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Araguari (MG): imóvel que abrigava as dependências da Pensão Minas-Goiás

Autora: ARAÚJO, F. A. V. (2009)

A importância da forma está condicionada ao valor social que a sociedade lhe atribui e tal valor está relacionado à estrutura social existente em cada período. Há que se considerar que a recriação das formas não acompanha a mesma velocidade e intensidade das mudanças estruturais e, por isso, as formas do passado permanecem, mesmo que novas funções lhe sejam atribuídas pela sociedade. A forma é, assim, um fator social e:

[...] uma vez criada e usada na execução da função que lhe foi designada, a forma freqüentemente permanece aguardando o próximo movimento dinâmico da sociedade, quando terá a probabilidade de ser chamada a cumprir uma nova função. A cada mudança, fruto das novas determinações de parte da sociedade, não se pode voltar atrás pela destruição imediata e completa das formas da determinação precedente. Tal destruição não é só por vezes indesejável e dispendiosa, como ainda é de fato impossível (SANTOS, 1985, p. 55).

O funcionamento dos estabelecimentos comerciais da cidade só foi possível devido à infraestrutura presente. É importante destacar que, em 1910, houve a inauguração da energia elétrica em Araguari, que era um acontecimento muito esperado pela população da cidade. Conforme nos aponta Mameri (1988, p. 70):

O agente executivo municipal, Olímpio Ferreira dos Santos marcou a inauguração popular para o dia 15 de novembro, contando com o apoio de líderes da cidade, destacando-se a presença do Coronel Marciano Santos. Publicou edital, pedindo aos moradores que embelezassem as casas, em virtude de visita de autoridades de cidades vizinhas, como Uberaba, Uberabinha e Estrela do Sul.

Segundo reportagem do Jornal O Sport (06/11/1910, n. 23, p. 1), a inauguração foi comemorada com grande entusiasmo pela população, que assistiu à festa comandada por uma banda musical da cidade de Uberaba. A energia elétrica representava um importante marco no contexto das cidades, visto que sua conquista pela população de determinado núcleo urbano era interpretada como um importante passo para o progresso e para a dinamização urbana, em virtude dos benefícios que trazia não apenas às residências, mas também aos setores comercial e industrial. Em Araguari, esse fenômeno não fugiu à regra, pois:

O acontecimento veio fortalecer os passos de Araguari na caminhada para o progresso. Era acontecimento decisivo, que contribuiu para ocasionar mais dinamismo e robustecer a mentalidade dos habitantes. É como se Araguari saísse da escuridão das sombras para entrar na catedral encantada de novo tempo, que a eletricidade é capaz de proporcionar e que o entusiasmo dos habitantes robustece e incentiva (MAMERI, 1988, p. 72).

A empresa de fornecimento de energia elétrica na cidade era “Empresa Força e Luz de Araguari”, uma filial da Companhia Prada de Eletricidade. Essa companhia constituía-se em uma concessionária formada por capitais privados paulistas e prestava os serviços de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica a Araguari e também a Uberlândia. A contribuição que tais serviços representaram à utilização de máquinas de beneficiamento de cereais e ao processo de industrialização (ainda incipiente) em ambas as cidades é inegável. Todavia, o aumento da demanda a partir da década de 1950 exigia a tomada de novas providências. Mesmo frente a essa demanda, foi somente na década de 1970 que a CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais) encampou a Companhia Prada e passou a atuar na região do Triângulo Mineiro.

A inauguração da telefonia em Araguari também ocorreu no ano de 1910 e foi o Padre Joaquim Augusto de Sousa Amorim, vigário na cidade no período de 1906 a 1912, quem deu o passo definitivo que possibilitou o alcance dessa importante conquista. De acordo com Mameri (1988), esse padre destacava-se pelo seu empreendedorismo e determinação e, assim, planejou a realização de diversas iniciativas, dentre as quais se destaca a telefonia. Juntamente com Lásaro Ferreira, o pároco Joaquim remeteu um ofício à Câmara Municipal apresentando a proposta de criação da “Empresa Telephonica” e solicitando que a rede telefônica fosse estendida aos pontos convenientes do município.

