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Argumentos geralmente usados a favor e contra a adesão da Turquia à

2. Revisão da Literatura

2.2. Processos de candidatura e negociação da adesão da Turquia na União

2.2.2. Argumentos geralmente usados a favor e contra a adesão da Turquia à

Nesta secção analisam-se os pontos que tornam este caso tão peculiar e que arrastaram o processo até ao cenário atual. De acordo com o relatório da Comissão

Europeia (2004) intitulado "Questões decorrentes da perspetiva da adesão da Turquia", os grandes debates em torno da adesão da Turquia à UE centram-se nas seguintes questões: “impacto combinado da população da Turquia, tamanho, localização geográfica, potencial económico, militar e de segurança, bem como características culturais e religiosas" (pp.4).

Com efeito, a adesão da Turquia coloca à União Europeia questões de natureza geopolítica e estratégica que esta última, ainda nos dias que correm, não está preparada para responder, sendo que há quem defenda que se trata mesmo de uma das questões mais importantes, desta natureza, com que até hoje a construção europeia foi confrontada (Leitão, 2005). Por um lado, muito embora a Turquia seja um país euroasiático, mais de 90% do seu território pertence ao continente asiático, daí que a sua adesão à UE desfazeria a lógica do que significa território europeu. Por outro lado, a Turquia tornar-se-ia num dos maiores países da Europa, que além de alterar completamente a arquitetura institucional da UE, iria trazer novas preocupações à mesma devido às suas fronteiras complexas (Leitão, 2005; Mulle et al, 2013).

Um outro debate centra-se no facto da adesão da Turquia implicar a junção de quase 80 milhões de pessoas à UE (Freedom House, 2017). Yesilada (2012) refere que grande parte do debate parece ter-se deslocado das questões políticas e dos Critérios de Copenhaga para o impacto da população turca na Europa, uma vez que a elevada densidade demográfica resultaria em movimentos volumosos de turcos para os restantes países europeus e que o debate incide especialmente sobre as diferenças culturais e o islamismo turco. Também Casanova (2006), Hefeker (2004), McLaren (2007) e Passos (2005) apontam a “imigração muçulmana” como o fator que cria maior resistência e ansiedade na população europeia, já que teriam de dividir o “seu” território com dezenas de milhões de pessoas, com padrões culturais completamente diferentes dos seus (Silberman, 2004).

Neste sentido, Kylstad (2010) refere que o discurso adotado em torno da identidade da UE e da sua cultura, faz referência explicita à “história” e à “herança”, transmitindo uma visão da cultura como “um artefacto do passado, não como uma complexa interação de linguagem, religião, economia, arte, estilos de vida, sentimentos e opiniões” (p.4). Esta linha de discurso conservadora cresceu drasticamente com a guerra ao terrorismo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, levando a uma generalização do radicalismo islâmico e da religião muçulmana (Yankaya, 2015).

Contudo, a vertente religiosa permanece fora das competências da UE e não são admitidas discriminações por motivos religiosos no seio da mesma, onde já vivem 12 milhões de muçulmanos (Kaloudis, 2007; Yankaya, 2015). Em contraponto, é argumentado que a migração poderia ser benéfica, especialmente a longo prazo, uma vez que a população turca é jovem e dinâmica, respondendo às necessidades de uma Europa envelhecida com uma mão-de-obra contemporânea e com formação, aumentando a produtividade e evitando custos acrescidos com pensões e cuidados de saúde (Belke, 2004; Pehlivan, 2008).

Esta elevada densidade populacional, aliada à taxa de crescimento da população turca positiva (Freedom House, 2017; Mulle el al, 2013; World Bank, 2017) teriam ainda um enorme impacto na estrutura das instituições europeias, nomeadamente na alteração do poder nas tomadas de decisão. Tal impacto decorre do facto de a distribuição de assentos do PE ser realizada proporcionalmente à população de cada Estado-Membro e de a aprovação da maioria dos atos do Parlamento Europeu requererem uma maioria de votos positivos (Braghiroli, 2012; Matos, 2010; UE, 2017), ao mesmo tempo que a aprovação das decisões do Conselho da UE requererem o voto positivo de pelo menos 55% dos Estados-Membros, com a obrigatoriedade de estes terem que representar pelo menos 65% da população europeia (Baldwin & Widgren, 2005; Mulle el al, 2013; UE, 2017). Tendo a Alemanha, o país mais populoso da Europa, 82,7 milhões de habitantes e uma taxa de crescimento populacional negativa e a Turquia 79,5 milhões de habitantes e uma taxa de crescimento populacional positiva (Freedom House, 2017, Mulle et al, 2013), estima-se que, em 2020, a Turquia seria o maior país da UE, com cerca de 15% da população total da UE (Hefeker, 2004).

Um outro ponto comummente referido nos debates sobre a Turquia, é a questão do Chipre. Em 1974, aproveitando a fragilidade do país devido a uma tentativa de golpe de Estado, a Turquia invadiu e ocupou ilegalmente a zona norte do país e apelidou-a de República Turca de Chipre do Norte, apenas reconhecida pela própria Turquia (Bryant & Hatay, 2015).

Às questões acima referidas acresce o facto do imenso território turco fazer fronteira com países como a Arménia, o Azerbaijão, o Iraque, o Irão ou a Síria, os quais são de maioria muçulmana e focos de grande instabilidade política. Esta contiguidade, apesar de tornar o continente europeu mais vulnerável, é tida como uma eventual ponte social e económica entre a Europa e os países do Médio Oriente (Emerson & Tocci, 2004; Güney, 2005; Hamilton, 2005; Hale & Özbudun, 2011; Pehlivan, 2008; Yankaya, 2015;

Yesilada, 2012), uma vez que um país estável e bem-sucedido podia servir de modelo para os países vizinhos (Erisen & Kubieck, 2016; Quaisser & Wood, 2004).

