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3. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

3.1. Aproximações iniciais

Depois de conhecer o diretor e a coordenadora, de conversar e de receber autorização de ambos para a realização da pesquisa, fui conhecer as professoras e os professores. Os dados foram recolhidos com docentes do Ensino Fundamental II, do Centro Educacional Unificado “Cecília Meireles”10. Dentre os três níveis de ensino da Educação Básica, escolhi o

Ensino Fundamental II, considerando que teria um número significativo de docentes de ambos os sexos. No entanto, confirmando as pesquisas educacionais sobre a predominância feminina no magistério, havia, em 2006, na escola pesquisada, em um total de 19 docentes, somente quatro do sexo masculino.

Como a pesquisa de campo se estendeu para o ano de 2007, pude acompanhar uma mudança no grupo. Dos 19 docentes, oito pediram remoção e dois foram para o período da noite. Ou seja, em 2007, somente nove docentes permaneceram no turno da manhã — sete professoras e dois professores. Dentre aqueles/as que ingressaram na escola, em 2007, tive contato somente com seis: três professores e três professoras. Desse novo grupo, um professor e uma professora dispuseram-se a participar. Um terceiro professor mostrou-se inicialmente interessado, mas desistiu, alegando que não teria tempo para fazer da maneira como gostaria.

Com a virada de um ano letivo, muito havia se alterado. De um lado, vários/as professores/as mudaram de escola, enquanto outros/as vieram. Do novo grupo, poucos se dispuseram a participar da pesquisa, alegando falta de tempo e correria. De outro lado, aqueles/as que continuaram na escola tiveram as suas rotinas de trabalho bastante modificadas. Aumento ou diminuição de carga horária, troca de turnos, término ou início de cursos, entre outras mudanças, o que, conseqüentemente, alterou a rotina pessoal e, em alguns casos, até da família.

Ao iniciar a pesquisa, em 2006, cheguei no horário de trabalho coletivo11, realizado

pelos docentes após as aulas, quatro vezes na semana, por duas horas, e destinado a estudos, discussões, preparação de atividades, leitura dos projetos educacionais do município, com a participação da coordenadora. Todavia, na sala dos/as professores/as, local onde as reuniões aconteciam, o que havia era uma discussão sobre os últimos acontecimentos políticos envolvendo o presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores12. A coordenadora, por sua vez,

encontrava-se em sua sala, ocupada em uma reunião.

Passada a euforia do debate político, apresentei-me e relatei sobre a minha pesquisa e meus objetivos, salientando que a participação delas e deles seria fundamental para o meu trabalho. Em meio a reclamações sobre a correria, a excessiva carga de trabalho e a falta de tempo, reconheceram que meu tema era de fundamental importância para o debate educacional.

Para tentar conhecer um pouco melhor o grupo, pedi permissão para ir a algumas daquelas reuniões coletivas. A discussão sobre o tempo ou a falta dele era recorrente em todas as vezes que eu estava presente. Nossa vida é muito corrida, Não temos tempo pra nada! Nem pra almoçar sossegada, eu tenho tempo, diziam. Outros aspectos do trabalho docente eram debatidos, como a falta de limites e de responsabilidade dos/as alunos/as.

Após esta primeira aproximação, entreguei os questionários. O acordo era que um momento da reunião seria destinado à sua aplicação. No entanto, muitos eram os pontos para serem discutidos, e não sobrou tempo para seu preenchimento. A solução foi entregar e pedir para me devolverem assim que respondessem. Demorei a conseguir recolher todos os questionários. A dificuldade anterior a esta foi conseguir entregar para as/os 19 docentes —15 mulheres e 4 homens —, uma vez que a reunião coletiva mencionada não era freqüentada por todas/os. As diferenças de jornada de trabalho e o número de aulas diárias nos CEUs – sobre os quais falarei adiante – não permitiam que eu encontrasse o grupo todo no mesmo momento.

