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A educação é um dos principais direitos fundamentais estampados na Constituição Federal de 1988, segundo a qual se trata de direito de todos e dever do Estado, a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.

Ponto relevante para a compreensão da controvérsia judicial a ser analisada no presente capítulo diz respeito à autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial de que gozam as universidades, bem como as instituições de pesquisa científica e tecnológica.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – regulamenta a norma constitucional e afirma a autonomia das universidades prevendo extenso rol, exemplificativo, de atribuições a essas instituições de ensino superior.

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;

II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes;

III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão;

IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio;

V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes;

VI - conferir graus, diplomas e outros títulos; VII - firmar contratos, acordos e convênios;

VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais;

IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos;

X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.

Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:

I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II - ampliação e diminuição de vagas;

IV - programação das pesquisas e das atividades de extensão; V - contratação e dispensa de professores;

VI - planos de carreira docente.

Essas atribuições de autonomia universitária podem ser estendidas a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo poder público.

Ademais, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, criados pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, também possuem autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar.51 Os Institutos Federais têm natureza jurídica de autarquias e são equiparados às universidades federais. São instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, conforme dispõe o art. 2º, caput, da referida lei.

Considerando que o ensino deve ser ministrado com base nos princípios constitucionais da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, bem como da coexistência de instituições públicas e privadas de ensino, e levando em conta que entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão a criação de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, ações afirmativas têm sido difundidas, especialmente no que tange ao ingresso em universidades.

Nesse viés, em 2012 foi sancionada a Lei nº 12.71152, conhecida como Lei de Cotas, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Dispõe o artigo 1º da mencionada lei que as instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Outrossim, prevê que no preenchimento dessas vagas, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

51 A Lei nº 11.892/2008 institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação. Além dos Institutos Federais, a referida lei prevê que a Universidade Tecnológica do Paraná – UTFPR, os Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET-RJ e de Minas Gerais – CEFET-MG, e o Colégio Pedro II, são detentores de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar.

52 A Lei nº 12.711/2012 derivou do Projeto de Lei nº 73 de 1999, proposto pela Deputada Federal Nice Lobão do PFL/MA.

Estabelece, ainda, que em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. E em caso de não preenchimento das vagas segundo esses critérios, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Regras semelhantes são aplicadas aos institutos federais de ensino técnico de nível médio, com a distinção de que a exigência de frequência integral em escola pública é estabelecida para o ensino fundamental, conforme dispõem os artigos 4º e 5º da Lei nº 12.711/2012.

A Lei nº 12.711/2012 é regulamentada pelo Decreto nº 7.824/201253 segundo o qual somente poderão concorrer às vagas reservadas para os cursos de graduação, os estudantes que preencham os seguintes requisitos: a) tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, em cursos regulares ou no âmbito da modalidade de Educação de Jovens e Adultos; ou b) tenham obtido certificado de conclusão com base no resultado do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, de exame nacional para certificação de competências de jovens e adultos ou de exames de certificação de competência ou de avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino. Além disso, afirma expressamente no parágrafo único do artigo 4º que não poderão concorrer às vagas de que trata o Decreto os estudantes que tenham, em algum momento, cursado em escolas particulares parte do ensino médio.

Para os cursos técnicos de nível médio, as regras também são semelhantes, com a distinção de que a integralidade exigida refere-se ao ensino fundamental e que os estudantes tenham obtido certificado de conclusão com base no resultado de exame nacional para certificação de competências de jovens e adultos ou de exames de certificação de competência ou de avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino.

A definição de instituições de ensino públicas e privadas está no art. 19 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Instituições públicas são aquelas criadas ou

53 A Lei nº 12.711/2012 também é regulamentada pela Portaria Normativa nº 18/2012, de 11 de outubro de 2012, do Ministério da Educação, que estabelece os conceitos básicos para aplicação da lei, prevê as modalidades das reservas de vagas e as fórmulas para cálculo, fixa as condições para concorrer às vagas reservadas e estabelece a sistemática de preenchimento das vagas reservadas.

incorporadas, mantidas e administradas pelo poder público, ao passo que as instituições privadas são aquelas mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, podendo enquadrar-se em quatro categorias: particulares em sentido estrito, comunitárias, confessionais e filantrópicas.

Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias: I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo;

II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade;

III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;

IV - filantrópicas, na forma da lei.

De tal modo, a ação afirmativa criada pela Lei nº 12.711/2012, com a previsão do requisito da integralidade de período cursado em escola pública ao aluno que pretende concorrer a uma das vagas reservadas nos editais de seleção das universidades ou dos institutos federais, visa evitar distorções no acesso ao ensino superior, vedando a admissão como beneficiário da norma àqueles alunos que não se submeteram à diferença qualitativa entre as escolas públicas e as escolas privadas.

Buscou o Poder Legislativo implementar política pública na área de educação, por meio do sistema de cotas para alunos de escolas públicas, baseando-se em definição legal, e estabelecendo critérios objetivos para o discriminem.

À Administração Pública, notadamente às universidades e demais instituições de ensino, considerando a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial garantida pela Constituição Federal, coube aplicar as regras em seus processos seletivos, inclusive com limitação do poder discricionário que elas possuíam antes da edição da Lei nº 12.711/2012.

Antes da Lei de Cotas, as universidades federais e institutos federais detinham maior liberdade para estabelecer os critérios objetivos de seleção em seus editais. A nova lei, no entanto, buscou uniformizar os requisitos de seleção, mas não retirou a possibilidade das instituições complementarem seus editais, desde que não violem as normas legais.

Contudo, a nova Lei de Cotas tem gerado discussões a respeito da restrição concernente à obrigatoriedade do aluno ter cursado o ensino médio (ou fundamental) integralmente em escola pública, excluindo as escolas comunitárias, confessionais e

filantrópicas que, em regra, atendem a alunos de baixa renda. A definição de escola pública tem sido cada vez mais flexibilizada pelo Poder Judiciário, por meio da aplicação de princípios como a razoabilidade e a proporcionalidade e imprimidos por uma visão social e proativa do Direito e das instituições do sistema de justiça, como a Defensoria Pública e o Ministério Público.

Desse modo, várias demandas têm sido judicializadas, com o objetivo de dar interpretação extensiva à norma, a fim de incluir no espectro de alcance da distinção afirmativa as referidas escolas privadas, a partir de critérios como a hipossuficiência dos alunos e a preponderância da vida estudantil em escola pública. No Maranhão, essas ações judiciais têm sido propostas pela Defensoria Pública da União, que atua junto à Justiça Federal e instâncias administrativas da União.54