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ETAPA MITOCRÍTICA 2, EXAMINANDO AS SITUAÇÕES DA NARRATIVA

7 UMA MITOCRÍTICA NA SÉRIE DE TV FAMÍLIA IMPERIAL

7.3 ETAPA MITOCRÍTICA 2, EXAMINANDO AS SITUAÇÕES DA NARRATIVA

A etapa 2, então, nos orienta em detectar as estruturas figurativas que configuram a obra, ou seja, relacionar, numa perspectiva diacrônica, as passagens da situações e elementos gerais da narrativa que nos apontaram para evidenciar, por motivos redundantes, os mitemas da nossa leitura mitocrítica. Sendo assim, relacionamo-las.

O primeiro mitema, as sequências que tratam da questão racial, especialmente do

negro, sobretudo dos trabalhos escravos, aparece destacado nas seguintes passagens:

Episódio #1

• Em 1812, as famílias tinham escravas negras para as atividades domésticas; • Eram as escravas responsáveis por vestir os seus senhores;

• Lucrécia Imperial, quando está em 2012 acha que a empregada do antiquário é uma escrava da casa;

Episódio #2

• Os meios de transporte comuns na cidade do Rio de Janeiro no século XIX eram as charretes, serpentinas ou carroças, guiadas por escravos. Lucrécia e Alphonso Imperial estranharam andar de automóvel em 2012;

Episódio #3

• O penico (porcelana como era chamado no século XIX) era a única opção para higiene pessoal dentro das casas. Os escravos esperavam ao lado dos seus senhores para cuidá-los;

Episódio #8

• Escravos compravam a carta de alforria, custava 1000 réis, mas cada vez que iam comprar, seus senhores inflacionavam o preço para nunca os liberar. Os escravos não ganharam em nada com a independência do país; • Haviam celebrações e festividades religiosas peculiares dos escravos em

1822, distintas da religião católica predominante no século XIX; • O jogo de búzio, uma prática religiosa dos escravos;

• Quando a polícia invadia as tendas religiosas dos africanos, as imagens dos santos africanos eram substituídas por estátuas de santos católicos;

• Certos escravos tinham o direito de trabalhar para terceiros, mas tinham que dividir seus lucros com seus senhores;

• Os escravos tinham o “banzo”, uma síndrome de saudade da terra natal... eles ameaçavam comer terra para cometer suicídio e então eram amordaçados pelos seus senhores;

• Lucrécia e Alphonso Imperial estranham em 2012 quando Evandro tem um relacionamento com Simone, uma mulher negra;

• Comportamento contemporâneo – piadas racistas não são toleradas; Episódio #9

• Brasil foi o último país no ocidente a abolir a escravatura, para a sociedade da época, tratava-se de uma questão muito complexa;

• A mulher branca, esposa, não cuidava da casa, essa era uma função para os escravos;

Episódio #12

• Machado de Assis, negro e gago. Iara fica impressionada ao conhece-lo, enquanto Jonas somente sabia que se tratava de um autor que escrevia livros para vestibular;

Episódio #15

• Ter escravos em 2012 é uma prática criminosa; Episódio #16

• Iara diz a Dom Pedro II que será lembrado como homem culto e a frente de seu tempo, e que a princesa Isabel será sempre lembrada pela abolição da escravatura;

Episódio #18

• Comportamento contemporâneo – tempo em que as pessoas viraram escravos da tecnologia e do consumismo, uma amargura.

Neste ponto, podemos associar as recorrências simbólicas ao Regime Diurno74 das

Estruturas Antropológicas do Imaginário. Aqui, identificamos, tanto símbolos relativos aos

Semblantes do Tempo, como os teriomórficos representados pelos escravos, no sentido prático

da palavra, ainda amordaçados, roubados, e evidentemente segregados da elite branca na

sociedade. Também, identificamos símbolos diairéticos relacionados ao regime diurno da imagem, na batalha heroica empreendida pelos escravos pela liberdade no século XIX.