No dia 10 de março de 1910, a solicitação recebeu parecer favorável da Comissão de Negócios e Justiça da Câmara Municipal e, por intermédio da Lei 145, de 15 de abril de 1910, deu-se a autorização para a assinatura de contrato com os requerentes. Esse documento

concedia aos concessionários a garantia de propriedade e exploração do serviço telefônico no município no prazo de 25 anos. Ao final desse período, todo o material existente da empresa seria revertido em benefício da municipalidade, sem a geração de nenhum ônus para a Câmara. No dia 31 de julho de 1910, ocorreu a inauguração oficial da rede telefônica em Araguari e a empresa fundada recebeu a denominação de “Companhia Telefônica Nossa Senhora Aparecida”.

Conforme nos aponta Mameri (1988, p. 74), os aparelhos telefônicos eram “tocados a magneto. Através de fios seguros em postes, comunicava-se com o centro onde a funcionária efetuava a ligação com o destinatário”. A princípio, a atuação das linhas de telefone restringia-se à área urbana do município, todavia, com a evolução dos planos da companhia, houve extensão das linhas ao distrito de Piracaíba (pertencente ao município de Araguari), a São Pedro de Uberabinha (atual município de Uberlândia), a Chapetuba, Tupaciguara, Ituiutaba e Santa Rita do Paranaíba (atual município de Itumbiara, no estado de Goiás).

A “Companhia Telefônica Nossa Senhora Aparecida” teve vários proprietários e quando foi comprada por Abílio Ferreira, houve a ampliação dos serviços telefônicos no município de Araguari. O número de linhas instaladas triplicou, passando do número de 100 para 300 linhas, e a rede telefônica foi estendida ao distrito de Amanhece e à localidade rural de Porto dos Barreiros.

No dia 17 de abril de 1952, foi fundada a CTA (Companhia Telefônica Araguarina) e três anos após essa fundação, a cidade contou com a conquista de telefones automáticos. Com o Programa de Estatização dos Meios de Comunicação, em novembro de 1983, a Companhia Telefônica Araguarina foi encampada pelo estado de Minas Gerais e passou a denominar-se TELEMIG (Telecomunicações de Minas Gerais). É importante destacar que, em 1998, houve a privatização da TELEMIG, sendo adquirida pelo consórcio TELEMAR (Telemar Norte Leste S.A.). Em 2007, a empresa TELEMAR passou a se denomimar Oi, atual companhia telefônica que presta os serviços telefônicos à cidade de Araguari.

Considera-se que, a despeito da importância da conquista da energia elétrica e da telefonia para Araguari, esses acontecimentos não podem ser analisados de forma isolada. Reconhece-se, desse modo, a necessidade da análise da evolução urbana da cidade em comparação com outras cidades da região. Destarte, na década de 1920, a cidade já se despontava no cenário regional com sua infraestrutura e equipamentos urbanos frente às demais cidades do Triângulo Mineiro, como pode ser observado na tabela 3.

Tabela 3 - Triângulo Mineiro (MG): infraestrutura urbana das principais cidades (1920)

Município iluminação Focos de pública

Casas iluminadas Aparelhos

telefônicos Araguari 450 870 540 Araxá 370 371 168 Conquista 200 108 35 Estrela do Sul - - - Frutal 375 795 255 Ituiutaba 300 160 1 Monte Alegre - - 24 Monte Carmelo 200 120 - Patrocínio 282 150 39 Prata - - 73 Sacramento 295 285 45 Tupaciguara - - 13 Uberaba 440 1.830 473 Uberlândia 202 189 90 Total 2912 4878 1346 Nota da tabela: (- ) Dados não encontrados

Fonte: Adaptado de BRANDÃO (1989, p. 100) Org.: ARAÚJO, F. A. V. (2009)

A análise da tabela 3 possibilita entender a importância de Araguari pela sua infraestrutura urbana. Em relação aos focos de iluminação pública, a cidade detinha 15,45% do total existente entre todas as que foram analisadas. A cidade de Uberaba, que também passava por um significativo incremento urbano à época, possuía 15,10% do total analisado (2.912 focos).

No que se refere à existência de casas iluminadas, a cidade de Araguari era superada por Uberaba, que detinha 37,50% do total das cidades analisadas. Em Araguari, havia 870 casas iluminadas, o que corresponde a 17,83% do total analisado (4.878 casas).