Por esse motivo, consegui entregar 18 questionários, dentre os quais obtive o retorno de 14, o que significa um índice considerável (78%), tendo em vista a enorme sobrecarga de trabalho dos/as professores/as e a conseqüente falta de tempo para mais uma tarefa. As quatro professoras que receberam o questionário e não entregaram alegaram que estavam com

11 Este tempo de trabalho faz parte da Jornada Especial Integral – JEI, que inclui 25 horas/aula e 15 horas-

atividades (11 horas/aula semanais na própria escola – coletivas e individuais – e 4 horas/aula semanais em local de livre escolha), perfazendo um total de 40 horas/aula semanais.

trabalho acumulado, não tendo sobrado tempo para preenchê-lo. Como foi dito anteriormente, em 2007, mais da metade do grupo mudou de escola, enquanto novas pessoas entraram para a equipe. Desse novo grupo, somente dois professores responderam o questionário e, portanto, obtive ao todo 16 questionários respondidos.

Após a análise dos questionários, pedi a quem tivesse disponibilidade para preencher o diário de uso do tempo. Para tal, basearam-se em um roteiro, sugerido por mim, com a descrição de todas as atividades diárias, incluindo as atividades profissionais e as domésticas; os deslocamentos; os trabalhos escolares realizados em casa; as atividades de lazer e de descanso, de cuidado com pessoas, com animais ou consigo mesma/o; e outros registros que julgassem necessários. Dentre os 19 docentes no ano de 2007, somente sete puderam preencher o diário.

Houve bastante variação no preenchimento dos diários de uso do tempo. Uma professora detalhou minuciosamente dez de seus dias. Além das atividades diárias, falou sobre seus sentimentos, seu relacionamento familiar e seus costumes. Ao final, escreveu: Hoje é o último dia que eu escrevo este diário. Estou feliz por isso, porque escrever estas páginas ocupou um pouco do meu tempo. Mas, enfim, meu comprometimento para fazer esse diário foi cumprido.

Outra professora também começou a fazer seu diário, relatando detalhes de sua vida pessoal, mas, por falta de tempo e por problemas familiares – morte do avô –, não conseguiu terminá-lo. Na realidade, ela contou mais de sua infância do que propriamente de sua rotina de vida, incluindo o trabalho e outras atividades. Um professor também fez seu relato bem detalhadamente, mas de forma mais objetiva. Os outros quatro docentes — três homens e uma mulher — responderam de forma mais sintética, porém, sem deixar de contemplar o que havia sido proposto.

Sabendo que a qualidade do material coletado dependeria da qualidade dos/as informantes escolhidos/as (QUEIROZ, 1985), a análise dos questionários e dos diários, utilizados previamente para maior conhecimento de cada um/a, despertou meu olhar para dois professores e duas professoras. Mas por que esses/as quatro docentes?

Em primeiro lugar, eu havia solicitado que se, após o preenchimento dos questionários, houvesse alguém com disponibilidade para fornecer uma entrevista, esta seria de grande valia para a minha pesquisa. Dois logo se dispuseram — um professor e uma professora. Como o meu critério era variar, ao máximo, o desenho da análise, além de considerar a importância de conseguir pessoas reflexivas e questionadoras, convidei outros dois docentes, um professor e uma professora, que aceitaram sem hesitação.

Escolhidos/as os/as quatro docentes, consegui obter igual representatividade de ambos os sexos e uma variedade de experiências socioculturais e econômicas, de condições de moradia, de situação civil, de constituição familiar, de escolaridade, de tempo de magistério, de carga horária de trabalho, entre outras. Dentre eles/as, três já estavam na escola em 2006 e a última havia pedido remoção para o CEU em 2007. Para conhecê-la melhor, pedi que preenchesse o questionário e fizesse o diário do uso do tempo, assim como os outros.

A relação entre pesquisadora, professoras e professores pesquisados/as foi sendo construída de maneira positiva desde o ano de 2006. O fato de eu ser mais nova do que o grupo, com cara ainda de menina, como disseram, poderia talvez influenciar negativamente em nossa relação, mas acredito que o peso de ser mestranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, aliado à pontualidade nas idas à escola, conferiram seriedade e respeito ao meu trabalho.

