Um dos principais argumentos na defesa da redução da maioridade penal encontra-se na crença de que grande parte dos atos de violência ocorridos no Brasil são de responsabilidade dos adolescentes.
Entretanto, ao contrário do que a mídia e alguns indivíduos tentam distorcer, na realidade, o problema não se encontra na fixação do critério etário, mas sim, no problema da desestruturação do sistema de atendimento aos jovens infratores, carentes de programas de atendimento. Sendo o Poder Executivo o detentor da obrigação de proporcionar esses programas e executá-los, continua inerte a situação, ficando para o Poder Judiciário a solução. 150
Outra questão levantada refere-se à impressão de que a sociedade, de um modo geral, o que entende que nada acontece ao adolescente infrator, gera um sentimento de impunidade.
Sobre a matéria, Éder Jorge adverte:
Não podemos assistir de braços cruzados a escalada de violência, onde menores de 18 anos praticam os mais hediondos crimes e já integram organizações delituosas, sendo inteiramente capazes de entender o caráter ilícito do fato e de determinar -se de acordo com esse entendimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por benevolente que é, não tem intimidado os menores. Como forma de ajustamento à realidade social e de criar meios para enfrentar a criminalidade com eficácia, impõe -se seja considerado imputável qualquer homem ou mulher a partir dos dezesseis anos de idade. [...] Há diversos países onde a maioridade penal inicia -se aos 16 anos (p. ex: Argentina, Espanha, Bélgica e Israel); em outros, aos 15 anos (Índia, Egito, Síria, Honduras, Guatemala, Paraguai, Líbano); na Alemanha e Haiti, aos 14 anos. E por incrível que pareça na Inglaterra a pessoa é considerada imputável a partir dos 10 anos. 151
Cabe salientar que, na Inglaterra, é admissível que se considere imputável uma pessoa de 10 anos, pois a pessoas com esta faixa etária são asseguradas condições mínimas de sobrevivência. Este é o pressuposto para responsabilizar individualmente aqueles que não cumprem a lei.
150
LIBERATI, Wilson Donizet, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 10 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2008, p. 89 e 90.
151
JORGE, Éder. Redução da maioridade penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.as p?id=3374>. Acesso em: 13 de out. 2009.
Embora Luiz Flavio Gomes seja contrário à redução da maioridade penal, entende que, se necessário for, podem exceder os limites de três anos de internação ou dos 21 anos de idade.
Uma coisa é a prática de um furto, um roubo desarmado etc., outra bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com requintes de perversidade. Para o ECA, entretanto, tudo conta com a mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a internação do infrator (que é medida sócio-educativa voltada para sua proteção e também da sociedade) pode ultrapassar três anos (ou sobrepor a idade de 21 anos).152
No entanto, para Cleonice Maria Resende e Helena Rodrigues Duarte, Promotoras de Justiça, em alguns artigos do Diploma já mencionado existe a hipótese de responsabilização dos adolescentes que cometerem ato infracional, sendo o mesmo submetido à medida socioeducativa, podendo levar à privação de liberdade total ou parcial por tempo indeterminado.153 Diante do exposto, depreende- se a amplitude da divergência sobre o assunto.
Por tais aspectos, o doutrinador Sandro César Sell protesta em relação à arbitrariedade para a redução para 18 e questiona o porquê de não poder rediscuti- la, ressaltando que a idade de 21 anos também era arbitrária para a determinação da capacidade civil absoluta, mas com a evolução dos tempos se fez necessária a sua mudança. Questiona também sobre os jovens que podem negociar, fazer contratos civis, podem votar nos homens que fazem as leis penais, só não podem responder por elas.154
Sobre o assunto dissertam Resende e Duarte:
Há de se considerar, em primeiro plano, que a lei brasileira fixa diversos parâmetros etários para o exercício dos direitos civis. Somente se adquire a capacidade plena aos vinte e um anos de idade. As exceções existentes advêm de decisões legislativas de caráter político do voto aos dezesseis anos é facultativo, ou seja, aqueles que se sentem preparados exercem o referido direito. No entanto, os adolescentes não são elegíveis e não podem exercer cargos públicos de qualquer natureza, sendo qu e para alguns se
152
GOMES, Luiz Flávio. Redução da maioridade penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1338, 1 mar. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9552>. Acesso em: 13 out. 2009.
153
RESENDE , Cleonice Maria; DUARTE, Helena Rodrigues. Redução da idade penal. In: PIEDADE JÚNIOR, Heitor; LEAL, César Barros (Org.). Idade da responsabilidade penal: a falácia das propostas reducionistas. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 21.
154
SELL, Sandro César. Maioridade penal: um debate legítimo. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1331, 22 fev. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9520>. Acesso em: 13 out. 2009
exige inclusive idade superior. Isso demonstra que o legislador não atribuir capacidade de discernimento plena aos menores de dezoito anos. 155
Ressaltam ainda as autoras anteriormente citadas que os adolescentes não têm consciência no que se refere ao seu direito de voto, inclusive também quanto aos atos civis que podem praticar. Acrescentam que muitos ainda nem possuem certidão de nascimento.156
No tocante à não responsabilização do adolescente infrator, no entendimento de Saraiva, apesar de o adolescente não responder por seus atos perante a Justiça Penal, isso não o torna irresponsável, pois o sistema instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente faz esses jovens responsáveis por seus atos, posto que são submetidos às medidas socioeducativas. 157
Os doutrinadores conservadores, contrários à redução da maioridade penal, argumentam que devem ser atacadas as causas da criminalização juvenil e não os seus efeitos. Será desnecessário tornar o menor imputável, é imprudente e inoficioso.
Com base nestes fatos Liberatti leciona:
Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, por ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social á medida que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal.158
Considerando que se trata de crianças e adolescentes, aos quais não são dadas oportunidades de inserção na sociedade como um todo, a começar pelo Poder Público que nada faz. É certo que o fator econômico, resultante de um desenvolvimento desenfreado do capital e do crescimento exacerbado das cidades, gera a exclusão de grande parte da população do sistema educacional e do mercado de trabalho, devido à falta de perspectiva de inserção no mesmo.159
155
RESENDE , Cleonice Maria; DUARTE, Helena Rodrigues. Redução da idade penal. In: PIEDADE JÚNIOR, Heitor; LEAL, César Barros (Org.). Idade da responsabilidade penal: a falácia das propostas reducionistas. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 22.
156
Ibid. loc. cit.
157
SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente e Ato Infracional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 22.
158
LIBERATI, 2008, p. 89.
159
MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Política de Atendimento. Curitiba Juruá, 2003, p. 38 e 39 .
Sobre o assunto, Gomes adverte que, se os presídios são reconhecidos “faculdades do crime”, a inserção dos adolescentes autores de ato infracional nesses estabelecimentos iria prepará-los para integrar o crime organizado. Cabe ressaltar que os dois grupos que mais aterrorizam hoje o Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro desses estabelecimentos penais, os mesmo que recepcionariam os adolescentes infratores. 160
Assim sendo, verifica-se que, para que seja efetivado o combate à criminalidade infanto-juvenil, é imprescindível a aplicação de todas as medidas sociopolíticas, administrativas e judiciais, no sentido da igualdade na distribuição da justiça social, de modo a universalizar o acesso a essas políticas sociais públicas, seguindo de acordo com a Constituição Federal, no que se refere à prioridade absoluta em favor do menor.
160
GOMES, Luiz Flavio. Maioridade penal, o ECA e a Razoabiliadade. Revista Jurídica Consulex, ano VII, n. 166, 15 dez. 2003, p. 20.