Os aparelhos telefônicos eram em número de 540 na cidade de Araguari, equivalente a 40,12% do total existente em todas as cidades analisadas. A cidade de Uberaba possuía 473 aparelhos, representando 35,15% do total (1.346 aparelhos).

Araguari também assumiu uma função centralizadora em relação ao beneficiamento de arroz que era produzido na região, conforme nos aponta Brandão (1989). Em 1930, a cidade contava com sete máquinas que beneficiava esse produto. Havia ainda três máquinas de

beneficiar algodão, um curtume, uma beneficiadora de cal, uma fundição e uma charqueada. Em nossa pesquisa nos jornais locais, verificamos que a charqueada a qual o autor se refere trata-se da Charqueada Progresso, que foi implantada no ano de 1918 e, posteriormente, foi denominada Charqueada Hilda, que funcionou durante mais de três décadas na cidade. Destaca-se a importância da industrialização do charque em Araguari, pois:

[...] representou um fator de progresso para a cidade e um elo de integração das pastagens triangulinas e sul-goianas com os grandes mercados consumidores de carne, localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo. A introdução de maquinaria especializada, ao lado da construção de amplas instalações industriais, possibilitou o abate sistemático das reses e o tratamento higiênico de fardos de charque e couros curtidos para exportação (GAZETA DO TRIÂNGULO, 23/03/1980, n. 4658, p. 1).

A importância dessa charqueada não se restringia apenas ao cenário local, visto que, na mesma reportagem, é ressaltado que: “Em época particularmente difícil, durante a Segunda Guerra Mundial, a Charqueada Hilda participou do abastecimento de setores de vital importância para a segurança nacional e, até mesmo, do Exército Brasileiro” (GAZETA DO TRIÂNGULO, 23/03/1980, n. 4658, p. 4).

Em consonância com a dinamicidade comercial araguarina, no ano de 1934, surgiram entre os principais comerciantes de Araguari as primeiras ideias de se criar uma associação comercial na cidade. Conforme nos aponta Machado (1995), a iniciativa partiu de Gerson Costa e de Joaquim Alves Pereira, mais conhecido como Joaquim Aníbal, proprietário da “Casa Aníbal”. Esse último liderou o movimento de luta pela conquista dessa associação e remeteu uma correspondência a Associação Comercial de Minas Gerais da capital mineira, com a solicitação de procedimentos que deveriam ser adotados para que a ideia pudesse se efetivar de fato. Nesse sentido, é importante considerar as condições dos setores comercial e industrial da cidade, que:

[...] apesar de precários eram dinâmicos. Possuíamos mais de uma dezena de máquinas de beneficiamento de arroz, nosso principal produto de exportação, que era enviado via férrea para São Paulo, juntamente com o feijão roxinho de excelente qualidade, também aqui produzido. Três casas de ferragens e materiais de construção em geral, dois ou três atacadistas de secos e molhados em grande porte, mais ou menos uns trezentos ou quatrocentos estabelecimentos comerciais entre grandes e pequenos. Duas fábricas de manteiga, duas charqueadas, um curtume [...]. A gasolina era vendida em caixas de duas latas ou em bombas manuais por uns poucos comerciantes credenciados (MACHADO, 1995, p. 7).

A fundação da ACIA (Associação Comercial e Industrial de Araguari) ocorreu no dia 19 de maio de 1935 e a preocupação maior de seus dirigentes estava relacionada à abertura de estradas, pois as existentes eram em número reduzido e resultavam de iniciativas particulares,

havendo a cobrança de pedágios pelos investidores da construção. A importância da abertura de estradas para a cidade de Araguari pode ser justificada na medida em que:

Estradas abertas trazem negócios, lucros, movimento e circulação de mercadorias. Araguari precisava expandir, comunicar com os vizinhos de Monte Carmelo, de Patrocínio, de Corumbaíba, de Goiânia, a capital nascente que despontava acenando trabalho, riquezas, progresso (MACHADO, 1995, p. 7).

