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CAPÍTULO 5: ANÁLISE DE DADOS 5.1 ESTUDO DE CASO PARA O ENSINO DE LIGAÇÕES IÔNICAS

5.4. COMPARAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS

Na estratégia para o ensino de ligações iônicas (4 atividades) foram expressos 14 argumentos, sendo seis de nível 1 (1 analógico e 5 causais), dois de nível 2, três de nível 3 (2 causais e 1 causal-analógico) e três de nível 4. O grupo 2 expressou nove argumentos e o grupo 4 cinco. Apesar de o grupo 2 ter expressado mais argumentos, os grupos 2 e 4 tiveram participação similar (distinta apenas na Atividade 7). No grupo 2 foram elaborados mais argumentos de menor qualidade ao longo do processo e de melhor qualidade no final das discussões, enquanto no grupo 4 não houve uma regularidade quanto à produção de argumentos, com uma tendência à elaboração de argumentos de melhor qualidade ao final das discussões.

Na estratégia para o ensino de interações intermoleculares (4 atividades) foram expressos quatorze argumentos, sendo seis de nível 1 (5 causais e 1 analógico), cinco de

nível 3 e três de nível 4. O grupo 2 expressou dez argumentos e o grupo 4 expressou quatro argumentos. Acreditamos que isto aconteceu em função de os grupos terem tido posicionamento diferente nas Atividades 1 e 3 com relação ao comprometimento com aspectos centrais da modelagem. Além disso, o grupo 2 produziu um maior número de argumentos ao longo da Atividade 2, sendo que os mesmos foram de menor qualidade ao longo da Atividade.

Ao analisar os estudos de casos para cada uma das estratégias60, constatamos o seguinte padrão: quatorze argumentos em cada uma, totalizando vinte e oito argumentos em 8 atividades, sendo doze (42,9%) de nível 1, dois (7,1%) de nível 2, oito (28,6%) de nível 3 e seis (21,4%) de nível 4.

Considerando esses dados, concluímos que a modelagem favoreceu a produção de

argumentos nas duas estratégias e que houve um padrão de qualidade dos argumentos relativamente similar. Muito provavelmente, isto foi uma consequência do fato de as duas

estratégias de ensino terem sido fundamentadas no mesmo referencial teórico (Justi & Gilbert, 2002) e de apresentarem estrutura similar, isto é, envolveram a produção de modelos seguidos por dois testes com dados que se relacionaram a aspectos envolvendo energia. Além disso, as duas estratégias de ensino foram aplicadas de forma similar pela professora. Por exemplo, em ambas houve maior ênfase no primeiro teste a ser realizado, quando as discordâncias quanto aos modelos eram bem mais frequentes. Acreditamos que isto contribuiu para reduzir a demanda por argumentos no segundo teste (vide comportamento do grupo 2 na Atividade 7 de ligações iônicas e do grupo 4 na Atividade 3 de interações intermoleculares). Ademais, a forma como os estudantes discutiram foi similar, por exemplo, utilizando argumentos de menor qualidade nas etapas de produção e expressão de modelos (provavelmente devido à pouca divergência de opiniões iniciais no grupo) e de maior qualidade nas etapas de teste e verificação das abrangências e limitações do modelo. Esses dados nos permitem afirmar que as diferentes etapas da modelagem favorecem a emergência de argumentos de diferentes níveis, pois nas etapas finais eles são de melhor qualidade. Considerando minhas experiências prévias de utilização do ensino fundamentado em modelagem no ensino médio, tenho evidências de que, na etapa de produção de modelos, os argumentos também poderiam ser de melhor qualidade em

60 Reafirmamos que essa constatação se deu única e exclusivamente após a análise de cada uma das análises dos estudos de caso. Em outras palavras, inicialmente foram escritos os estudos de caso e a análise dos estudos de caso, sem preocupação com quaisquer padrões ou tendências.

função do favorecimento da discussão no grupo. Acreditamos que isto não aconteceu nesta turma pela ausência de conhecimentos prévios que possibilitassem a elaboração de mais modelos diferentes dentro dos grupos e, principalmente, pelo fato de os alunos não estarem acostumados a trabalhar apresentando e defendendo suas próprias ideias, ou seja, a modelagem era um tipo de atividade que não fazia parte da cultura escolar daqueles alunos.

