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3.1 As Possibilidades de Intervenção do Judiciário na Discricionariedade da Função Administrativa

3.1.2 As questões políticas dos atos administrativos

Os atos administrativos, como ressaltado, independem da classificação doutrinária que se lhe atribuam, se vinculados ou discricionários. Eles possuem apenas uma sutil

distinção baseada na intensidade da vinculação à determinação normativa prévia. Significa dizer que todos os atos estarão sujeitos ao controle jurisdicional, mas o ato não pode ser encarado como um bloco único e indivisível. Ele deverá ser analisado pelo juiz em todas as suas facetas, razão pela qual, em determinados casos, não poderá adentrar o Judiciário no âmbito de discricionariedade da Administração Pública porque as questões dirão respeito apenas a assuntos políticos.34

Appio (2008, p. 135) define o que sejam as questões políticas:

As questões políticas dizem respeito à prerrogativa de escolha dos meios através dos quais o governante eleito irá executar seu programa. A atividade administrativa é o instrumento de execução das políticas públicas, sociais e econômicas, sendo que as primeiras consistem em intervenções estatais que a Administração Pública realiza com o objetivo de assegurar a universalidade de acesso aos serviços sociais básicos, como saúde, segurança pública e educação.

Ao discutir sobre o controle judicial da discricionariedade política, Appio (2008) distingue atos administrativos e atos políticos. Os primeiros operariam com base em critérios de justiça comutativa e representariam o instrumental técnico necessário à execução do projeto de governo. Já os atos políticos, atuariam a partir de critérios de justiça distributiva, consistentes em atividade de governo para observância ao projeto de governo. Estes não permitiriam revisão judicial, somente nos casos em que a decisão política do governante afrontar diretamente preceito constitucional.

Nesse sentido, para Appio (2008), o juiz não estará negando jurisdição e violando o princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV, da CF) ao não revisar os atos políticos, pois tal princípio não possui capacidade para dilatação de molde a sindicar os atos políticos praticados pelos demais poderes. De acordo com o autor, essa compreensão está amparada no próprio sistema representativo, que se assenta na necessidade de obtenção de um consenso mínimo em torno da legitimidade dos atos políticos, os quais não podem ser substituídos pelos juízes, notadamente com o objetivo de implementar políticas públicas a partir de deveres genéricos estabelecidos na Constituição.

Fagundes (2010), também apresenta uma distinção entre atos administrativos e políticos. Estabelece o autor três gradações de atos, quais sejam: o ato administrativo como gênero, o ato político como espécie, e o ato exclusivamente político como subespécie. O que diferenciaria o ato administrativo não-político daquele essencialmente político seria a

34 A respeito das questões políticas, interessante a distinção que Dworkin (2015) faz entre princípios e políticas ou diretrizes. Os princípios seriam proposições que descrevem direitos, ao passo que as políticas descrevem objetivos. Desse modo, os argumentos de princípios, em geral, se predispõem à defesa de direitos do indivíduo, e os argumentos de políticas se predispõem à defesa de interesses da coletividade.

finalidade, ou seja, o ato administrativo será político se a finalidade for política. Mas o próprio autor afirma ser este um critério muito precário de distinção. Já a distinção do ato estritamente político teria por base além da finalidade, também o conteúdo, isto é, os limites da sua repercussão jurídica. O ato estritamente político há de conter medida e fins unicamente políticos (finalidade) e, ao mesmo tempo, há de circunscrever-se ao âmbito interno do mecanismo estatal.

Para Fagundes (2010), o ato exclusivamente político não afeta, de imediato, direitos subjetivos, mas poderá implicar em outros atos com repercussão sobre esses direitos. Assim, quando os atos consequentes do ato político afetarem direitos subjetivos, o Judiciário poderá ser provocado para se pronunciar, e acabará por, indiretamente, ser levado ao exame do ato político, sem, contudo, apreciá-lo de modo integral. Deverá cingir-se à análise da competência pela conexidade entre os dois atos (puramente político e não político).

Discorda dessa distinção Freitas (2009), segundo o qual não se deve aceitar ato administrativo exclusivamente político, pois todos os atos da Administração Pública devem guardar sintonia com as diretrizes eminentes do Direito Administrativo, em especial aquelas previstas nos artigos 3º, 37 e 70 da Constituição Federal.

Freitas (2009) refuta diretamente o posicionamento de Fagundes (2010), acima exposto, sobre as três gradações dos atos – administrativo como gênero, político como espécie e exclusivamente político como subespécie – alegando que Fagundes, ao final das contas, apenas confirma que todos os atos da Administração são juridicamente controláveis, pois até mesmo na subespécie de ato exclusivamente político, é possível que o Poder Judiciário seja chamado a se manifestar quando direitos são violados por atos decorrentes do suposto ato exclusivamente político.

O posicionamento de Freitas parece mais acertado. Portanto, a questão do controle jurisdicional sobre os atos administrativos discricionários, do que pode ou não ser controlado passa pela compreensão de que tais classificações que buscam estabelecer conceitos fechados do que seja jurídico ou exclusivamente político são totalmente insuficientes, da mesma forma que tentar eliminar o caráter político do Poder (o termo já é evidente) Judiciário é um equívoco.

O ato administrativo possui dimensões interpretativas, de modo que o julgador precisa seguir uma linha lógica de interpretação de todos os aspectos que o compõe e nesse caminho interpretativo poderá chegar a determinada questão política que não possui competência para interferir, pois o mérito administrativo do agente político está em

consonância com a lei e as normas constitucionais, não obstante ele discorde do projeto político do governante.

Por conseguinte, não é o ato administrativo, por si só, que não está submetido ao controle jurisdicional, mas aquela margem de liberdade política, atribuída pelo legislador e motivadamente empregada pelo administrador, em conformidade com a ordem jurídica, que não é objeto de controle pelo Poder Judiciário.

A observância aos princípios fundamentais do Direito Administrativo, especialmente o de boa administração, deverá sempre guiar aquele que exerce uma função administrativa, função esta subordinada à lei. Mas os deméritos sempre estarão sujeitos ao controle, não apenas do Judiciário, mas dos demais órgãos que possuem essa prerrogativa de fiscalização preventiva ou repressiva, como o Legislativo, o Ministério Público e os Tribunais de Contas.

Portanto, é fundamental a efetivação de um controle sistemático dos atos administrativos, nos limites legais e objetivos estabelecidos pela Constituição, não apenas pelo Poder Judiciário, mas pelo Legislativo e demais órgãos de controle interno e externo, bem como pela sociedade civil organizada. Ademais, a centralização do controle dos atos administrativos pelo Judiciário, colocado na posição de primeiro, ou mesmo único fiscalizador, em virtude do processo de judicialização da política, deve ser repensado, posto que a Administração Pública tem se tornado cada vez mais refém de decisões arbitrárias dos juízes, como se analisará na próxima seção.