Frente à necessidade de abertura de estradas e de investimentos urbanísticos que pudessem trazer melhorias para a cidade e o município de Araguari como um todo, a Associação Comercial incentivou a organização de uma companhia, constituída com capital privado. Essa foi denominada de Companhia Melhoramentos de Araguary e tratava-se de [...] “um tentame em que os promoventes pretendem, concretizando as suas atividades em obras de notória utilidade pública, crear, sobretudo, incentivos poderosos ao progresso econômico e cultural da cidade, município e zonas próximas” (O TRIÂNGULO, 17/02/1935, n. 272, p. 1).

A organização da Companhia Melhoramentos de Araguary coaduna com o intenso dinamismo econômico o qual a cidade de Araguari vivenciou na década de 1930. Pode-se considerar que esse dinamismo perdurou durante a década seguinte. Todavia, na década de 1950, a economia da cidade ingressou em um processo de estagnação e ruptura, conforme será abordado mais à frente.

Nesse contexto, essa Companhia foi de substancial importância para a economia da cidade, visto que representou a abertura de novas rotas que possibilitaram o estabelecimento de relações comerciais com outros núcleos urbanos goianos, como Corumbaíba, Caldas Novas, dentre outros.

De acordo com a reportagem do Jornal O TRIÂNGULO (18/07/1935. n. 20, p. 1), a Companhia construiu uma ponte interestadual sobre o Rio Paranaíba, que faz a divisa entre os estados de Minas Gerais e Goiás, ligando Araguari ao município de Corumbaíba. Inicialmente, essa ponte foi denominada Benedito Valadares, sendo popularmente conhecida como Ponte do Veloso. Atualmente, ela recebe a denominação de Ponte Quinca Mariano.

A construção da ponte, que representou um alto investimento à época, no valor de um mil e oitocentos contos de réis, viabilizou o contato que não era possibilitado via transporte ferroviário com outras cidades goianas as quais não eram servidas pela Estrada de Ferro Goiás. De acordo com a reportagem, a importância dessa ponte para Araguari é justificada pelo fato de que representava a abertura de grandes possibilidades, uma vez que a colocava em contato com diversos centros comerciais do estado de Goiás. O texto da reportagem corrobora essa afirmação, pois considerava-se que, com a conclusão da construção da ponte,

haveria [...] “para o commercio local, motivos de júbilo e fundadas razões de contentamento. É que se abre para a nossa cidade uma zona de grandes possibilidades e nos põe em contacto com diversos centros commerciaes do Estado de Goyaz” (O TRIÂNGULO, 18/07/1935. n. 20, p. 1)

Como reflexo e, ao mesmo tempo, condicionante do progresso da cidade, foram implantados equipamentos urbanos ligados aos setores de saúde e educação. No ano de 1918, por exemplo, foi fundado o centro médico Santa Casa de Misericórdia (foto 28).

Foto 28 - Araguari (MG): Santa Casa de Misericórdia (2009)

Autora: ARAÚJO, F. A. V. (2009)

Esse hospital encontra-se em atividade até os dias de hoje, tendo a maior parte de seus serviços ligados ao SUS (Sistema Único de Saúde). Os pacientes atendidos no Pronto Socorro Municipal de Araguari são encaminhados para esse hospital, conforme será abordado no capítulo 3, no qual discutiremos sobre os fluxos de saúde na cidade.

Na primeira metade do século XX, dois outros estabelecimentos de saúde foram implantados em Araguari: a Casa de Saúde Santa Marta, no ano de 1921; e a Casa de Saúde São Sebastião - posteriormente denominado Hospital São Sebastião -, no ano de 1926 (foto 29).

Foto 29 - Araguari (MG): Hospital São Sebastião (1960)

Fonte: Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto (2009)

Em 1919, foi fundada a Escola Normal e Técnica de Comércio Sagrado Coração de Jesus, que pertencia à Congregação do Sagrado Coração de Maria, de Berlaer (Bélgica), e era dirigida por oito irmãs pertencentes a essa congregação. A liderança desse colégio, também conhecido como “Colégio das Freiras”, era responsabilidade de Madre Maria Blandina. Os cursos oferecidos eram restritos ao gênero feminino e consistiam em: Bordados, Contabilidade, Datilografia, Primário, Ginasial, Normal, Música e Pintura36 (fotos 30 e 31).