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3 UMA TEORIA GERAL DO IMAGINÁRIO EM GILBERT DURAND

3.3 OS ARQUÉTIPOS E OS SÍMBOLOS

Enquanto os schèmes tratam de uma generalização dinâmica e afetiva da imagem, promovendo a união entre os gestos inconscientes e as representações, são, “poderíamos dizer, abstrações, eles ainda não são imagens” (GODINHO, 2005, p. 94). O que vai “substantificar” os schèmes são os arquétipos, que são símbolos fundamentais e muito estáveis das culturas, explica o autor. São os arquétipos que vão mediar os schèmes – reflexos dominantes puramente subjetivos – “sendo como imagens primordiais, unívocas e adequadas” aos schèmes, complementa Turchi (2003, p. 28).

Os arquétipos tratam da imagem primeira de caráter coletivo e inato, conforme Pitta (2005a, p. 18), é o estado preliminar, constitui o ponto de junção entre o imaginário e os processos racionais. Durand (2012, p. 60) diz que “os gestos diferenciados em schèmes vão determinar, em contato com o ambiente natural e social, os grandes arquétipos”. Continua, “este arquétipo, intermediário entre os schèmes subjetivos e as imagens fornecidas pelo ambiente perceptivo, seria, para usar a linguagem de Kant, como o número da linguagem que a intuição

quer sejam epitéticos (puro-maculado, claro-escuro, alto-baixo, etc.) ou substantivos (a luz – as trevas, o cume – o abismo, o herói – o monstro, etc.), eles constituem apenas as substantificações dos schèmes”.

Corroboram Araújo e Silva (2003, p. 343) que os arquétipos estão na linha divisória entre o bios e o psíquico e sua importância se dá por estabelecer a ponte entre o patrimônio genético da humanidade (os arquétipos do inconsciente) e o patrimônio sociocultural propriamente dito. O que caracteriza precisamente os arquétipos são a sua universalidade constante e sua adequação aos schèmes. Legros et al (2014, p.121) ratificam que o arquétipo não é um simples símbolo, porque lhe falta ambivalência, “ele – o arquétipo – é constante e se religa aos schèmes”. Os símbolos, por sua vez, são as especificações culturais dos arquétipos.

[...] a roda, por exemplo, é o grande arquétipo do esquema cíclico, porque não se percebe que outra significação imaginária lhe poderíamos dar, enquanto a serpente é apenas símbolo do ciclo, símbolo muito polivalente, como veremos. É que, com efeito, os arquétipos ligam-se a imagens muito diferenciadas pelas culturas e nas quais vários esquemas se vêm imbricar (DURAND, 2012, p. 62).

Os arquétipos dão origem à manifestação dos símbolos propriamente ditos e que podem apresentar vários sentidos, pois estão estes correlacionados a imagens distintas por diferentes culturas. Segundo Jorge e Moraes (2015, p. 12), de acordo com as experiências, cultura e, até mesmo ambiência cultural de cada sujeito, os arquétipos podem ser apropriados e utilizados de diversas formas. Durand (2012, p. 60) concorda com Jung que evidencia claramente o caráter de trajeto antropológico dos arquétipos quando escreve: “A imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos [...], certas condições interiores da vida do espírito e da vida em geral”. Corrobora Turchi (2003, p.28) que “se o arquétipo mantém sua universalidade constante e sua adequação ao esquema – schème – o símbolo apresenta-se de modo polivalente”.

Desse modo, estabelece Durand (1996, p. 153) que os arquétipos não são como formas abstratas e estáticas, mas dinamismos figurativos, são, pois, moldes específicos que, necessariamente, se realizam e se preenchem pelo meio ambiente imediato, o que o autor chama de “nicho ecológico”. É neste meio que surgem as imagens arquetípicas, as “grandes imagens”, motivadas de modo inevitável e simultaneamente pelo meio natural (o curso do sol, o vento, a água, o fogo, a terra, a rocha, o curso e as fases da lua, o calor e o frio, etc.) e pelo meio sociofamiliar (a mãe alimentadora, os outros: o pai, o irmão, o chefe, etc.).

O símbolo, por sua vez, afirma Pitta (2005a, p.18), “é todo o signo concreto, por uma relação natural, algo ausente ou impossível de ser percebido”, trata de uma representação que faz “aparecer” um sentido concreto. Esses, podem ser constatados nos rituais, nos mitos, na literatura, nas artes plásticas, etc., conclui a autora. Ferreira-Santos e Almeida (2012, p. 138) ajudam a explicitar melhor essa distinção, para eles, “no grande plano da teoria do Imaginário (...) no domínio postural, tem-se o esquema de ascensão que corresponde ao arquétipo do cume, do chefe, da luminária; a esses arquétipos corresponderiam símbolos como montanha, sol, cabeça, torre, farol...”. Segundo os autores, neste exemplos, é possível perceber, portanto, que a multiplicidade variante e ambivalente dos símbolos se liga à invariância e à universalidade dos arquétipos, que, por sua vez, re(a)presentam os schèmes, as dominantes reflexas.

Ao passo que o arquétipo está no caminho da ideia e da substantificação, o símbolo está simplesmente no caminho do substantivo, do nome, para isso Durand (2012, p. 62) usa mais um exemplo esclarecedor, “enquanto o esquema ascensional e o arquétipo do céu permanecem imutáveis, o simbolismo que os demarca transforma-se de escada em flecha voadora, em avião supersônico ou em campeão de salto”. Godinho (2005, p. 94) corrobora, que os símbolos no sentido estrito são especificações culturais dos arquétipos: “a flecha ou o avião são símbolos culturalmente determinados que dependem do schème ascensional e do arquétipo do céu, que ficam invariáveis e não dependem das culturas”.

Salienta Wunenburger (2003, p. 28), “deste modo, os símbolos designam, no sentido lato, a expressão cultural concreta do arquétipo e especificam-se sob a influência do meio físico (clima, fauna, vegetação, etc.) ou cultural (tecnologia, práticas alimentares, organização familiar ou social)”. Corroboram Ferreira-Santos e Almeida (2012, p. 58) que o símbolo é uma forma de (re)conhecimento, ou especificamente, tem como função mediar a transcendência de um significado e o mundo dos signos concretos, materializados.

Assim, sintetizam Legros et al (2014, p. 20) que, enquanto o schème trata de um roteiro antropológico completo através do conhecimento de si, desde a infância, e que continua depois por meio da aprendizagem dos signos e códigos, o acordo entre uma percepção e uma imagem depende essencialmente da função simbólica. “Se a imagem não condiciona, evidentemente, a existência do objeto, ela permite, por outro lado, sua presentificação, apesar de sua ausência”. Colaborando ainda nessa interpretação, Moraes (2016, p. 140) diz que os arquétipos, em seu caráter universal, são traduzidos pelos símbolos, em imagens que fazem sentido e interpelam as culturas com diferentes manifestações. Conclui a autora, “as imagens são representadas pelos símbolos, substantificação do arquétipo”. Os símbolos são, por sua vez,

as especificações culturais dos arquétipos, e dos schèmes, e podem ter diferentes sentidos, conforme sua integração numa ou noutra dinâmica do imaginário.

Maffesoli (2009, p. 252) conclui que “o arquétipo tal como é compreendido por Jung, em psicologia, ou G. Durand, em antropologia, outra coisa não é do que um senso comum que funda a dinâmica de toda socialidade”. Para essa lógica, Gilbert Durand estrutura, categoriza essa dinâmica de diferentes significações em regimes da imagem, conceito que será abordado na próxima seção.