Contudo, a dimensão política, que aqui se entende como “a estabilidade das instituições que garantem a democracia, os direitos humanos, o Estado de direito, o respeito e a proteção dos direitos das minorias” (Eder, 2004), tem-se assumido, no seio das instituições políticas europeias, como a principal objeção à adesão da Turquia. Por um lado, desde meados do século passado que a Turquia tem vindo a ser repreendida pela opressão excessiva, por vezes violenta, a qualquer tentativa de reivindicação de autonomia por parte dos curdos, proibindo também a celebração de identidades que não a nacional turca (Gambetti & Jongerden, 2015; Icoz & Martin, 2016; Kramer, 2000; Özdemir & Sarigil, 2015; Tugdar, 2011). Relatórios da União Europeia mostram que esta perseguição aos curdos tem sido uma grande preocupação para a UE, sendo um ponto fundamental na relação entre a UE e a Turquia (Özdemir &Sarigil, 2015; pp.180, 181). Nos últimos anos, esta obsessão por parte do Estado turco com controlo da preservação da “identidade nacional” hegemónica passou a abranger a população em geral e em especial os meios de comunicação social, levando a Freedom House a classificar a Turquia, desde de 2018, como “não livre”, com uma classificação de 32 numa escala de 0 a 100, sendo que “0” é “Menos livre” e “100” é “Mais livre” 66. Segundo dados

disponíveis no site do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), a Turquia foi também o país que mais vezes esteve no lugar de réu entre 1959 e 2016, marcando presença em 3.270 julgamentos 67.

A literatura recente é concordante em relação ao facto de este comportamento autoritário estar a provocar uma erosão da estrutura democrática turca e consequentemente da sua relação com as instituições europeias, verificando-se um retrocesso em relação ao espírito reformista e democrático outrora apresentado (Erisen & Kubicek, 2016; Gunter, 2016; Öniş & Kutlay, 2017; Özbudun 2014; Saatçioğlu, 2016). Como é possível observar pelo descrito, existem diversos argumentos a favor e contra a adesão da Turquia à União Europeia. No quadro que se segue é possível observar uma esquematização desses argumentos.

66https://freedomhouse.org/report/freedom-world/2018/turkey

Alegações de lado a lado não faltam. No entanto, a diferença central está entre aqueles que defendem que, apesar das contrariedades, vale a pena tentar integrar a Turquia e os que consideram que, apesar das potencialidades do país, este não tem lugar na União Europeia. Um dos organismos europeus que mais se tem pronunciado nos últimos anos tem sido o Parlamento Europeu, cuja argumentação ao longo do tempo se irá descrever no próximo ponto deste capítulo.

Figura 2. Argumentos utilizados nos debates sobre a adesão da Turquia à UE Argumentos a favor da adesão Argumentos contra a adesão Económico - a adesão da Turquia traria

novas oportunidades económicas à UE, especialmente através dos quase 80 milhões de cidadãos turcos, que seriam

potenciais consumidores do mercado europeu

Económico - além de a Turquia não apresentar uma economia ao nível da UE, os milhões de euros cedidos à Turquia nas ajudas de Pré-adesão, deviam ser utilizados em

benefício dos cidadãos europeus

Migratório - a população turca vinha revitalizar o envelhecido mercado de trabalho europeu e diminuir a pressão

que se faz sentir sobre o mesmo

Migratório - os 80 milhões de cidadãos turcos teriam as portas abertas para a Europa, reduzindo as oportunidades de emprego aos cidadãos europeus e originando um choque

cultural entre as populações

Religioso e cultural – a UE veria

reforçada a sua credibilidade internacional, especialmente perante os

países do Médio Oriente, enquanto bloco regional de diversidade; vertente religiosa está fora das competências da

UE; teoricamente, não são admitidas discriminações por motivos religiosos no

seio da mesma

Religioso e cultural - os atuais países da UE iriam estar vulneráveis perante a possibilidade de imigração de milhões

de cidadãos turcos com padrões culturais e religiosos completamente diferentes dos seus

Político e Direitos Humanos

desalinhamento da Turquia face aos valores democráticos e de respeito pelos

direitos humanos da UE é mais uma razão para não desistir e incrementar o

diálogo com o país turco

Político e Direitos Humanos - a UE não pode manter negociações de adesão com um país autoritário e que viola

constantemente os direitos humanos

Geoestratégico – a Turquia seria a ponte

entre a UE e os países do Médio Oriente

Geoestratégico – a Turquia faz fronteira com países como a

Arménia, o Azerbaijão, o Iraque, o Irão ou a Síria, que são países muçulmanos e focos de grande instabilidade política

Refugiados – a Turquia tem um papel

fundamental na gestão do fluxo de refugiados

Geográfico - embora a Turquia seja um país euroasiático, mais de 90% do seu território pertence ao continente asiático

Conflito Curdo – a repressão e violência do governo turco

em relação à minoria curda viola as liberdades estipuladas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tão

importante para UE

Chipre – a Turquia mantem, desde 1974, a ocupação ilegal

do norte do Chipre, Estado-membro da UE

Dimensão do país – é questionada a capacidade da UE para

Alteração estrutural das instituições europeias - a elevada densidade populacional aliada à taxa de crescimento positiva

da população turca levaria, eventualmente, a uma alteração do poder nas instituições europeias

Fonte: elaboração própria

2.2.3. A posição dos organismos e da população europeia em relação à adesão da