• Nenhum resultado encontrado

AS TRANSFORMAÇÕES DO MUNDO RURAL NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

2 O CAMINHO INSTITUCIONAL DO DESENVOLVIMENTO RURAL

2.1. AS TRANSFORMAÇÕES DO MUNDO RURAL NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

O mundo rural passa por um processo de desencantamento e racionalização da vida social. No entanto, isto não significa necessariamente a perda das tradições e das relações que constituem os modos de vida do campo. Ao contrário, pode significar uma forte revalorização da cultura e das tradições desses modos de vida.

A modernidade pode ser entendida, de forma simplificada, como “um estilo de vida, costumes e organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII” (GIDDENS, 1991). No entanto, é a partir do século XX que esta modernidade se radicaliza especialmente pautada na tecnologia e na globalização.

A separação entre espaço e tempo é uma das características fundamentais da modernidade. Segundo Giddens (1991, p.28), “as organizações modernas são capazes de conectar o local e o global de forma que seriam impensáveis em sociedades mais

tradicionais...” e isto trouxe como conseqüência o “desencaixe” dos sistemas sociais, significando o “deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (idem, p.29).

O que isto representa neste contexto de mudança no meio rural? Primeiro, pode-se dizer que o processo de racionalização trouxe uma nova interação entre local e global no campo. Os atores desta nova ruralidade têm estabelecido relações que se dão no âmbito local, mas que interagem totalmente no global. No entanto, isto não significa que há um esvaziamento do local, ao contrário, é possível dizer que há um novo diálogo entre os espaços.

As tensões que emergem destas relações apontam contradições nas práticas sociais e culturais. A intensificação das dimensões econômicas e políticas globalizadas tendem a romper com as fronteiras locais de tradição, cultura e ideologia. Ao mesmo tempo, neste processo ganham força as identidades locais e territoriais, interpretadas sob a ótica deste novo, assim, faz surgir novos localismos (SANTOS, B. S., 2002). São processos paradoxais de des-enraizamento e re-enraizamento num espaço de multiplicidade de atores e de relações.

As discussões em torno da globalização, modernidade e da pós-modernidade têm mantido esta mesma racionalidade. As transformações sociais, econômicas, políticas e culturais têm sido interpretadas a partir de uma visão centrada na importância da indústria (dimensão setorial) e da cidade (dimensão geográfica), relegando um espaço residual ao mundo rural e seus significados.

Essa visão dicotômica entre urbano e rural também tem sido bastante questionada no Brasil, nos últimos anos. O campo brasileiro passa por mudanças significativas. A agricultura já não é considerada a única atividade. O peso das rendas não-agrícolas é, na maior parte do país, fundamental e as relações entre campo e cidade têm se estreitado. Diante disto, surgem novas relações e novos atores no espaço rural. A ação social passa a ter uma racionalidade, nos termos de Weber (1998), intramundana e não mais encantada. Este processo parece ser inevitável e traz consigo contradições, novas relações e novos significados para o rural. Apesar disto, no mundo atual, esta racionalização é importante para que ocorra a inserção de populações excluídas. Compreender estas transformações é fundamental para a análise e para a ação no meio rural, pois com elas surgem novos agentes sociais importantes para o desenvolvimento.

Nesta perspectiva, Wanderley (2000) formula a hipótese de que o desfecho dos processos recentes de transformação não é o fim do rural e a urbanização completa do campo. Estas transformações não significam o fim dos modos de vida rurais, mas sim uma

re-significação destes modos e suas tradições. Elas são intensificadas pelas trocas materiais e simbólicas com o urbano, fazem emergir uma nova ruralidade (idem, p.89), sendo que o espaço local é, por excelência, o lugar de convergência entre o urbano e o rural (WANDERLEY, 2001, p. 33).

Carneiro, M. J. (1997) também enfatiza esta perspectiva, apesar de reconhecer a importância das mudanças no meio rural inclusive uma re-orientação da capacidade produtiva. A autora afirma que a integração do rural à economia global, ao invés de diluir as diferenças, “pode propiciar o reforço de identidades apoiadas no pertencimento a uma localidade” (idem, p.5).

A conseqüência deste processo é a própria imagem da natureza. Esta não é mais entendida simplesmente como fator de produção. A natureza é re-significada na sua raiz cultural e percebida como espaço de vida e, que por isso, é fundamental estabelecer uma nova relação entre homem e ambiente. Relação que estabeleça a utilização dos recursos naturais sem exaurí-los e com o mínimo de impacto.

De acordo com Veiga (2004), o processo de globalização age contraditoriamente, especialmente em duas dimensões no mundo rural: a econômica e a ambiental. Em relação à dimensão econômica, a globalização age no sentido de tornar as atividades periféricas e marginais. Há uma tendência de centralizar as regiões produtoras e, desta forma, excluir territórios da economia global. A dimensão ambiental, que envolvem as amenidades naturais, as fontes de energia e a biodiversidade, age no sentido de tornar cada vez mais valiosa a vida no campo.

Entender estas transformações é imprescindível para estudar as potencialidades do desenvolvimento rural num processo de globalização. Para tanto, a abordagem territorial é bastante adequada, pois esta tem se tornado uma expressão deste processo de mudança, bem como tem potencializadas as visões desse novo rural. Desta forma é fundamental entender a relação entre territórios, globalização e modernidade.

É neste contexto de mudança que emerge a abordagem territorial, sendo que esta representa a intensificação da longa evolução deste processo de racionalização do mundo rural. Esta mudança pode ser observada em três características marcantes da ruralidade: a relação entre sociedade e natureza, as relações de proximidade e a relação com as cidades.

As análises sob este enfoque facilitam a compreensão do processo de nova ruralização e, desta forma, a compreensão das novas relações que ocorrem no meio rural. Ao analisar o mundo rural sob este olhar, percebe-se que tanto no sul e sudeste brasileiro, como na Amazônia é possível verificar as transformações que vem ocorrendo.

Isto traz questões importantes para o desenvolvimento rural e a necessidade de olhar o rural sob esta nova visão. Neste sentido, a abordagem territorial parece um caminho bastante interessante na construção de um novo paradigma do desenvolvimento rural, centrado nos novos agentes, novas manifestações e novas relações.