• Nenhum resultado encontrado

Evolução temporal do número de intervenções e sua relação com as

4. Análise das Intervenções no Parlamento Europeu sobre a Adesão da

4.1. Análise dos Dados

4.1.3. Evolução temporal do número de intervenções e sua relação com as

Fazendo um balanço global das intervenções no Parlamento europeu sobre a temática analisada no período entre 2004 e 2019, há cinco anos que se destacam por um maior número de intervenções – os anos entre 2013 e 2017 (veja-se figura abaixo).

Figura 5. Evolução temporal do número de intervenções no Parlamento Europeu sobre a temática da adesão da Turquia à UE

O aumento significativo de intervenções neste período não será de estranhar face a alguns acontecimentos históricos descritos no capítulo da revisão da literatura. Com efeito, após os anos de 2004 e 2005, nos quais as intervenções relacionadas com a Turquia abordavam, sobretudo, os progressos conseguidos pela mesma no processo de adesão e a possibilidade de dar início às negociações - o que acabou por se suceder em outubro de 2005 –, o tema da Turquia perdeu saliência nas discussões no Parlamento Europeu nos anos seguintes.

Como se pode verificar no gráfico, as temáticas relacionadas com a Turquia voltaram a ter alguma saliência em 2010 e, mais tarde, entre 2013 e 2017. A maior saliência em 2010 deve-se, em grande medida, ao facto de a relação UE-Turquia ter entrado pelo caminho da hostilidade a partir de 2009, como resultado de o governo turco ter começado a retaliar os vários ataques terroristas executados pelo PKK e a deter

66 47 39 12 27 30 65 42 38 107 81 105 433 118 44 34 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

centenas de pessoas, sem, no entanto, os acusar formalmente e lhes proporcionar um julgamento justo e transparente.

Em 2013, este desentendimento assume uma nova proporção, após o uso excessivo de força policial sobre milhares de manifestantes que protestavam contra a substituição do Parque Gezi. Este protesto acabou por se tornar um movimento nacional contra as políticas autoritárias do governo turco, atraindo a atenção estrangeira, especialmente das instituições europeias. Na sequência deste conflito resultou ainda o início de uma vaga de repressão sob os meios de comunicação social por parte do governo, levando à detenção de dezenas de jornalistas nos anos seguintes.

Em 2015, além do conflito curdo e da constante violação da liberdade de imprensa, foi também discutido, no Parlamento Europeu, o controverso acordo entre a UE e a Turquia para a gestão de refugiados, assinado em novembro desse ano, apesar de só ter entrado oficialmente em vigor em março do ano seguinte. Em 2016, o tema Turquia atinge um pico histórico nos debates do Parlamento Europeu, devido a uma (alegada) tentativa de golpe de estado a acontecer no início do verão, ao qual o governo turco respondeu com uma declaração de estado de emergência e com a detenção indiscriminada de centenas de pessoas.

Já em 2017, apesar de se ter verificado uma diminuição acentuada do número de intervenções em relação ao ano anterior, o tema Turquia continuou na ordem do dia no Parlamento Europeu, especialmente após o referendo realizado em abril, em que se propunha a alteração do sistema Parlamentar para um sistema Presidencial.

Em 2018 e 2019, as intervenções resumem-se, sobretudo, à condenação da violação do estado de direito e dos direitos humanos, devido à obsessão de Erdogan por controlar toda e qualquer oposição.

Tendo em conta a evolução do tema “adesão da Turquia” nos debates do Parlamento Europeu, entre 2004 e 2019, na seção seguinte é feita uma análise comparativa dos argumentos utilizados no mesmo período temporal, de forma a perceber se esta evolução também foi percetível na argumentação e se os acontecimentos registados se refletiram no discurso dos eurodeputados.

a) Evolução temporal da referência às temáticas específicas

Tal como referido no ponto 4.1.1 deste trabalho, as temáticas específicas mais vezes referidas nas intervenções no Parlamento Europeu foram as dos Direitos Fundamentais (n=820; 23,62%), as questões Políticas relacionadas com a qualidade da democracia (n=609; 17,6%) e as questões dos Direitos Humanos (n=485; 14,0%).