O segundo mitema das recorrências simbólicas que identificamos, foram as

sequências que tratam das questões sobre a patifaria, malandragem, da falcatrua, sobretudo

nos negócios para tentar ascender maiores posições sociais. Tais recorrências surgiram destacadas nas seguintes passagens:

Episódio #1

• Comportamento contemporâneo – bullying – redes sociais usadas para este fim. Não se sabia o conceito da palavra bullying em 1812;

• Não existia a fotografia em 1812 – as pinturas eram sinônimo de prestígio social. Heliodoro Imperial pagou caríssimo para ter uma em sua casa quando marcou uma reunião com um Duque para implementar “negócios de sua família”. Ele pretendia ascensão social a qualquer custo. Heliodoro Imperial usou a expressão “roubar os olhos da cara” quando reclamou do preço dos serviços do pintor para o quadro da família;

Episódio #2

• Em 2012, Lucrécia Imperial faz perguntas sobre posses para Glauco, um amigo de escola de Iara, pergunta ainda se está prometido para alguma outra garota;

Episódio #3

• O beija-mão era uma cerimônia importante para os cidadãos em 1812. Era a oportunidade de pedir favores ao rei. As pessoas faziam fila para beijar a mão de Dom João;

• Jonas Imperial pede a Dom João para que lhe providencie algum tipo de “privada” local para fazer sua higiene em particular;

Episódio #4

• As tratativas de negócios econômicos envolviam os relacionamentos dos filhos. Heliodoro queria casar sua filha Lucrécia Imperial com o filho do Duque para que ambos se tornassem sócios nos mais diversos empreendimentos;

Episódio #5

• Comportamento contemporâneo – bullying na escola. Iara Imperial sofria com isso e Lucrécia Imperial também sofreu, sem saber do que se tratava;

• Comportamento contemporâneo – jovens rebeldes que tentam agradar aos outros jovens que lhes interessam socialmente, com atitudes grosseiras com os demais;

• Os títulos de notoriedade e tradição, como duques e barões, eram comprados diretamente com Dom João em 1812;

Episódio #7

• Piadas ofensivas aos portugueses – como de inteligência questionável – não eram comuns no século XIX;

• Antes de 1822, certos feriados não existiam, como o de Tiradentes, e logicamente o da independência. Alfonso Imperial se lembra, em 2012, apenas dos feriados de Dia de Reis e Corpus Christi.

• Iara Imperial alerta seu irmão que se não houver a independência no dia 7 de setembro, eles não terão o feriado;

Episódio #8

• Escravos compravam a carta de alforria, custava 1000 réis, mas cada vez que iam comprar, seus senhores inflacionavam o preço para nunca os liberarem. Os escravos não ganharam em nada com a independência do país; • Os escravos eram roubados pela polícia, essas lhes tiravam qualquer valor

que eles encontravam com os escravos;

• Certos escravos tinham o direito de trabalhar para terceiros, mas tinham que dividir seus lucros com seus senhores;

Episódio #9

• A coroa do Rei não tem preço, Iara tenta pagá-la como suvenir da sua viagem no tempo, enquanto Jonas pensa no valor monetário da coroa, segundo ele, preço infinito;

Episódio #11

• Comportamento contemporâneo – os jovens não gostam de escrever. Iara Imperial mantinha um diário. Contudo, Lucrécia Imperial aos 14 anos ainda não tinha aprendido a escrever;

• Golpe da maioridade. Dom Pedro II foi coroado Imperador aos 15 anos de idade, em 1860;

Episódio #12

• Discussões filosóficas sobre ética e estado são discutidas. As concepções de Maquiavel são citadas;

Episódio #13

• Pessoas tentam enganar aos outros com mentiras para benefício próprio. Iara Imperial engana a princesa Isabel para tentar roubar-lhe a posição;

Episódio #15

• Revista Illustrada – de cunho progressista que se opunha ao império e planejava um golpe para tomar o poder;

Episódio #16

• A república foi representada como golpe. Não houve nenhuma comemoração, as pessoas mal ficaram sabendo de tal mudança;

• Foi colocado em prática, ou, ao menos, pensado um plano para o apagamento da memória da monarquia;

Episódio #17

• Tiradentes foi inventado (no sentido de ser usado) como mártir e herói da república como plano para apagar a memória da independência;

• Comportamento contemporâneo – jovens caracterizam liberdade como o ato de comer e beber o que quiserem, o quanto quiserem, bem como ficar horas a fio na internet, sem nem ouvir as colocações dos pais;

• Lucrécia Imperial mente sempre para disfarçar suas vontades; Episódio #18

• Comportamento contemporâneo – ações sem pensar geram reações desastrosas provocadas pelos jovens, eles não medem consequências.

Nestas recorrências simbólicas, nossa interpretação vai de encontro com o Regime

Noturno75 das Estruturas Antropológicas. Identificamos aqui o tempo cíclico, característico da

estrutura de sensibilidade dramática, como a herança das relações societais, muito do que a

série destaca, faz em seus dois momentos, no passado e na contemporaneidade, mostrando essa dinâmica da repetição dos atos e também como símbolos do progresso76 brasileiro.

