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4. UM PRIMEIRO OLHAR

4.3. Origem familiar e situação atual de vida

Eu sou nascido aqui em São Paulo, vindo de uma família de seis irmãos, família humilde. (Pedro) Eu vim de uma família muito humilde. Meus pais foram operários e eu sempre tive o sonho de ser professora. (Fernanda) Meu pai e minha mãe eram muito atenciosos. Meu pai, principalmente. Minha mãe era mais rígida, mas o meu pai sempre conversava com a gente, falava que a gente precisava estudar, precisava respeitar as pessoas e tudo o mais. (Fátima) Eu lembro que, na época que meu pai trabalhava na empresa, teve uma época que a gente tava super bem. Depois, deu uma decaída e depois voltou normal. (Marcelo) A análise das entrevistas dos/as docentes, tendo como destaque as epígrafes apresentadas acima, mostra-nos que, dos quatro professores, três vêm de família considerada humilde. Pedro, Fernanda e Fátima passaram certas dificuldades econômicas quando crianças.

Fernanda tem 36 anos, nasceu em Sorocaba, interior do estado de São Paulo. Aos cinco anos de idade, seus pais se separaram e ela foi morar com os avós paternos. O avô era barbeiro, tinha muitos clientes e era bastante conhecido. Tinham uma vida confortável, embora não possuíssem patrimônio. Aos dez anos, seu avô faleceu e a situação financeira ficou difícil. Mudaram-se, então, para um bairro de periferia de Sorocaba. A casa foi cedida por um primo da avó que havia sido criado por ela e por sua família quando perdeu a mãe, ainda bebê.

Sua mãe formou-se atendente de enfermagem e trabalhava em turnos de 12 por 36 horas, o que dificultava as visitas à filha. O pai aposentou-se cedo devido a um grave problema no joelho, decorrente de um jogo de futebol: A frustração de não poder mais jogar

futebol, de não poder trabalhar e de ter ‘perdido’ minha mãe foram demais para ele, que se tornou alcoólatra, onerando ainda mais a vida dos meus avós. A mãe casou-se novamente e tem uma filha de 20 anos, casada e com um filho ainda bebê. O pai também se casou de novo, mas não teve filhos com a nova esposa.

Fernanda teve um filho, aos 17 anos, mas optou por não casar com o pai da criança. Aos cuidados da avó, o filho também quase não via a mãe, uma vez que Fernanda trabalhava no Centro Acadêmico da faculdade, pela manhã, em um projeto da Prefeitura de Sorocaba, à tarde, e fazia faculdade de História, à noite. Reclama da omissão do pai em alguns momentos: Ele deu uma formação moral muito boa pro meu filho, mas, em alguns casos, ele podia colaborar bem mais do que ele colaborou, mas também nunca precisei, porque eu sempre fui independente, trabalhei.

Fernanda tem uma vida corrida, com dois cargos que comprometem a maior parte de seu dia. Durante as manhãs, trabalha na escola municipal. Sai de casa às 4h30 para iniciar as aulas às 7h. Após as aulas, por volta de 13h30, são mais duas horas de deslocamento para entrar direto nas aulas do Estado. No final da tarde, nas segundas, quartas e sextas, após o jantar e um banho rápido, entra novamente em sala de aula. Somente nas terças e quintas não tem aula à noite, mas, nesses momentos, costuma preparar aulas, corrigir provas e atividades ou navegar na Internet, verificar os e-mails, fazer telefonemas.

Os sábados e domingos são reservados para o filho, que vai pra casa todos os finais de semana. Geralmente, utiliza também os finais de tarde de domingo para preparar as aulas e corrigir atividades. Ultimamente, tem poucas tarefas domésticas, pois sua mãe faz todo o serviço de casa. Responsabiliza-se pelas compras e por algumas atividades nos finais de semana, quando sua mãe vai para Sorocaba visitar a irmã mais nova. Ela e o filho saem, de vez em quando, mas lazer é muito caro, né?. Gostam muito de ficar em casa, lendo, assistindo a filmes. Gosta de cozinhar para o filho e de fazer tudo o que agrada a ele.

No entanto, não pode abrir mão de nenhum dos cargos, uma vez que é arrimo de família. Além de pagar todas as contas de sua casa em Vargem Grande, ajuda nas despesas da irmã, que não trabalha fora e o marido, que é metalúrgico, ganha 600 reais por mês. Parte do salário deste está comprometida com o financiamento de um carro e o restante é para pagar as contas de água, luz e algumas compras. Não pagam aluguel, pois Fernanda deu a casa que tinha em Sorocaba para morarem. A mãe também se preocupa com a filha mais nova e faz de tudo para facilitar a vida dela. Ultimamente, gasta toda sua aposentadoria com prestações de um fogão e de uma máquina de lavar roupas.

