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AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL – O CAMINHO INSTITUCIONAL

2 O CAMINHO INSTITUCIONAL DO DESENVOLVIMENTO RURAL

2.3. AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL – O CAMINHO INSTITUCIONAL

Conhecer o caminho institucional do desenvolvimento rural no Brasil é fundamental para a compreensão da abordagem territorial do desenvolvimento rural. É preciso entender como o país chegou a esta abordagem para analisar o seu significado e a sua importância em termos de mudanças paradigmáticas.

O estudo das trajetórias deste processo poderia se dar de diversas maneiras, porém, para facilitar o entendimento, optou-se em dividir a análise em três períodos. O primeiro que compreende os anos 1960 até 1979. Época de grande institucionalização da chamada “revolução verde”. O segundo período abarca a década de 1980, momento de crise e diminuição dos recursos para a agricultura. E o terceiro que vai da década de 1990 até os dias de hoje, o período de redirecionamento de políticas de desenvolvimento rural.

A partir dos anos 1960 até 1979, o principal objetivo da política agrícola foi o de estimular a modernização da agricultura brasileira (CASTRO, 1982; KAGEYAMA et al, 1990; SILVA, 1996). Um dos principais instrumentos deste processo foi o delineamento do crédito agrícola voltado basicamente para a promoção da “Revolução Verde” (MARTINE, 1987). Os créditos oficiais tinham juros negativos e atrelados à adoção de insumos industriais (KAGEYAMA et al, 1990). Houve, neste período grande incentivo à aquisição de máquinas, fertilizantes e à ocupação das fronteiras no Centro-Oeste. A modernização agrícola era necessária para viabilizar a expansão industrial (MARTINE, 1987).

No período seguinte, na década de 1980, a estratégia continuou, no entanto, devido à diminuição de recursos, os juros já não eram negativos e a concessão de créditos já não era mais vinculada à aquisição de insumos (KAGEYAMA et al, 1990). É nessa época que os impactos ambientais e sociais começam a ser percebidos. O uso destas tecnologias modernizantes levaram tanto à danos ambientais, quanto à seleção de agricultores que conseguiam escala de produção e sua capitalização. Além disso, muitos agricultores familiares se endividaram, e, com isso tiveram que migrar para as cidades. Foi um período de grande êxodo rural (SANTOS & PIASENTIN, 2010). Até a década de 1980 quem mais se beneficiou com as políticas agrícolas foram os grandes produtores, que se dedicavam às culturas integradas aos complexos agroindustriais e voltadas à exportação (MAGDOFF, et al, 2000).

Nos anos 1990, fortemente marcado pelas políticas neoliberais que preconizavam o Estado mínimo, o governo passa a estimular o financiamento da agricultura pelo setor privado (BELIK, 1999). Apesar disso, o crédito oficial continua a responder pela maior parte dos empréstimos. No entanto, há um redirecionamento deste crédito. As empresas processadoras começam a acessar com maior capacidade, o que permitiu que elas mesmas passassem a financiar seus fornecedores. Cresce o processo de integração agricultura- indústria (BELIK, 1999). Neste período é forte a idéia de que o mercado se auto-regula. Assim, toda a lógica do desenvolvimento rural é submetida às demandas do mercado.

É criado nesta década o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cujo objetivo era o de pensar e elaborar políticas exclusivas para a agricultura familiar. Este fato representa um sinal de resistência à lógica do mercado como determinante de políticas públicas e recoloca em debate a necessidade da ação do Estado. Com isso, há um acirramento entre setores rurais, um aprofundamento da diferenciação social no campo e um aumento das disparidades regionais (SANTOS & PIASENTIN, 2010).

Em meados da década de 1990, com a difusão do termo “desenvolvimento sustentável”, começa a ser colocado em pauta o apelo aos aspectos sociais e ambientais do desenvolvimento. Surgem o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf em 1995); a criação dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural (CMDRs) a partir de 1997; o Programa Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PRONAT), em 2003; e, mais recentemente, o Programa Territórios da Cidadania, em 2008. O enfoque principal de todas essas ações era o fortalecimento da agricultura familiar.

2.3.1. Políticas públicas de desenvolvimento rural e agricultura familiar

Até início da década de 1990, o enfoque do desenvolvimento rural foi o de modernização da agricultura de escala. A partir de meados dos anos 1990, apesar desta estratégia continuar, há um enfoque paralelo que visa o fortalecimento da agricultura familiar e o desenvolvimento rural passa a ser entendido como um processo com múltiplas dimensões: econômica, sócio-cultural, político-institucional e ambiental (SCHNEIDER, 2007).

Essa nova perspectiva leva em consideração aspectos como a diversidade, a pluriatividade e as relações nos territórios e nos níveis políticos institucionais. As características fundamentais destas novas trajetórias do desenvolvimento rural envolvem uma diversidade de atores e atividades desenvolvidas (KAGEYAMA, 2008).

Neste contexto, evidenciam projetos políticos diferenciados. Um, calcado em processos de modernização, baseados nas demandas de mercado e numa estrutura fundiária concentradora. O outro, com uma concepção que tem como eixo a agricultura familiar e o conjunto de relações estabelecidas por estes agentes. Estes dois projetos evidenciam as principais arenas de disputas do rural no Brasil (DAGNINO, 2004).

A emergência da agricultura familiar na agenda das políticas públicas de desenvolvimento rural envolve um conjunto de mudanças macroeconômicas ocorridas no final dos anos 1980, tais como a redução da oferta de crédito agrícola, fim dos subsídios, flutuações dos preços internacionais e instabilidade no mercado interno e na década de 1990, ao processo de desestatização e desmantelamento dos órgãos públicos. Este cenário de ajuste estrutural no país provocou reações das organizações no meio rural (CORDEIRO et al., 2003).