75 Regime Noturno da Imagem, na seção 3.4, página 46.

76 Grifo nosso, numa interpretação de eufemização dessa característica, como discutimos (discutiremos) na seção

O terceiro mitema, que identificamos de modo latente na obra, as sequências que

tratam dos relacionamentos em família e aqueles afetuosos, foi destacado nos seguintes

episódios:

Episódio #1

• Eram castigos considerados comuns, normais, aceitáveis no século XIX colocar as crianças para ajoelharem no milho, também as palmatórias; Episódio #2

• Beijo no rosto não era uma forma de tratamento – cumprimento de boas- vindas – habitual no século XIX. Iara Imperial beijou no rosto a família inteira do Duque, inclusive o frei que os acompanhava;

• Os casamentos na época de 1812 eram arranjados, decididos, entre os pais dos futuros noivos. As crianças eram prometidas desde pequenas, promessas que atendiam aos interesses sociais dos pais;

• Com 14 anos, Lucrécia Imperial já se considerava velha, quase sem idade para casar;

• Não existia beijo na boca em 1812. Todos estranharam quando Iara Imperial se recusou a casar com o filho do Duque, um dos motivos, não havia nem beijado na boca ainda;

• As crianças eram chamadas de infantes, elas não tinham nenhuma voz ativa na família. As mulheres eram tratadas como inferiores aos homens, num ponto Heliodoro Imperial diz: “ela é apenas uma criança, pior ainda, é uma mulher!”;

• Em 1812, Iara Imperial contesta: é preciso amor para namorar, noivar e casar;

Episódio #3

• Iara Imperial não lembra de ter visto em nenhum livro de história os registros de palmatórias como castigo/educação comum no século XIX; • Os casamentos arranjados, comuns no século XIX, eram feitos inclusive

para que guerras fossem evitadas. Dom João e Carlota Joaquina citam que se os casamentos fossem somente por amor, Portugal já deveria ter entrado em guerra contra a Espanha;

• Jonas Imperial pede a Dom João para que lhe providencie algum tipo de “privada” local para fazer sua higiene em particular;

Episódio #4

• As tratativas de negócios econômicos envolviam os relacionamentos dos filhos. Heliodoro queria casar sua filha Lucrécia Imperial com o filho do Duque para que ambos se tornassem sócios nos mais diversos empreendimentos;

• Comportamento contemporâneo – os relacionamentos afetivos como o ficar, não existiam no século XIX. Nem mesmo o beijo na boca;

Episódio #5

• Iara Imperial vai casar-se ainda criança, com 14 anos, com o filho de 9 anos do Duque;

• As esposas do século XIX eram incentivadas/forçadas a serem subalternas aos maridos;

• Era rito conhecido em 1812 as noivas se atrasarem para a cerimônia de casamento;

Episódio #7

• Era comum as crianças beijarem a mão dos pais para pedir benção a eles; • Lucrécia Imperial não entende nada de monogamia e começa a “ficar” com

todos os meninos na praia, em série e no mesmo dia;

• Os relacionamentos extraconjugais eram chamados de namoros. Para época, uma prática comum, porém não legal. Dom Pedro I, e sua enamorada Marquesa de Santos;

• Comportamento contemporâneo – as meninas em 2012 disputam em números sua popularidade medindo a quantidade de meninos que já beijaram;

Episódio #8

• Comportamento contemporâneo – Lucrécia Imperial sugere para Evandro procurar uma companheira por sites da internet;

Episódio #13

• Crianças não tinham escolhas. A princesa Isabel teve que fazer o juramento para ser Imperatriz do Brasil em 1860.

Quanto às recorrências simbólicas, mitemas, desta última relação, associamos aos

símbolos da inversão nas estruturas místicas do Regime Noturno da Imagem77, pois

identificamos a valorização da mulher, na representação do casamento, na busca pelo idealismo das relações de modo mais sensível, bem como isso nos levará ao pensar na terra, a pátria, a mãe-pátria78.

Elaborado o repertório das recorrências simbólicas acima relacionadas, também, pudemos associá-las à estrutura dramática do Regime Noturno, outro grupo de símbolos caracterizados pela substituição dos contrastes trágico e triunfante do devir numa concepção dramática da mediação dos contrários. Ratificamos que para Durand (2012, p. 432), o imaginário se manifesta como transformação eufêmica do mundo, como intellectus sanctus, como ordenança do ser às ordens do melhor e, como veremos adiante, o tempo é triunfante na elaboração, caracterização, nos parece, de uma identidade particularizada da nossa nação. Para tal, continuaremos, nos dedicaremos, ao próximo passo mitocrítico, à etapa 3 da análise.