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ARGUMENTAR PARA APRENDER E APRENDER A ARGUMENTAR: VISÕES DA PSICOLOGIA

CAPÍTULO 2: REVISÃO DA LITERATURA 2.1 UMA VISÃO DE CIÊNCIA BASEADA EM MODELOS

2.5. ARGUMENTAR PARA APRENDER E APRENDER A ARGUMENTAR: VISÕES DA PSICOLOGIA

Existem duas vertentes relacionadas à argumentação e aprendizagem: aprender a

argumentar e argumentar para aprender (Schwarz, 2009). Aprender a argumentar é um

campo de pesquisas da argumentação que se preocupa em estudar como as pessoas melhoram a qualidade de seus argumentos. O foco das pesquisas é investigar a aquisição de habilidades de argumentação. Argumentar para aprender se refere ao uso da argumentação e dos argumentos para proporcionar entendimento, esclarecimento de dúvidas, decisões, resoluções de conflitos e ampliar conhecimento. Schwarz (2009) afirma que essas vertentes são interdependentes. Para o autor, numa situação de sala de aula, elas estão relacionadas e a distinção entre elas só faz sentido para fins de pesquisa.

O trabalho de Kuhn (1991) é um marco nos estudos sobre aprender a argumentar e influenciou as pesquisas em Ensino de Ciências (Chin & Osborne, 2010; Osborne, Erduran, & Simon, 2004a; Zohar & Nemet, 2002). No li o The Skills of Argument , a auto a elata a condução de um estudo com 160 pessoas de diferentes idades (adolescentes, adultos nas faixas de 20 anos, 40 anos e 60 anos) e graus de escolaridade (educação básica ou ensino universitário) a respeito de problemas sociais urbanos: o que leva o retorno ao crime, o que causa o fracasso escolar, e quais as causas do desemprego. Nas entrevistas realizadas por Kuhn, as questões solicitavam dos sujeitos a explicitação das causas do problema social e o fornecimento de evidências que comprovassem a causa suposta. A seguir, os sujeitos foram convidados a gerar uma teoria diferente da inicial. Eles foram solicitados a pensar numa forma de falsificar a própria teoria e apresentar evidências que falsificassem o ponto de vista de outra pessoa. Os sujeitos também foram solicitados a analisar evidências e a relação delas com as teorias pessoais apresentadas inicialmente.

A partir dos dados obtidos nas entrevistas, Kuhn analisou as seguintes habilidades24

argumentativas:

24 Aqui citamos as habilidades investigadas pela autora, apesar de ela não expor claramente no livro o que pensa ser uma habilidade.

 Formular argumento: nos termos da autora, gerar teoria causal subsidiada por evidências genuínas. Não há uma única forma de responder aos problemas propostos por Kuhn, devido à complexidade dos mesmos. Por esse motivo, a evidência genuína seria aquela não conclusiva, distinguível da teoria causal e coerente com ela. Ela a distingue de pseudoevidência, que pode ser entendida como relato de cenário em que o evento ocorre.

 Formular teoria alternativa: propor um ponto de vista diferente do inicial, subsidiado por alguma evidência genuína.

 Formular contra-argumento: pensar num argumento que inclua uma evidência genuína que invalide a teoria causal inicial.

 Refutar: para Kuhn essa é a habilidade mais complexa e pode ocorrer de três formas. A primeira delas é mais simples: ocorre quando o sujeito apenas combate a teoria alternativa. Nas formas mais complexas, o sujeito combate a teoria alternativa e mostra porque sua teoria causal inicial é mais válida, ou o sujeito combate o contra-argumento gerado por ele e mostra porque sua teoria causal é mais válida. Essas duas formas são chamadas de integradoras, pelo fato de o sujeito ter que retomar linhas prévias de raciocínio (o que justifica a maior complexidade).  Analisar evidências: examinar se determinadas teorias são válidas a partir da análise

de evidências ou pseudoevidências.

A partir da análise, Kuhn constatou: (i) grande dificuldade dos sujeitos em gerar evidências para dar suporte a suas teorias (apenas 16% geraram evidências genuínas para os três tópicos); (ii) que apenas 33% dos sujeitos foram capazes de propor teoria alternativa e contra-argumento para os três tópicos e (iii) que apenas 21 a 32% (variação entre os tópicos) dos entrevistados conseguiram propor refutações integradoras. Adolescentes tiveram melhor performance em comparação a pessoas com menor nível educacional de outras idades. Entretanto, aqueles mais velhos, mas com maior escolaridade, se sobressaíram. De forma geral, ela percebeu que as pessoas com maior nível educacional foram aquelas que tiveram melhor desempenho. Ela não constatou diferença de desempenho com relação ao fator sexo, mas percebeu relações entre a visão epistemológica do sujeito e a capacidade de argumentar. Para Kuhn, apenas se o conhecimento é visto como produto de um contínuo processo de julgamento, exame, comparação e avaliação de explicações que competem entre si é que o argumento se torna um fundamento para o raciocínio. Para ela, os sujeitos que acreditam no conhecimento como sendo absoluto não estão aptos a argumentar, ou, se

percebem o conhecimento como crenças subjetivas livres, apresentam pequena razão ou valor para argumentar.

