Fonte: Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto (2009)
A presença dessas casas atacadistas e a importância do comércio na cidade eram destaques não apenas nas reportagens dos jornais locais da cidade, mas também de cidades vizinhas, como Uberaba. Uma reportagem do Jornal Gazeta do Triângulo ilustra trechos que foram publicados no ano de 1938 no jornal Lavoura e Comércio, de Uberaba:
O comércio araguarino, invejavelmente, é intenso e importante. E é por isso mesmo que existem alli numerosas casas e armazéns, de organização perfeita, e que fornecem e atendem a centenas de commerciantes de várias cidades triangulinas e goyanas. E a antiga Ventania tornou-se hoje uma cidade conhecida por toda parte, graças a vultosas transações com os principaes mercados brasileiros (JORNAL GAZETA DO TRIÂNGULO, 31/07/1938, n. 74, p. 5).
31 Odilon Neves, 77 anos, jornalista profissional, vive na cidade há 77 anos. Entrevista realizada no dia
Nesse contexto, a importância das diversas casas atacadistas presentes na cidade não era observada apenas em nível local, uma vez que as transações comerciais que eram realizadas não se restringiam apenas às cidades triangulinas. Essa afirmação se justifica pelo fato de que, segundo pesquisas nos jornais locais e nas entrevistas, observamos que tanto a “Casa Patrícia” quanto a “Casa Aníbal” possuíam uma filial na capital paulista32.
Segundo nos relatou um entrevistado33, a presença da filial da “Casa Aníbal” na cidade de São Paulo era motivo de orgulho para os araguarinos. Em sua entrevista, ele contou que quando trabalhava na capital paulista era questionado pelos seus colegas sobre a cidade em que residia, se esta possuía características de “cidade pacata do interior”. Ele nos revelou que respondia mostrando a importância do comércio de Araguari, ao dizer que:
[...] até brincava com os meus colegas de rádio em São Paulo, a Rádio Record onde eu trabalhava. Eles me perguntavam: “Mineirinho, na sua terra índio anda nu na rua, joga flecha nos outros, assim?”. Então eu mostrava pra eles [...] Casa Aníbal, Pereira e Companhia, filial de Araguari, importação e exportação.
A partir de um álbum organizado pela Prefeitura Municipal de Araguari no ano de 1934, para ser apresentado na exposição de Uberaba, é possível destacar os principais estabelecimentos comerciais existentes na cidade à época, conforme pode ser observado no quadro 2.
O quadro 2 nos permite verificar a diversidade de produtos que eram comercializados nos estabelecimentos comerciais da cidade na década de 30. Tal diversidade foi expressa na fala de uma entrevistada34, que afirmou: [...] “eles eram grandes exportadores de tudo. E as lojas deles era como se fossem hoje grandes shoppings, [...], eram assim aquelas lojas que tinha de tudo”.
32 De acordo com o que encontramos no Jornal Gazeta do Triângulo (13/02/1954, n. 1024, p. 3), a filial da “Casa
Patrícia” tinha sua sede na Avenida São João, n. 1270, na cidade de São Paulo (SP).
A filial da “Casa Aníbal” localizava-se na Rua Miguel Carlos, n. 126, na cidade de São Paulo (JORNAL GAZETA DO TRIÂNGULO, 25/12/1954, n. 1060, p. 5).
33 Odilon Neves.
34 Gessy Carísio de Paula, 68 anos, escritora, vive na cidade há 68 anos. Entrevista realizada no dia 22/04/2009,
Estabelecimento
comercial Grupo comercial Produtos comercializados
Casa Aníbal Pereira & Companhia Comércio geral
Casa Brasil Kamil & Filhos Mantimentos, molhados,
fazendas1, vidros e quadros
Casa Chic Jovino Bittencourt Fazendas finas e modas
Casa Confiança Carlos Blikstein & Companhia Móveis
Casa Cruz Manoel Cruz Molhados e gêneros do país
Casa Econômica Augusto Costa Cereais por atacado
Casa Estrella Nader & Irmão Fazendas, chapéus e miudezas
Casa Glória Wady Daher Fazendas finas e modas
Casa Mascotti Michel Kalaf Fazendas e chapéus
Casa Minerva A. Porto & Companhia Comércio geral
Casa Nova João Berberian Fazendas, calçados e chapéus
Casa Patrícia Petrônio Accioly & Companhia Acessórios de automóvel e ferrragens
Casa Porto J. Porto & Companhia Comércio geral
Casa Primavera Nagib Elias Fazendas finas e modas
Casa Rocha José Rocha Comércio geral
Casa Serrador Póvoa & Irmão Mantimentos e molhados
Casa Verde Manoel Bento da Silva Comércio geral
Casa Vermelha Antônio Abdalla Fazendas, calçados e chapéus
Casa Violeta Anaximandro Alvarenga Comércio geral
Casa Zacharias Luiz Zacharias & Filho Especialidades em calçados Casas Pernambucanas2 Arthur Lundgren & Companhia
Ltda Fazendas
David & Companhia - Ferragens e artigos grossos em geral
Empório Celeste Jesus & Irmão Mantimentos e molhados
Nephtaly Vieira - Relojoaria, ourivesaria,
cristais e louça fina Orlando de Lúcia - Relojoaria, ourivesaria, cristais e louça fina
Quadro 2 - Araguari (MG): estabelecimentos comerciais da cidade (1934)
Notas do quadro: (1) A palavra “fazendas” era utilizada, à época, como sinônimo de panos e tecidos
(2) Atualmente, “Casas Pernambucanas” é o único estabelecimento comercial que ainda permanece na cidade de Araguari
Fonte: Adaptado de “Município de Araguari” (1934, p. 11-12) Org.: ARAÚJO, F. A. V. (2009)
Esses estabelecimentos ocupavam um importante papel nas transações comerciais que eram realizadas entre Araguari e diversas cidades goianas. A população dos núcleos urbanos do sul de Goiás dirigia-se a essa cidade com o objetivo de comercializar os gêneros alimentícios, que abasteciam o mercado consumidor araguarino e também eram exportados para o estado de São Paulo pela Mogiana, tais como toucinho, fumo, açúcar mascavo e rapadura.
