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A NARRATIVA DA CULTURA PARA A IDENTIDADE DE UMA NAÇÃO

4 IDENTIDADE CULTURAL E NARRATIVA NACIONAL

4.1 A NARRATIVA DA CULTURA PARA A IDENTIDADE DE UMA NAÇÃO

As identidades nacionais, conforme Hall (2015, p. 34) oferecem tanto a condição de membro do estado-nação político quanto a identificação – simbólica – com a cultura nacional, numa condição de pertencimento. A construção de um sistema simbólico comum, reconhecido por todos, é decorrente das narrativas das manifestações culturais, saberes, práticas ou tradições, bem como dos objetos – das materializações – e edificações, um legado consciente e significativo herdado do passado sendo transmitido às gerações futuras. As narrativas, nesse sentido, sugerem ser o elemento determinante para representar simbolicamente uma identidade, o que Hall (2015, p. 11) chamou de processo de identificação, numa constante afirmação, nas narrativas simbólicas, dos elementos que a compõem – a identidade. Contudo, salientamos que esse recurso não se restringe apenas aos relatos textuais e nem mesmo exclui todas as demais formas de representação, como nos lembra Saliba (1996), “sabemos que a nação, como

comunidade imaginada foi construída culturalmente, não apenas através de suportes escritos,

mas também visuais, materiais – e toda uma ampla variedade de outros suportes que nossa época se encarrega, cada vez mais, de multiplicar”.

Segundo Silva (2003, p. 8), “todo imaginário é uma narrativa, um desafio, uma narrativa inacabada, um processo, uma teia, um hipertexto, uma construção coletiva, anônima e sem intenção”. Assim, o autor corrobora para nossa fundamentação de que uma identificação com certa nacionalidade é estritamente simbólica, num processo de narrativas dinâmicas que nos remetem ao conceito de mito. É essencial nos lembrar que o mito, segundo Pitta (2005a, p. 18), na teoria do Imaginário, é um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e schèmes que tende a se compor em relatos, a se apresentar em forma de história. Ainda, é função do mito fornecer modelos de comportamento, ou seja, permitir a construção individual e coletiva da identidade – podendo-se correlacionar, para nós, as identidades nacionais.

Hall (2015, p. 31-33) ao discutir como uma cultura nacional atua como fonte de significados, um foco de identificação e um sistema de representação, apresenta cinco aspectos abrangentes à questão de como é contada a narrativa de uma cultura nacional, as quais sintetizamos aqui:

1. A narrativa da nação, tal como é contada e recontada nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular. Essas fornecem uma série de histórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que simbolizam ou representam as experiências partilhadas,

as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação. Como membros de tal “comunidade imaginada”, nos vemos, no olho de nossa mente, como compartilhando dessa narrativa;

2. A ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e na intemporalidade da identidade nacional representada como primordial. Os elementos essenciais do caráter nacional permanecem imutáveis, estão lá desde o nascimento, unificado e contínuo, apesar de todas as vicissitudes da história;

3. A invenção da tradição, um conjunto de práticas, de natureza simbólica ou ritual, que buscam inculcar certos valores e normas de comportamentos através da repetição, a qual, automaticamente, implica continuidade com um passado histórico adequado. Tradições que parecem ou alegam ser antigas são muitas vezes de origem bastante recente e algumas vezes inventadas;

4. O mito fundacional, uma história que localiza a origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles se perdem nas brumas do tempo, não do tempo “real”, mas de um tempo “mítico”. Mitos de origem fornecem uma narrativa através da qual uma história alternativa ou contranarrativa, que precede as rupturas do colonialismo, pode ser construída; 5. A representação simbólica baseada na ideia de um povo puro, original, mas que, na realidade do desenvolvimento nacional, é raramente esse povo primordial que persiste ou que exercita o poder.

Os discursos da cultura nacional constroem identidades, ainda segundo Hall (2015, p. 33), que equilibram a tensão entre passado e futuro, “entre a tentação por retornar as glórias do passado e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade” – ou transpassar a contemporaneidade. Observamos ainda que a nação (enquanto sociedade) e a cultura se mantêm pela distinção – sua identidade – afirma Bauman (2012, p. 30), para ele, a durabilidade da identidade deve consistir na preservação da distinção, na simples diferença, mesmo na união de sucessivas – diferentes – formas de distinção como pertencentes à mesma identidade.

Há uma profunda diferença entre uma cultura simplesmente transmitida no correr da vida, na prática, em caráter informal, e a cultura transmitida por especialistas em tempo integral, comprometidos com a execução de poucas coisas além dessa, e que, ao transmiti-la, cumprem um dever formal e bem definido, especificado com certa minúcia nos textos normativos, que são fixos e não podem ser facilmente manipulados pelos indivíduos. A primeira tende a ser flexível, mutável e regionalmente diversificada, além de muito maleável, às vezes em grau extremado. A segunda pode tornar-se rígida, resistente à mudança e padronizada num extenso território (GELLNER, 1996, p. 111).

Esta reflexão de Gellner (1996) contribui para o que estamos buscando, qual seja, compreender a percepção de uma identidade nacional brasileira nesse âmbito formal, dos textos sobretudo históricos da nossa narrativa enquanto nação. Através da fundamentação apresentada por Hall (2015), os modos discursivos da narrativa de uma cultura nacional, bem como a percepção das transmutações que ocorrem com as identidades culturais – e nacionais – apontadas por Bauman (2012) e Gellner (1996), podemos, no âmbito da teoria do Imaginário, vincular tal discussão novamente ao conceito de trajeto antropológico – um objetivo específico da dissertação – retomando que Durand (2012) constrói essa ideia como a maneira própria para cada cultura de estabelecer a relação existente entre sua sensibilidade e o meio em que vive.

Afinal, o imaginário não é mais que esse trajeto no qual a representação do objeto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito, e no qual, reciprocamente, como provou magistralmente Piaget, as representações subjetivas se explicam pelas acomodações anteriores do sujeito ao meio objetivo (DURAND, 2012, P. 41).

Sobre todo o exposto, o que nos interessa, e nos limitamos, é constatar quais as manifestações, através da proposta mitodológica de Durand (1983; 1985; 1993; 1996; 2004; 2012), dos elementos simbólicos utilizados na narrativa audiovisual da série de TV Família

Imperial remetem à percepção da construção histórica da identidade nacional brasileira. Para

tal tarefa é indispensável, como parte fundamental, observar algumas vertentes possíveis e pertinentes relacionadas à(s) narrativa(s) da nação brasileira.