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3 UMA TEORIA GERAL DO IMAGINÁRIO EM GILBERT DURAND

3.2 OS SCHÈMS

O schème21, para Durand (2012) antecede, como um alicerce, o símbolo, trata de

uma generalização ativa, afetiva e anterior da imagem. Turchi (2003, p. 28) explica que este estabelece a junção entre os gestos inconscientes da sensoriomotricidade corporal e as representações, formando o esqueleto dinâmico da imaginação. A autora reforça que “refere-se à força afetiva que move os gestos reflexológicos da sensoriomotricidade, uma dinâmica da afetividade” (TURCHI, 2003, p. 27). Pitta (2005a, p. 18) fala que o schème corresponde a uma tendência geral dos gestos, leva em conta as emoções e as afeições, faz a junção entre os gestos inconscientes e as representações. Corrobora Wunenburger (2003, p. 27), que, para Durand, os

schèmes estão na base da figuração simbólica, são o capital referencial de todos os gestos

possíveis da espécie homo sapiens. Turchi (2003) firma o conceito de schèmes a forma de movimento interior, de força afetiva, e o faz diferenciando da ideia de esboço, conforme utilizado na terminologia kantiana, ou seja, a junção entre a imagem e o conceito.

Em contrapartida, adotamos o termo genérico "esquema" (schème) que fomos buscar em Sartre, Burloud e Revault d'Allonnes, tendo estes últimos ido buscá-lo, de resto, na terminologia kantiana. O esquema é uma generalização dinâmica e afetiva da imagem, constitui a factividade e a não-substantividade geral do imaginário. O esquema aparenta-se ao que Piaget, na esteira de Silberer, chama "símbolo funcional" e ao que Bachelard chama "símbolo motor". Faz a junção já não, como Kant pretendia, entre a imagem e o conceito, mas sim entre os gestos inconscientes da sensório- motricidade, entre as dominantes reflexas e as representações (DURAND, 2012, p. 60).

21 Wunenburger (2003, p. 27) ressalta em não grafar schèmes em português “esquemas”, como fez Hélder Goldinho

na tradução do livro As estruturas antropológicas do imaginário, “optando por conservar este importante conceito durandiano no original. Contudo, Turchi (2003, p. 27), opta pela tradução para a palavra “esquema”, enquanto o próprio Godinho (2005, p. 93) retoma o original “schèmes” ao tratar deste conceito.

Os schèmes, completam Legros et al (2014, p. 20), “estabelecem uma ponte entre as margens da afetividade e aqueles que vão estabelecer a gama progressiva das ferramentas cognitivas”. Então, os schèmes são os motores da imagem e do imaginário.

Enquanto Gaston Bachelard concebeu a pesquisa do imaginário a partir da experiência poética humana com os elementos naturais do ar, fogo, terra e água, Durand (2012), por sua vez, desejando descrever o funcionamento do imaginário pela via antropológica, parte dos gestos dominantes inconscientes da sensoriomotricidade, dinâmica corporal, identificados no plano biológico e unidos por evidência em torno da formação de três sistemas de reflexos primordiais, o postural, o nutricional e o copulativo.

Para tal, busca fundamentação na Escola de Leningrado que, nas primeiras décadas do século XX, estabeleceu a noção de gestos dominantes, e, mais especificamente, em Betcherev, a teoria das duas dominantes do recém-nascido humano: a dominante da posição, que coordena os outros reflexos decorrentes de se colocar a criança na posição vertical e a dominante de nutrição que se manifesta por reflexos de sucção labial. Betcherev menciona, também, de modo mais vago, a dominante do reflexo sexual (TURCHI, 2003, p. 26).

De acordo com Biancolini e Fiedler-Ferrara (2005), Durand admite como hipótese de trabalho a existência de uma estreita concomitância entre os gestos do corpo, os centros nervosos e as representações simbólicas e então elabora um princípio classificação a partir da noção dos gestos dominantes. Durand (2012, p. 54) teoriza que os três grandes gestos que nos são dados pela reflexologia desenrolam e orientam uma representação arquetípica e simbólica, (...) “diremos que cada gesto implica ao mesmo tempo uma matéria e uma técnica, suscita um material imaginário e, senão um instrumento, pelo menos um utensílio”.

A primeira noção apresentada por Durand (2012), trata da dominante de posição, que coordena ou inibe os outros reflexos, ligada à sensibilidade estática e a ideia de verticalidade, está associada ao posicionamento ereto do ser humano e remete aos movimentos de ascensão.

O segundo gesto, para o Durand (2012), a dominante de nutrição, se manifesta pelos reflexos da sucção labial e de orientação correspondente da cabeça. Esses reflexos são provocados ou por estímulos externos, ou pela fome, e equivalem, conforme Pitta (2005a, p. 22), às imagens de interiorização, descida, harmonização e contemplação.

O terceiro gesto, enfim, Durand (2012, p. 49) denomina de dominante copulativa, de que a sexualidade é o modelo natural. O autor (p. 54-55) diz que “projetam-se nos ritmos sazonais e cíclicos”. Pitta (2005a, p. 22) aponta ao reflexo da copulação, imagens que correspondem ao ritmo, a ciclicidade, ao diálogo e ao progresso. Dissociado do gesto sexual,

para Ferreira-Santos e Almeida (2012, p. 40), “o ritmo seria sugerido tanto pelos batimentos cardíacos como pela respiração, sublimando-se simbolicamente na música”.

Em resumo, podemos dizer que admitimos as três dominantes reflexas, malhas

intermédias entre os reflexos simples e os reflexos associados, como matrizes

sensório-motoras nas quais as representações vão naturalmente integrar-se, sobretudo se certos esquemas (schèmes) perceptivos vêm enquadrar e assimilar-se aos esquemas (schèmes) motores primitivos, se as dominantes posturais, de engolimento ou rítmicas se encontram em concordância com os dados de certas experiências perceptivas. É a este nível que os grandes símbolos vão se formar, por uma dupla motivação que lhes vai dar esse aspecto imperativo de sobredeterrninação tão característico (DURAND, 2012, p. 51).

Conclui Durand (1996, p. 152) que os grandes eixos – schèmes – específicos “são imediatamente integrados e codificados, se assim o posso dizer, pela faculdade de simbolização fortemente desenvolvida no homo sapiens”. Por fim, diz, esses três eixos comportamentais e as “constelações” de imagem que eles agenciam são irredutivelmente “plurais”. Para Moraes (2016, p.140), os schèmes são as formas mais abstratas da imagem, uma generalização dinâmica e afetiva, que compõem o capital fundamental dos gestos e pulsações inconscientes motrizes das representações simbólicas. Concordamos com a autora que os schèmes “são primordiais nas estruturas antropológicas do imaginário propostas por Durand (2012)”.