também se interessou no início, tanto as prefeituras, quanto a EMATER. No TVJ, o interesse do poder público só se deu com o Programa Territórios da Cidadania.

5.4.2. Os agentes sociais do desenvolvimento territorial e os interesses que movem esses agentes

As duas experiências têm origem no Programa de Desenvolvimento Territorial da SDT/MDA, por isso a participação dos agentes se deu de forma igual, baseados na mesma orientação, ou seja, que pelo menos 50% do Colegiado deveria ser formado pelo grupo beneficiário do ministério: organizações da agricultura familiar e os demais 50% de agentes públicos: prefeituras, câmaras municipais e técnicos da assistência técnica. Nos dois territórios, essa é a configuração básica. Podem-se especificar três grupos principais de participantes: agricultura familiar, prefeituras municipais e Emater.

A agricultura familiar participa por meio dos sindicatos de trabalhadores rurais (STRs) e sindicatos de trabalhadores da agricultura familiar (SINTRAFs); cooperativas de produção e de crédito, associações e membros dos CMDRs que não necessariamente representam algum grupo. O que move esses agentes? Nos dois territórios houve uma ampla divulgação e articulação coordenada pela SDT e por organizações não governamentais junto a esse público. Processos de discussão com o movimento sindical e outros movimentos sociais foram realizados no inicio do processo de constituição dos territórios. Era o inicio de um novo governo federal (era Lula), reconhecido pelos movimentos como governo democrático e mais próximo da sociedade civil. A própria SDT surgiu de debates iniciados pela sociedade civil organizada. Dessa forma, viu-se nesses territórios uma grande possibilidade

de reconhecimento e voz para esse segmento. Além disso, havia recursos para projetos que poderiam beneficiar um ou mais grupos desse setor.

Um aspecto importante verificado nos dois casos é a enorme dependência de agricultores familiares para participar das plenárias e ações definidas pelo território. É comum que esses agricultores se desloquem para as atividades levados pela prefeitura ou Emater. Isso foi colocado por vários entrevistados como um problema sério, pois como esses agricultores não têm as condições necessárias para participar, eles dependem de outros e isso, muitas vezes justifica que Emater e prefeitura escolham os representantes. Em suma, sindicatos e cooperativas participam independentemente, os demais só participam com apoio do poder público.

Os representantes do poder público municipal são os próprios prefeitos, vices ou secretários de agricultura. Qual o interesse desse grupo nos territórios? Primeira observação a ser feita é que muitos desses municípios que fazem parte dos territórios recebiam anteriormente a esse programa, recursos do Pronaf–infraestrutura municipal. Com a criação dos territórios, o recurso (Proinf, em substituição ao anterior) se destina aos projetos territoriais e não mais municipais. Assim, um dos interesses identificados na pesquisa de campo foi o recurso, já previamente dividido para cada território, e que seria utilizado conforme debate e aprovação no Colegiado territorial. Dessa forma, era importante participar, principalmente das plenárias de discussão dos projetos. Mas, também é possível observar que com a participação dos representantes do poder público, inicia-se, em especial no TVJ, novas articulações entre os prefeitos para a resolução de problemas enfrentados por mais de um município. São os Consórcios municipais temáticos (lixo, água e outros).

Em relação ao terceiro grupo, constituído por técnicos da Emater, pode-se identificar duas situações diferentes. No TVJ, eles participam de forma inconstante e frágil. Os interesses são próximos aos dos representantes da microrregião da qual faz parte o técnico. Ou seja, não se percebeu interesses coletivos desse grupo e, sim, microrregionais.

No caso do TEF, a situação é bem diferente. Os técnicos são os agentes mais ativos do território e se colocam em posições mais altas no “campo social”14. Há uma forte articulação entre Emater local (municípios do território) e Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de Goiás (SEAGRO), responsável pela intervenção do Governo de Goiás nos programas, projetos e ações territoriais. Essa Secretaria também coordena e exerce forte influência nas decisões do CEDRS, colegiado responsável pela definição dos territórios e aprovação dos projetos territoriais. Assim, são os técnicos da Emater que detêm









14 Campo social pode ser definido como um espaço multidimensional de posições ocupadas pelos diferentes agentes sociais, sendo que cada posição depende do volume de capital que possuem e da sua composição em

a informação, o conhecimento técnico e o político. O interesse é basicamente manter a posição de poder dentro do território e do campo do rural.