Atualmente, Fernanda está solteira, mora com a mãe na escola estadual em Vargem Grande Paulista e recebe a visita de seu filho todos os finais de semana.

Pedro tem 32 anos e nasceu em São Paulo. Vem de uma família de seis filhos, quatro meninos e duas meninas, em uma época em que era difícil sustentar seis crianças. As dificuldades aumentaram quando o pai resolveu construir uma casa melhor. O pai, taxista, trabalhava como autônomo, mas depois passou a fazer parte de uma empresa privada para ter mais garantia. A mãe sempre foi dona de casa. Morou na casa dos pais até os 28 anos, quando se casou.

Ele e a esposa iniciaram o namoro ainda na adolescência. Em meio a alguns conflitos, o namoro de doze anos persistiu e resolveram se casar. Com pouco tempo de casados, sua esposa engravidou. O filho, hoje com três anos, não havia sido planejado para aquele momento, mas foi bem-vindo, garante. Sua esposa também tem 32 anos, é formada em Administração de Empresas pela FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo e, antes de se formar, conseguiu um emprego como monitora de atendimentos – controla a qualidade dos serviços de atendimento ao consumidor – na Votorantin, onde permanece até hoje.

É professor concursado de Ciências, na Prefeitura de São Paulo, e de Química, no Estado de São Paulo. No CEU, assumiu, neste ano, as aulas de informática para os/as alunos/as de 1ª a 8ª série. Como leciona para as duas fases do Ensino Fundamental, tem aulas pela manhã e à tarde. O trabalho com as crianças menores — principalmente com aquelas em fase de alfabetização — tem lhe causado certa dificuldade, mas garante que tem gostado bastante da experiência. No Estado, leciona Química para os/as alunos/as do Ensino Médio, à noite.

Mesmo não tendo períodos fechados, seu dia é quase todo comprometido com as aulas. Nos momentos em que não está na escola, precisa resolver as questões referentes à construção de sua casa e à reforma de uma casa do pai, uma vez que ele é o responsável pelas obras. Em razão da construção, estão morando na casa do sogro e da sogra. Às vezes, pequenos atritos acontecem porque uma vez que você morou na sua casa, você tá acostumado com as coisas do seu jeito.

O filho fica a seu cuidado na hora do almoço e no horário das aulas de natação. No tempo restante, fica com a avó paterna ou com a moça responsável pelo cuidado da casa. À noite, fica com a mãe, após a chegada desta do trabalho.

Atualmente, os finais de semana estão quase todos comprometidos com as obras. Além disso, neste ano, está com uma rotina atípica. Em 2006, trabalhava durante as manhãs e

as noites. As tardes eram reservadas para o cuidado com o filho (alimentação, higiene, sono, passeios, leituras, atividades), para a limpeza da casa e para as atividades escolares (planejamento de aulas, correção de atividades). Neste ano, tem poucos momentos de lazer. Gostaria de voltar a ir ao parque com o filho, ao cinema e à casa de parentes. Apesar das mudanças, quando está no trabalho, as preocupações com o filho não desaparecem.

Sua rotina mudou bastant e desde que começou a construção. A aprendizagem dos conhecimentos para essa nova tarefa foi mesmo no xeretismo:

Assim, eu já tinha reformado uma casa do meu pai. Aprendo um pouquinho e tal. Não sou de meter a mão na massa, mas fazer a coisa certa, eu sei se tá certo ou se tá errado. Eu pesquiso muito na Internet. Agora, eu tô na fase do esgoto. Então, eu pesquisei como que faz uma caixa de gordura, uma série de coisas [mostra os papéis com desenhos], o dimensionamento.

Quando não está na escola, está envolvido com essas obras em grande parte do tempo. Acredita que não é lazer, uma vez que é uma obrigação. Demanda tempo e seriedade: E tá em jogo dinheiro, um monte de coisas. A segurança também, de você fazer uma coisa boa, uma coisa segura. E que, depois de finalizado, você sinta orgulho daquilo que foi bem feito, da maneira correta.

Fátima tem 28 anos, nasceu em São Paulo e morou no mesmo terreno por 18 anos. Também veio de uma família com nível econômico baixo. O pai, que era taxista, estudou até a 8ª série e a mãe, dona de casa, estudou até a 4ª série. Irmã mais velha de dois meninos, brincou muito na infância:

Brinquei muito de boneca. Lá em casa, tinha um quintal muito grande. Então, eu brincava com meus irmãos. […]. Brinquei muito com a minha vizinha também. As nossas casas tinham acesso. Então, ela podia ir pra minha casa. Tinha uma tela e ela pulava a tela. Aí a gente brincava. […] Eu lembro que eu aprendi a jogar vôlei com o meu irmão, no quintal mesmo de casa.