Kuhn percebeu certa independência entre conhecimento e argumentação, isto é, em vários casos, pessoas que conseguiram, por exemplo, contra-argumentar, o fizeram para todos os tópicos. Ao analisar as entrevistas de especialistas em cada um dos assuntos discutidos (por exemplo, um professor ao discutir sobre causas do fracasso escolar), ela não observou melhor desempenho deles. Mas, ao analisar a entrevista de um filósofo, ela percebeu que ele raciocinou igualmente bem em todos os tópicos. Entretanto, a dicotomia

conhecimento X qualidade do argumento (isto é, se as habilidades são independentes do

conhecimento do tópico discutido) é um tema polêmico na literatura (mais detalhes sobre essa dicotomia são apresentados na discussão sobre a argumentação no Ensino de Ciências, seção 2.6).

De forma geral, as pesquisas sobre argumentação no campo da psicologia, no que tange a aprender a argumentar, trazem como recomendações para a educação a necessidade de se pensar em contextos de instrução específicos e intensivos para o desenvolvimento de habilidades argumentativas, visto que a propensão para o desenvolvimento delas ocorre desde cedo e que as pessoas trazem padrões de raciocínio argumentativo para a escola, mas que é necessário aprofundá-los. Schwarz (2009) afirma que instruções que visam o desenvolvimento do pensamento crítico do indivíduo devem enfatizar o desenvolvimento das habilidades argumentativas, uma vez que essa é a forma primordial de raciocínio humano (Billig, 1987; Voss & van Dyke, 2001).

Com relação à vertente argumentar para aprender, as pesquisas se focam nos ganhos cognitivos da argumentação individual e social. No primeiro caso, a ponderação das perspectivas alternativas na mente do indivíduo pode levar a uma melhor aprendizagem. No segundo caso, os participantes são forçados a adquirir novas informações sobre o tópico em discussão, pois são expostos a uma multiplicidade de ideias e encorajados a explorá-las com o intuito de verificar a validade de cada uma. Isso significa que eles são obrigados a considerar as objeções às suas teorias pessoais, entender posições alternativas e formular objeções. Para Kuhn (1991), ambas formas de argumentação podem acarretar em ganhos em termos de aprendizagem, pois ao refutar o indivíduo pode compreender melhor um conceito por entender porque o outro não é satisfatório.

Quando se estuda a aprendizagem individual a partir de processos de produção de conhecimento social por meio de argumentação, torna-se necessário recorrer à ideia de Vygotsky sobre internalização das interações sociais (Schwarz, 2009). A aprendizagem é, geralmente, evidenciada a partir da produção de textos escritos (por exemplo, Garcia & Valeiras, 2010; Kelly, Regev, & Prothero, 2008; Kelly & Takao, 2002; Márquez Bargalló & Prat, 2010), no qual parece ser mais fácil examinar a mudança de ponto de vista ou atitude, os componentes do argumento e o nível argumentativo do texto. Quando o foco é a aprendizagem social por meio da argumentação, geralmente estuda-se a resolução colaborativa de problemas (por exemplo, Chin & Osborne, 2010; Kelly, Druker, & Chen, 1998; Tavares, Jiménez-Aleixandre, & Mortimer, 2010). Nesse caso, subentende-se a argumentação como parte de um todo: o convite do professor para o engajamento do estudante, a análise dos pontos de vista dos colegas, a negociação de significados etc. Para Schwarz (2009), analisar apenas o produto final de uma instrução visando aprendizagem via argumentação é algo problemático. Para o autor, é necessário analisar também o processo para compreender os resultados finais.

As pesquisas sobre argumentar para aprender têm contribuído para a educação a partir de recomendações sobre como estruturar estratégias de ensino que visem uma aprendizagem significativa a partir da argumentação. De forma geral, as recomendações se relacionam a propiciar ao estudante a resolução de problemas autênticos; levantar alternativas divergentes para a resolução de problemas; promover práticas epistêmicas; organizar o trabalho em grupos colaborativos de forma a favorecer a co-construção do conhecimento; proporcionar reflexões metacognitivas e metaconceituais (Garcia-Mila & Andersen, 2008).