É neste novo cenário político rural, iniciado na década de 1990, que surge o termo “agricultura familiar”. Essa noção está ligada a fatores que ocorreram no seio dos movimentos sociais do campo, especialmente no movimento sindical, e dentro do próprio Estado. No que se refere aos movimentos, houve uma unificação política em torno do termo agricultura familiar. Esta se tornou a categoria política e social das lutas no âmbito do meio rural. Para além da luta pela terra, surgem novas bandeiras que vão desde políticas agrícolas especificas, de comercialização, até políticas de desenvolvimento social e ambiental. Há um crescente de mobilizações em torno de políticas de desenvolvimento rural (BONETTI, 2007).

No contexto do Estado também houve alterações institucionais importantes, sendo a principal, a criação do Pronaf, que surgiu frente às pressões dos movimentos sociais com a

finalidade de fornecer crédito e apoio institucional aos agricultores familiares (SCHNEIDER, 2003).

O Pronaf teve um papel fundamental no direcionamento das políticas de desenvolvimento rural, pois além de estabelecer um programa de acesso ao crédito para agricultores familiares, também estabeleceu políticas especificas de assistência técnica e extensão rural (ATER), pesquisa, capacitação e recursos para infraestrutura e serviços municipais. Isto trouxe, além de recursos próprios para essa categoria, um fortalecimento da agricultura familiar enquanto agente produtivo, social e político.

Segundo Mattei (2006), o Pronaf provocou um aumento na produção a partir do fortalecimento da agricultura familiar, apesar de algumas fragilidades persistirem. O autor identificou cinco grandes avanços. O primeiro está relacionado ao processo de descentralização das políticas públicas. O Pronaf estimulou este processo ao criar mecanismos e instituições que visavam aproximar os diversos atores envolvidos nesse campo.

O segundo avanço diz respeito à gestão social. A partir do programa, foram criados os conselhos municipais, no qual agricultores e agentes locais de desenvolvimento passaram a ter voz no debate sobre programas e políticas para o desenvolvimento rural. Abriram-se espaços de participação, embora pode-se questionar a qualidade dessa participação.

Um terceiro aspecto positivo foi uma maior articulação entre os diferentes atores sociais envolvidos com o programa. Ainda, nessa lógica, e por conta disso, muitos estudos apontam que o Pronaf influenciou positivamente o tecido social local ao estimular o associativismo e cooperativismo. O quarto avanço está relacionado com a expansão do programa que, via crédito, incluiu maior número de agricultores familiares ao sistema financeiro e aumentou a possibilidade destes se integrarem ao circuito de produção. Por fim, o último ponto de destaque diz respeito às respostas produtivas. Não se pode negar que houve uma grande expansão da produção no âmbito da agricultura familiar que teve acesso ao Pronaf. Ou seja, este programa tem uma alta eficiência produtiva e pode ser considerado um grande avanço em termos de política agrícola.

No entanto, algumas limitações e fragilidades ainda persistem. Mattei (2006) aponta quatro. A primeira é que o programa “não conseguiu intervir adequadamente no sentido de mudar os mecanismos do padrão de desenvolvimento agrícola que vigora no país desde o pós-guerra” (MATTEI, 2006, p.58). Ou seja, não houve um redirecionamento para outra proposta de desenvolvimento. O viés produtivista continua central no programa. Em função dessa orientação, os planos de desenvolvimento não conseguiram intervir nos rumos do desenvolvimento, se limitando a encaminhar ações.

O segundo ponto é a fragilidade do programa como instrumento de mudanças para além da esfera da agricultura. Assim, o rural continua entendido como agrícola. O terceiro limite refere-se à questão ambiental que se manteve apenas como retórica. E, por último, um limite relacionado ao campo financeiro. O Pronaf continua restrito ao credito que é operado quase que exclusivamente pelos bancos estatais, que inibem o surgimento de um sistema de finanças de proximidade, que poderia não só repassar recursos públicos, como captar poupança visando a atender às diversas necessidades.

A partir dessas constatações pode-se dizer que o Pronaf pode ser considerado um avanço institucional, pois fortaleceu uma nova categoria no espaço rural: agricultura familiar e estipulou regras específicas para essa categoria. No entanto, não provocou mudanças significativas em termo de novos processos de desenvolvimento rural.

Uma mudança mais recente se deu em 2003, com a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) no âmbito do MDA. Esta secretaria passou a ser responsável pela gestão do Pronaf infraestrutura, passando a associar essa modalidade à idéia de desenvolvimento territorial (SILVA, M. C., 2010).

2.4. CONSIDERAÇÕES

Nas duas últimas décadas o debate sobre novas ruralidades ganha força na Europa e América Latina, principalmente em contraposição ao discurso de que o rural estaria fadado ao fim com o desenvolvimento do mundo capitalista. E, com esse debate, a abordagem territorial surge como possibilidade de se pensar o desenvolvimento rural a partir desse novo. Ao mesmo tempo que surge como resposta, também contribui para valorizar o espaço rural como importante para se pensar desenvolvimento de um país.

No Brasil, o que se pode perceber é que, apesar de sempre continuar com a idéia de modernização da agricultura e de se manter ainda uma visão bastante setorial do mundo rural, há uma diferença fundamental a partir dos anos 1990, que é a interação dos agricultores familiares na execução de programas públicos. Surgiram neste período importantes espaços de diálogo e de participação, bem como novos temas, tais como, a sustentabilidade (SCHNEIDER, 2007). O Pronaf pode ser considerado a maior mudança institucional do mundo rural no Brasil.

O capítulo seguinte abordará o tema específico da abordagem territorial do desenvolvimento rural, na tentativa de entender o significado dessa nova forma de pensar políticas públicas para o meio rural.