Por outro lado, julgamos que a aplicação da estratégia de ensino de ligações iônicas tenha influenciado no raciocínio dos estudantes na estratégia de interações intermoleculares. Por exemplo, quando os grupos não tinham um conhecimento específico de ligações covalentes para argumentar, como evidenciado pela Atividade 1 (uso dos dados de temperatura de fusão em comparação a chama da lamparina pelo grupo 2) e Atividade 2

(raciocínios do grupo 2 com base na ligação iônica ao propor MI.I.1G2 e refutá-lo e do grupo

4 ao propor a ideia de rede para o grafite), os alunos lidaram com os dados e usaram conhecimentos sobre ligação iônica em analogia às interações intermoleculares. Destacamos que tal influência não foi observada na maneira como o grupo discutia, pois verificamos que na estratégia de interações intermoleculares também não foi frequente a discordância de ideias no grupo nas etapas de elaboração e expressão, e que as refutações foram mais frequentes por parte da professora e da pesquisadora.

Como comentado nos parágrafos anteriores, percebemos que em ambas estratégias houve raros momentos em que aconteceu refutação no próprio grupo devido às discordâncias entre os componentes, o que favoreceu a elaboração mais rápida de modelos consensuais do grupo. Julgamos que isso pode ter sido consequência da união de esforços do grupo na produção de um modelo e de argumentos associados a ele, visto que não percebemos um líder nos grupos que impunha suas ideias aos demais, e também do não costume deles em expor suas ideias e defendê-las. Assim, a falta de discordância nos grupos não implicou em perda da qualidade dos argumentos em função de como a modelagem foi estruturada (favorecendo a avaliação de modelos a partir dos dados e no momento das socializações) e do papel da professora e da pesquisadora na condição das atividades de modelagem (como comentado a seguir). Por outro lado, pensamos que se abordagens de ensino que favoreçam a argumentação, tais como a utilização de atividades de modelagem, forem utilizadas de forma intensiva no ensino, pode ser possível observar mais frequentemente a ocorrência de posições opostas fundamentas e refutações aos modelos dos colegas de forma espontânea. Tal suposição se baseia em minha experiência prévia como professora, quando apliquei várias estratégias de ensino fundamentadas em

modelagem em uma mesma sala de aula. Ela também é coerente com o fato de a refutação espontânea integradora ser uma das habilidades mais complexas, como afirma Kuhn (1991). Portanto, ela requer contextos intensivos para seu desenvolvimento.

As refutações dos alunos a um modelo foram mediadas pela professora e/ou pela pesquisadora, o que consideramos coerente com os objetivos escolares, e das atividades de modelagem, de conduzir o pensamento para o modelo curricular. Assim, destacamos o papel de antagonista assumido por ambas com esse intuito. Quando a professora e/ou a pesquisadora tinham o objetivo de favorecer a convergência do pensamento dos alunos para um determinado modelo (mais coerente com o curricular), elas agiram também como

antagonistas na discussão. Em todos os casos, as atitudes delas foram diferentes das

atitudes de professores no ensino tradicional, pois não houve imposição de modelos (elaborados por quaisquer dos grupos, ou mesmo o modelo consensual da turma) sem avaliação do poder explicativo deles frente a dados (Jiménez-Aleixandre, 2010).

É importante também destacar a boa conduta das discussões por parte da professora e/ou da pesquisadora durante a socialização dos modelos nas Atividades 6 (ligações iônicas) e 2 (interações intermoleculares). Nessas ocasiões, elas criaram oportunidades de defesa e refutação de argumentos distintos, situações que conduziram ao ressurgimento de argumentos expressos anteriormente e à produção de novos. Isto nos levou a perceber compreensões adequadas dos grupos 2 e 4 sobre os temas discutidos naquelas atividades.

Ao analisar as duas estratégias, percebemos que quando o segmento

submicroscópico da matéria não era levado em consideração pelos alunos, não havia uso de justificativa teórica (vide Atividade 3 de ligações iônicas e Atividade 1 de interações

intermoleculares). Em outras palavras, quando o raciocínio dos alunos era mais focado em aspectos do nível macroscópico, as justificativas eram empíricas. Portanto, não houve

impedimento quanto à argumentação na aus ia 61 dos conhecimentos teóricos, desde

que existissem evidências disponíveis (disponibilizadas pelas atividades de modelagem) ou que essas fossem buscadas pelos indivíduos no contexto externo à modelagem (dado mobilizado) (vide argumentos analógicos da Atividade 3 de ligações iônicas).

61 Esse termo foi colocado entre aspas porque o grupo 2 (Atividade 1 de interações intermoleculares) tinha conhecimento do modelo de partículas, mas este não havia sido utilizado na justificativa (A10). Este conhecimento foi utilizado em A11 quando a professora solicitou que eles pensassem no nível submicroscópico.