Como é observável na figura seguinte, o desrespeito pelos direitos fundamentais e direitos humanos por parte da Turquia são temáticas que tiveram referências em todos os anos analisados no período entre 2004 e 2019. Com efeito, a temática dos Direitos Humanos sempre foram um tópico sensível e motivo de preocupação quando se falava na Turquia. Esta realidade deve-se, em grande medida, ao conflito curdo, que teve início na década de 20 do séc. XX, à crescente opressão exercida pelo governo à oposição política e aos meios de comunicação social e ainda à falta de respeito pelos direitos das mulheres, que também são geradores de polémica.

Apesar da referência a estas temáticas se ter intensificado de 2013 em diante, devido aos episódios protagonizados por Erdogan acima descritos, estas temáticas já eram referidas com alguma frequência em 2004 e 2005, muito possivelmente pela aproximação e efetivação do início das negociações para a adesão da Turquia à UE. Segundo dados disponíveis no website do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), a Turquia foi o país que mais vezes esteve no lugar de réu entre 1959 e 2018, marcando presença em 3.535 julgamentos90, 2.747 dos quais decorridos até 201191. O

ano de 2010 também é marcado por uma referência particular a estas três temáticas pelas razões acima descritas.

90https://www.echr.coe.int/Documents/Stats_violation_1959_2018_ENG.pdf 91https://www.echr.coe.int/Documents/Overview_2011_ENG.pdf

Figura 6. Evolução temporal das temáticas específicas 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Econó- mico N 12 3 3 2 2 2 2 5 7 13 9 8 27 10 14 6 % 5,8 2,3 2,5 5,6 2,9 2,7 1,2 5,7 8,3 4,1 5,6 3,2 2,2 3,6 8,9 5,8 Migratório N 9 1 1 1 0 2 4 0 1 3 3 3 25 2 0 1 % 4,4 0,8 0,8 2,8 0,0 2,7 2,4 0,0 1,2 1,0 1,9 1,2 2,0 0,7 0,0 1,0 Religião N 23 3 10 2 4 1 12 4 4 5 2 8 23 3 1 5 % 11,1 2,3 8,3 5,6 5,7 1,4 7,1 4,6 4,8 1,6 1,3 3,2 1,9 1,1 0,6 4,8 Cultural N 10 3 4 2 3 1 6 1 0 3 0 2 18 4 1 4 % 4,8 2,3 3,3 5,6 4,3 1,4 3,6 1,1 0,0 1,0 0,0 0,8 1,5 1,5 0,6 3,9 Político N 29 25 14 4 18 18 34 16 12 64 21 16 213 77 26 22 % 14,0 19,4 11,6 11,1 25,7 24,7 20,1 18,2 14,3 20,3 13,1 6,4 17,3 27,9 16,5 21,2 Dtos. Fundam. N 31 21 29 8 14 16 35 19 23 80 59 61 290 72 40 22 % 15,0 16,3 24,0 22,2 20,0 21,9 20,7 21,6 27,4 25,3 36,9 24,3 23,6 26,1 25,3 21,2 Dtos. Humanos N 31 17 18 5 7 6 18 6 10 56 24 31 167 31 37 21 % 15,0 13,2 14,9 13,9 10,0 8,2 10,7 6,8 11,9 17,7 15,0 12,4 13,6 11,2 23,4 20,2 Curdos N 14 15 17 5 8 11 21 3 8 45 6 27 158 16 13 3 % 6,8 11,6 14,1 13,9 11,4 15,1 12,4 3,4 9,5 14,2 3,8 10,8 12,9 5,8 8,2 2,9 Chipre N 25 34 15 4 11 9 22 26 11 20 24 26 72 31 16 8 % 12,1 26,4 12,4 11,1 15,7 12,3 13,0 29,6 13,1 6,3 15,0 10,4 5,9 11,2 10,1 7,7 Refu- giados N 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 5 48 178 20 10 6 % 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 2,4 0,6 3,1 19,1 14,5 7,3 6,3 5,8 Geoes- tratégico N 9 2 5 2 2 3 7 8 3 19 4 17 37 7 0 2 % 4,4 1,6 4,1 5,6 2,9 4,1 4,1 9,1 3,6 6,0 2,5 6,8 3,0 2,5 0,0 1,9 Geo- gráfico N 10 3 4 1 0 4 6 0 3 6 1 3 17 2 0 4 % 4,8 2,3 3,3 2,8 0,0 5,5 3,6 0,0 3,6 1,9 0,6 1,2 1,4 0,7 0,0 3,9 Alteração no PE N 1 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 1 3 1 0 0 % 0,5 0,0 0,8 0,0 0,0 0,0 0,6 0,0 0,0 0,0 0,0 0,4 0,2 0,4 0,0 0,0 Dimensã o do país N 3 2 0 0 1 0 1 0 0 0 2 0 1 0 0 0 % 1,5 1,6 0,0 0,0 1,4 0,0 0,6 0,0 0,0 0,0 1,3 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 Total do ano N 207 129 121 36 70 73 169 88 84 316 160 251 1229 276 158 104 % 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Relativamente à temática da “Política”, é curioso o facto de ter sofrido uma evolução na maneira como foi referida. No início do período em análise, especialmente nos primeiros dois anos, esta temática é mais vezes referida por quem se posiciona a favor da adesão e usada maioritariamente com o intuito de reforçar a importância da UE no processo democrático da Turquia. Daí em diante, a mesma temática começa a ser utilizada em maioria para condenar as ações autoritárias de Erdogan, ganhando força neste sentido, com o avançar dos anos. Os dois excertos seguintes são exemplificativos desta evolução.