A análise dos questionários e dos diários de uso do tempo forneceu pistas para a elaboração do roteiro da entrevista13, que continha os temas principais a serem tratados. O

roteiro começava pelos dados da trajetória pessoal, passava pela trajetória profissional, pela situação de vida atual, pela rotina dos dias da semana e dos finais de semana, pelas atividades profissionais e domésticas e terminava com o trabalho realizado na escola e com os sentimentos atribuídos à vida profissional, em geral.

Durante todas as entrevistas, procurei seguir o roteiro como um norteador daquilo que eu precisava saber, mas sem perder a riqueza de outras questões que pudessem surgir. Tentei fazer com que ficassem o mais à vontade possível e falassem livremente sobre o que havia sido sugerido. Eu anotava, em meu caderno de campo, tudo aquilo que poderia me auxiliar na análise, desde a minha chegada na escola até gestos, expressões e outras anotações pertinentes.

Três entrevistas foram realizadas na escola, na sala da Coordenação Pedagógica. Apesar do barulho de crianças conversando ao fundo, rindo ou brincando e do sinal tocando, essa sala foi a mais adequada para as entrevistas, pois, como o grupo estava sem coordenadora, o local estava vazio. Das três entrevistas, duas tiveram uma única sessão, sem interrupções: a de um professor que tinha duas horas-atividade disponíveis e a de uma professora que entrava mais tarde em sala de aula e chegou mais cedo para realizarmos a entrevista, mesmo considerando que este horário de quarta-feira é sagrado, pois posso chegar mais tarde.

A outra professora tinha seus horários de hora-atividade dispersos na semana, o que exigiu a realização da entrevista em três sessões, sempre após o lanche; por isso, demorávamos um pouco para começar, porque, sem tirar sua razão, a professora lanchava, ia ao banheiro e conversava rapidamente com alguns colegas, já atrasados/as para entrar em sala de aula.

A quarta entrevista foi realizada com um professor em sua residência. Como ele também tinha os horários de hora-atividade dispersos na semana, preferiu disponibilizar seu horário de JEI para realizarmos a entrevista. No entanto, esse horário seria extremamente complicado para mim, uma vez que começo as minhas atividades como docente às 12h, no município de Embu das Artes. Diante da dificuldade de conciliarmos um horário, aproveitei um dia em que eu não iria trabalhar à tarde, pedi que escolhesse um local tranqüilo e que lhe fosse mais conveniente e ele escolheu sua residência.

As quatro entrevistas tiveram duração de, aproximadamente, uma hora e quinze minutos ou uma hora e meia. Somente a entrevista realizada em três sessões durou por volta de duas horas. Todas elas foram gravadas em áudio e transcritas por mim. De acordo com Queiroz (1985), o/a próprio/a pesquisador/a é a pessoa mais indicada para fazer as transcrições, pois somente ele/a poderá reproduzir o mais fielmente aquilo que foi gravado:

Ouvir e transcrever a entrevista constitui, para ele, um exercício de memória em que toda a cena é revivida: uma pausa do informante, uma tremura de voz, uma tonalidade diferente, uma risada, a utilização de determinada palavra em certo momento, reavivam a recordação do estado de espírito que então detectou em seu interlocutor, revelam aspectos da entrevista que não haviam sido lembrados quando efetuou o registro do dia no caderno de campo, ou mesmo dão a conhecer detalhes que, no momento da entrevista, lhe escaparam (QUEIROZ, 1985, p. 82).

De fato, a transcrição das entrevistas, realizada por mim, possibilitou maior riqueza nos detalhes do documento escrito. Além disso, teve o valor de uma primeira reflexão sobre os dados coletados. Ao efetuar cada transcrição, tinha a oportunidade de rever o que poderia ser discutido nas próximas entrevistas com outros/as docentes.