5.4.3. Participação social

Desenvolvimento e participação, qual é a relação? Em muitas análises, essa relação é intrínseca: desenvolvimento requer participação e esta aumenta a possibilidade do desenvolvimento. Entretanto, o que as pesquisas de campo mostraram é que essa relação não é dada.

Quais os mecanismos institucionais utilizados para incentivar a participação, tanto da sociedade civil, quanto do poder público? Quanto ao setor público, parece claro que a sua participação foi incentivada pela possibilidade de conseguir mais recursos para o seu município. Ao mesmo tempo em que havia um receio de dividir poder, havia a oportunidade de mais recursos. Essa foi a tensão gerada no âmbito do poder público municipal. Os incentivos se deram principalmente nessa perspectiva. Primeiro, diminuindo a possibilidade de recursos para desenvolvimento rural para municípios isolados, como acontecia no Pronaf infraestrutura. A partir das ações territorializadas do MDA, esses recursos se destinariam ao território. Depois, com o programa Territórios da Cidadania, os municípios que faziam parte de territórios teriam prioridade nos recursos das várias instituições públicas participantes do programa.

Numa análise simplificada, podia se pensar que houve mudanças nas regras de repasse de recursos para os municípios. No entanto, ao que parece foram criadas outras opções de repasse, via territórios, mas continuam as formas anteriores: relação políticas entre município e estado e entre município e governo federal; emendas parlamentares. Ou seja, para os municípios que conseguem maior articulação entre os entes federativos, o caminho antigo continua o mais fácil. Para os municípios muito pequenos e pouco articulados, os territórios parecem caminhos mais fecundos.

Em relação à sociedade civil, no inicio havia grande esperança de participação nas discussões e proposições de políticas públicas. Esse era o incentivo principal. No entanto, o que se percebe é que há muitos elementos que dificultam esta participação, principalmente, devido à assimetria de poder, relações políticas clientelistas e pouco acesso aos fóruns participativos.

5.5. CONSIDERAÇÕES

A partir deste rápido olhar sobre as experiências brasileiras que estão em curso e das lições apreendidas de outras experiências, faz-se necessário algumas reflexões. A primeira diz respeito à emergência da abordagem territorial para o desenvolvimento. O que se vê é que a emergência de uma nova ruralidade trouxe consigo com muita força a noção de território e, consequentemente, a idéia de uma abordagem territorial que integre as várias dimensões do desenvolvimento e os diversos setores da economia, bem como que estreite as relações entre campo e cidade. Por outro lado, a visão territorial deu mais visibilidade ao meio rural. Esta forma de pensar o desenvolvimento parece ser um avanço em relação aos modelos centralizadores e setoriais.

Outra reflexão que é preciso fazer refere-se à relação entre participação e governança. As experiências priorizam e induzem os processos participativos e os espaços de governança. No entanto, nenhuma delas demonstra como esta relação pode ser potencializada e tão pouco explica como se resolvem os conflitos de interesses existentes nos territórios. A participação, especialmente por meio de representações, por si só não garante que as escolhas serão democráticas, inovadoras e inclusivas.

Ainda, um aspecto importante é a constituição de novas instituições que sejam adequadas às novas abordagens. Elas são fundamentais para que estas propostas construam caminhos diferenciados em busca de um desenvolvimento sustentável. Instituições formais podem ser criadas por decreto, mas precisam ser vivenciadas para se consolidarem e, no caso de informais devem se dar por meio de processos de aprendizagens coletivas e de longo prazo.

Enfim, o que a abordagem territorial traz de novo neste sentido? A partir deste rápido olhar sobre as experiências em curso não é possível determinar se está havendo ou não uma mudança neste sentido. O que se pode inferir é que esta nova abordagem pode sim significar uma nova relação entre ambiente e sociedade na medida em que é a expressão de uma nova ruralidade, que se pauta não mais exclusivamente na produção de bens primários, mas também pela estreita relação entre urbano e rural.

PARTE III

BRASIL E AMÉRICA LATINA – NOVAS RELAÇÕES PARA O