“Temos razão em insistir na necessidade de a Turquia fazer esforços adicionais. O objetivo de alcançar uma democracia estável e próspera na Turquia não é apenas do interesse

deste país, sendo também um importante interesse estratégico da UE.”92

Vural Öger, 2004, S&D

“A Turquia está a namorar com o autoritarismo. Erdoğan constrói, com a tolerância da Europa, o seu moderno império turco sobre corpos de civis curdos e a miséria de milhões de refugiados, sobre os destroços da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais, sobre a ausência de liberdade de expressão, de independência do poder

judiciário e de liberdade de expressão”93

Sophia Sakorapha, 2016, GUE/NGL

Para além das já apresentadas, as temáticas mais vezes referidas foram, como já aludido, as do conflito “Curdo” (n=370; 10,7%) e da disputa no Chipre (n=354; 10,2%), as quais apresentaram algumas flutuações ao longo do tempo.

Por um lado, o conflito curdo foi especificado pelos deputados europeus de forma mais acentuada em 2006, 2010, 2013, 2015 e 2016. Como já referido anteriormente, depois de o PKK ter sido tomado pelos militantes mais radicais em 2004, assistiu-se ao começo de um ciclo de violência que, em 2006, atraiu a preocupação internacional devido ao elevado número de ataques terroristas registados. Em 2009, o governo turco começou a reagir, de forma pouco democrática, deixando as instituições europeias em alerta e, em 2013, o tema voltou a ganhar força, especialmente devido ao assassinato de três ativistas do PKK.

Por outro lado, a temática do Chipre assumiu especial relevância em 2005 e, mais tarde, de 2011 em diante. Em 2005, nos debates que antecederam a abertura das negociações, os deputados relembraram que a Turquia ainda ocupa, ilegalmente, 37% do Chipre e quão importante era, para as negociações de adesão, que estes dois países encontrassem uma solução pacifica para esta questão. Apesar de não ter resultado em nada palpável, em 2008, os dois países iniciaram conversações com o apoio das Nações Unidas. A temática regressou às intervenções no Parlamento Europeu em 2011 porque o Chipre iniciou, nesse mesmo ano, perfurações para a exploração energética

92 http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=CRE&reference=20080521&secondRef=I TEM-004&language=PT 93 http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=CRE&reference=20160120&secondRef=I TEM-013&language=PT

na sua costa. Este evento levou a que a Turquia assinasse um acordo com a República Turca de Chipre do Norte, território que só a Turquia reconhece como país, para delimitação de uma plataforma continental, de forma a impedir que o Chipre, reconhecido internacionalmente e membro da UE, fizesse uso da sua própria ZEE. Sem grandes surpresas, a temática dos “Refugiados” só começou a ser referida em 2013, ganhando, contudo, maior relevância apenas em 2015 e 2016, fruto da assinatura do acordo de acolhimento de refugiados entre a UE e a Turquia. O assunto assumiu especial destaque nos debates do Parlamento Europeu em 2015, ano em que o acordo com a Turquia foi assinado e, novamente, em 2016, quando o mesmo entrou em vigor. Como referido anteriormente, as restantes temáticas não são referidas muito frequentemente. Um apontamento interessante é o facto de as temáticas das diferenças Religiosas e Culturais, da posição geográfica do país e das migrações terem sido mencionados maioritariamente até 2010. A partir de 2010, estas temáticas perderam algum destaque face à situação democrática do país. Os eurodeputados, que até aqui apontavam estes argumentos ao justificar a sua posição em relação ao processo de adesão, passaram, assim, a ter outros argumentos para sustentar o seu parecer.

b) Evolução temporal dos Posicionamentos

Analisando os dados presentes na tabela abaixo apresentada, é obvio que houve uma evolução na forma como os deputados europeus se posicionam em relação à adesão da Turquia à UE.