Além disso, essa população comprava os produtos manufaturados que eram comercializados nesses estabelecimentos, tais como tecidos e ferragens. A reportagem do Jornal Gazeta do Triângulo sobre os bares do passado ressalta a importância dessas trocas comerciais para a dinamicidade econômica de Araguari:
Araguari. Década de 20/30. [...] Nesse período, que os anos distanciam cada vez mais, Araguari, burgozinho dinamizado, possuía um comércio que dava inveja às cidades vizinhas. Carros provenientes de Goiás, trazendo toucinho em fardos, fumo, açúcar mascavo, rapaduras e levando em contrapartida, para além limites, arame farpado, farinha de trigo, querosene, cebolas, cervejas em caixas. O intercâmbio e o volume de comércio com os goianos faziam o progresso da cidade [...] (GAZETA DO TRIÂNGULO, 15/03/1976, n. 4159, p. 1).
Essa reportagem destaca também a presença de hospedarias, ou seja, hotéis e pensões que eram utilizados não apenas pela população goiana, mas também por passageiros da ferrovia Mogiana e, posteriormente, pela Estrada de Ferro Goiás, que também desempenhou um importante papel na economia araguarina.
A importância da presença desses hotéis para o desenvolvimento comercial da cidade de Araguari foi ressaltada na fala de um entrevistado, que afirmou:
[...] embora Araguari ainda devesse ser uma cidade pequena, uma população ainda não muito ampla, mas o movimento de pessoas de fora, de mercadorias de fora que passava por aqui era muito grande. Então, o comércio de Araguari se desenvolveu extremamente, até hoje há resquícios desse desenvolvimento. Você é nova, eu de certa forma, me lembro de alguns aspectos. No alto da Esplanada ali das estações, onde hoje é a Prefeitura, e onde a Mogiana existia, só de hotéis, tinha nove ou dez hotéis naquela região.35
Os principais hotéis e pensões da cidade de Araguari na década de 1930, com a respectiva localização, são apresentados no quadro 3.
35
Natal Nader, 71 anos, advogado e professor universitário, vive na cidade há 71 anos. É membro de uma família considerada “tradicional” na cidade de Araguari. Entrevista realizada no dia 30/07/2009, em sua residência.
Hotéis e pensões Localização
Hotel Apparecida Avenida São Paulo
Hotel Avenida1 Praça da Constituição
Hotel Brasil Rua Lindolpho Rodrigues Cunha
Hotel Carneiro Rua Rui Barbosa
Hotel Central Praça da Matriz
Hotel Modelo Rua Afonso Pena
Pensão Aurora Rua Estrella do Sul
Pensão Goyana Avenida São Paulo
Pensão Guarany Rua da Estação
Pensão Japoneza Rua da Estação
Pensão Mineira Rua da Estação
Pensão Mogyana Rua da Estação
Pensão Romano Avenida São Paulo
Pensão Santa Therezinha Praça João Pessoa
Quadro 3 - Araguari (MG): hotéis e pensões da cidade (1934)
Fonte: Adaptado de “Município de Araguari” (1934, p. 8) Org.: ARAÚJO, F. A. V. (2009)
Dentre os hotéis e pensões listados no quadro 3, o Hotel Avenida é o único que ainda permanece na cidade de Araguari. Após ter recebido a denominação de Hotel Araguari, atualmente é chamado de Hotel Havaí (foto 25) e mantém sua funcionalidade frente à dinâmica urbana de Araguari.