No início, moravam em uma casa bem simples, mas o pai construiu uma casa maior e melhor no mesmo terreno. Morou na casa dos pais até se casar, em 2004. Seus pais ainda vivem na mesma casa.

Em 2002, durante um ano e meio, morou nos Estados Unidos. O marido, na época, seu namorado, já morava lá e trabalhava como cozinheiro em um restaurante e também como pintor:

Ele foi mesmo com o objetivo de trabalhar e fazer dinheiro. Ele estudou também lá, só que o objetivo dele era esse. O meu objetivo, quando eu fui pra lá, era conhecer um novo país, aprender a língua. Trabalhei também e

deu até pra juntar um dinheiro, mas não era o meu objetivo. Eu não fiquei me matando de trabalhar como o meu marido, que trabalhou muito lá. Inclusive, o que a gente conseguiu, a casa que a gente comprou foi com o dinheiro que ele conseguiu economizar lá.

Em 1999, havia ido visitar o marido. Como tinha acabado de entrar na USP, não queria ficar por muito tempo. Somente depois resolveu trancar a faculdade e ir morar por um período. Começaram a namorar em 1993, quando Fátima tinha 14 anos. Foi seu primeiro namorado. Só que assim, teve idas e vindas, a gente terminou, eu conheci outras pessoas, depois voltamos. Seu marido tem 32 anos e é taxista, como seu pai. Terminou o ensino médio e pretende continuar os estudos, mas pensam que ainda não é o momento. Casada há três anos, ainda não tem filhos, por opção, mas eu pretendo ter daqui a dois anos....

Hoje, sua rotina nos dias de semana resume-se a trabalhar de manhã na escola municipal e, à noite, na escola estadual. Durante as tardes, almoça, descansa um pouco, prepara aulas da semana, lê livros e jornal. Nas quintas e sextas, faz serviços de limpeza da casa. Nos finais de semana, fica sozinha durante as tardes de sábado, pois o marido trabalha. Aproveita o dia para preparar as atividades escolares da semana, lavar roupa ou resolver coisas na rua. Aos domingos, costuma passar roupa e ficar com o marido. Nas manhãs de sábado e domingo, saem para caminhar. Gostam de sair, ir ao cinema e, às vezes, ao teatro.

Marcelo tem 33 anos, nasceu em São Paulo e morou na mesma casa a vida inteira. Ao contrário dos/as colegas, Marcelo vivia com uma situação financeira diferente. O pai é de Ipaussu, interior do estado de São Paulo, e a mãe é de Areado, sul de Minas Gerais. Antes de se aposentarem, o pai era gerente de uma indústria gráfica e a mãe era professora e secretária de uma empresa multinacional. A mãe aposentou-se por invalidez, pois tem uma deficiência física e, por isso, acompanhava mais de perto a vida escolar dos filhos. Hoje, fazem trabalhos em escritórios de despachante.

Depois que o pai se aposentou, resolveram continuar trabalhando para manter o padrão de vida. Hoje, além dessas duas fontes de renda, ainda têm casas alugadas: Eles têm condições e não precisam da minha renda. E é essa uma das razões que possibilitam que Marcelo more com os pais, trabalhe menos e possa dedicar-se aos estudos.

Marcelo tem uma irmã de 38 anos, que é casada e tem uma filha. Assim como ele e a mãe, também é professora. Uma característica marcante de Marcelo é a organização. Acredita que essa característica seja sua mesmo, uma vez que nem a mãe e nem a irmã são tão organizadas assim:

É uma característica minha desde pequeno. Não sou organizado com as minhas coisas. Por exemplo, guarda-roupa não é organizado. É normal.

Mas pra trabalho, pra escrita, sempre fui bem organizado. Diário de classe. E não só no trabalho em escola. Fora, em outros setores. Por exemplo, eu trabalhei um tempo na Eletropaulo, no setor de fraude de energia. Na época em que eu trabalhava em empresa eu arrumei todo o setor, deixei tudo em ordem, porque quando eu cheguei lá era uma bagunça. É minha característica principal.

Hoje, trabalha pela manhã na escola municipal e, às tardes, duas ou três vezes na semana, presta serviços educacionais para um Portal na Internet. Escreve artigos, planos de aula e responde dúvidas de professores. No final da tarde, faz ginástica em um clube do qual é sócio. Quando está fazendo algum curso, como os dois de especialização já realizados, utiliza as noites para freqüentar a disciplinas e para fazer as leituras. Neste momento, está com as noites livres até que comecem as aulas do Mestrado em Educação na USP, no segundo semestre. Com relação a sua rotina, acredita que o que eu faço é o que todo mundo deveria fazer.