Até 2012, com exceção do ano 2007 e 2009, os posicionamentos mais comuns nas intervenções dos deputados europeus eram os claramente positivos à adesão da Turquia à UE. Na generalidade, advogavam que exatamente por o país ainda não ter atingido os níveis desejados a nível democrático e de respeito pelos Direitos Humanos é que a UE não devia desistir e manter o diálogo. Servem como exemplo disso as seguintes intervenções:

“ninguém pode negar que a perspetiva da adesão da Turquia é uma alavanca poderosa para incentivar a democratização. (…) recusar a adesão hoje porque os critérios políticos de Copenhaga não foram cumpridos equivaleria a interromper um processo de democratização supostamente baseado em valores democráticos, o que é completamente

ilógico e paradoxal.” 94

Hélène Flautre, 2004, Verts/ALE

“Os acontecimentos recentes na Turquia constituem indiscutivelmente factos inaceitáveis do ponto de vista dos princípios democráticos europeus, o que é mais um motivo para

intensificarmos as negociações em curso com este país.”.95

Evžen Tošenovský, 2011, ECR

Figura 7. Evolução temporal dos Posicionamentos Posição claramente negativa Posição com tom negativo Posição neutra/ não clara Posição com tom positivo Posição claramente

positiva intervenções Nº total de

N % N % N % N % N % 2004 23 34,85 4 6,06 1 1,52 4 6,06 34 51,52 66 2005 16 34,04 6 12,77 6 12,77 2 4,26 17 36,17 47 2006 12 30,77 1 2,56 6 15,38 3 7,69 17 43,59 39 2007 4 33,33 2 16,67 4 33,33 0 0,00 2 16,67 12 2008 6 22,22 3 11,11 5 18,52 1 3,70 12 44,44 27 2009 12 40,00 2 6,67 3 10,00 1 3,33 12 40,00 30 2010 14 21,54 6 9,23 14 21,54 5 7,69 26 40,00 65 2011 9 21,43 2 4,76 7 16,67 1 2,38 23 54,76 42 2012 11 13,63 1 2,63 8 21,05 1 2,63 17 44,74 38 2013 19 17,76 8 7,48 49 45,79 4 3,74 27 25,23 107 2014 22 27,16 21 25,93 19 23,46 2 2,47 17 20,99 81 2015 30 28,57 13 12,38 22 20,95 2 1,90 38 36,19 105 2016 171 39,49 42 9,70 113 26,10 14 3,23 93 21,48 433 2017 74 62,71 3 2,54 26 22,03 2 1,69 13 11,02 118 2018 15 34,09 9 20,45 18 40,91 0 0,00 2 4,55 44 2019 18 52,94 0 0,00 7 20,59 0 0,00 9 26,47 34 Total 456 35,40 123 9,55 308 23,91 42 3,26 359 27,87 1288 94http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+CRE+20041213+ITEM- 010+DOC+XML+V0//EN&language=EN 95 http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=CRE&reference=20110308&secondRef=I TEM-014&language=PT

Em 2013, o posicionamento predominante passa a ser o “neutro”, já que em 45,79% das intervenções dos deputados do PE não foi possível identificar uma posição ou sequer uma inclinação mais ou menos positiva em relação à adesão. Apesar da posição positiva à adesão ainda prevalecer sobre a negativa, com 25,23% contra 17,76%, verificou-se uma inclinação para condenar os comportamentos de Erdogan.

Em 2014, existe uma clara divisão entre diferentes posicionamentos. Já em 2015, o posicionamento predominante volta a ser o “claramente positivo”, o que deverá dever- se ao acordo assinado nesse ano para a gestão do fluxo de refugiados.

Desde 2016, o posicionamento mais predominante nas intervenções dos eurodeputados tem sido o “claramente negativo”, sobretudo em 2016, quando um “posicionamento claramente negativo” era observável em 62,71% das intervenções.

4.1.4. Distribuição das intervenções por Grupo Político/ Espectro Partidário e sua