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A Procuradoria Federal sustenta que o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão institui suas normas de regulamento de ingresso de discentes em seus cursos, pelo sistema de cotas, com base na Lei nº 9.394/1991, na Lei nº 12.711/2012, no Decreto nº 7.824/2012 e na Portaria Normativa do Ministério da Educação nº 18/2012 - os quais estabelecem as bases, definições e critérios para a implementação da política pública de ação afirmativa -, a fim de cumprir seu papel social, bem como atender aos princípios que regem a Administração Pública, especialmente os princípios da legalidade, da vinculação ao edital, da impessoalidade e da moralidade.

É ressaltada a autonomia do instituto para a fixação das normas que tratam de ingresso de discentes, a qual se estende para a forma de implementação da política de cotas, desde que as regras sejam específicas, e estabeleçam claramente as situações ou indivíduos que serão beneficiados com a diferenciação, com base em informações que o legislador não poderia prever quando da elaboração das leis.

Além disso, as regras editalícias estão em conformidade com a base legal que rege a matéria, especialmente no que tange à diferenciação entre escolas públicas e privadas, e que enquadra como instituições privadas as particulares em sentido estrito, as comunitárias, as confessionais e as filantrópicas.

Para a Procuradoria Federal, estender o conceito de escola pública para incluir escolas sem fins lucrativos que oferecem ensino gratuito a alunos carentes, embora possa ser moralmente justificável, não pode ser considerado como um argumento jurídico válido. A interpretação ampliativa desse tipo de conceito não pode ser feita no âmbito do Poder Judiciário, especialmente em sede de mandados de segurança ou no âmbito de juizados especiais, que são procedimentos sumários, e pela consideração subjetiva do julgador, sem um processo amplo de debate com os poderes representativos e a sociedade, especialmente porque o juiz não detém o conhecimento necessário para a avaliação das consequências e implicações práticas, a longo prazo, das exceções que cria em suas decisões pontuais.

As exceções criadas pelos magistrados também atentam contra a segurança jurídica e colocam em risco a própria efetividade das ações afirmativas, ao relativizar, caso a caso, os critérios de discriminação positiva.

Caso o IFMA abra precedente para que os alunos que estudaram em escolas comunitárias possam concorrer nas cotas de alunos oriundos de escolas públicas na acepção legal, estará agindo ao arrepio da lei e desvirtuando, por completo, as hipóteses previstas pelo legislador ao instituir as Ações Afirmativas, dentre elas, minimizar as desigualdades de ensino entre as escolas privadas e públicas, vez que as últimas possuem educação deficitária e que, por isso, os alunos advindos dessas instituições dificilmente terão condições de competir com os egressos de instituições privadas.

Cumpre destacar que a discriminação em favor dos alunos oriundos da rede pública não se dá, exatamente, por conta da carência econômica do discente, e sim, pelo fato de ter ele cursado os ensinos médio e fundamental na rede pública.

Caso o aluno tenha estudado em escolas particulares, ainda que filantrópica, com bolsa de estudo integral, não se lhe aplica o direito de concorrer às vagas no IFMA pelo Sistema de Cotas/Ações Afirmativas (PETIÇÃO PF/MA/PGF/AGU/M- 116/M990/ABLSR/2016).

Quanto ao princípio da legalidade, afirma-se a imperatividade da Administração Pública em obedecer à lei e aos seus comandos, devendo sempre pautar suas ações com base no permissivo legal, pois a legalidade possui viés distinto àquele aplicável ao particular, que poderá fazer tudo o que a lei não o proíbe. À Administração Pública compete fazer apenas o que a lei permite, logo, não seria crível admitir que exista lei em determinado sentido e que a atuação administrativa ocorra de forma diametralmente oposta.

A Administração lança mão de seu poder-dever de agir na forma da lei e executar o comando legal sempre que a situação fática se ajusta na previsão do ordenamento jurídico, e nos casos em que a própria lei possibilita a prática de mais de um ato para se alcançar a mesma finalidade, a Administração dispõe de certa liberdade para agir, a chamada discricionariedade administrativa.

Como desdobramento do princípio da legalidade, há o princípio da vinculação ao edital. O artigo 41 da Lei nº 8.666/1993 prevê que a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada. Mas o edital não vincula apenas à Administração, estando o candidato também a ele vinculado. Quando o candidato inscreve-se em um processo seletivo regido por edital, assume a responsabilidade de atender a todos os requisitos que são estabelecidos no instrumento, de modo que buscar, via judicial, a alteração das regras do certame é desequilibrar a isonomia em relação aos demais candidatos que se submeterão às mesmas regras.

Portanto, para a Procuradoria Federal permitir que candidatos que não preencham os requisitos do edital tenham direito à vaga pelo sistema de cotas é uma nítida ofensa ao princípio da legalidade, assim como ao princípio da isonomia e da impessoalidade, pois pessoas em situação diferente não podem receber o mesmo tratamento e essa imposição do Judiciário retira da Administração Pública o seu dever de imparcialidade na defesa do interesse público para impedir discriminações e privilégios indevidos a alguns particulares no exercício da função administrativa.

As teses defendidas pela Administração Pública encontram maior ressonância no Superior Tribunal de Justiça, como se perceberá mais adiante, pois a Corte adota posicionamento restritivo à aplicação do sistema de cotas para alunos oriundos de escolas públicas.