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HISTORIOGRAFIA OFICIAL

2.1.3.1  Arquitetura modernista no Brasil

Como  destacado  na  seção  1.2.3,  a  historiografia  sobre  o  Movimento  Moderno  internacional  apresenta  visões  internas  ao  Movimento,  ou  seja,  com  textos  e  relatos  escritos  pelos protagonistas e partícipes. Nestes pode‐se identificar a intenção de valorizar e defender a  possibilidade  de  existência  e  propagação  dos  ideais  pretendidos  pelos  modernistas.  A 

historiografia nacional e internacional ao tratar sobre o modernismo feito no Brasil na primeira  metade  do  século  XX  não  é  diferente,  principalmente  por  ter  como  base  principal  textos  de  época praticamente redigidos ao mesmo tempo em que as obras eram erigidas12.  

Artigos  como  de  Rino  Levi  (“A  arquitetura  e  a  estética  das  cidades”,  1925),  Gregori  Warchavchik  (“Acerca  da  Arquitetura  Moderna”,  1925)  e  Lúcio  Costa  (“Razões  de  uma  nova  arquitetura”,  1936),  são  alguns  manifestos  que  clamam  por  mudanças  na  arquitetura  nacional  através do rompimento com as tradições e da negação declarada da possibilidade de existência  de  outras  arquiteturas  que  não  tenham  como  princípios  a  funcionalidade,  racionalidade  e  ausência  de  ornamentos.  Os  textos  atestam  o  contato  desses  arquitetos  com  as  ideologias  defendidas pelas vanguardas européias e desejo de que as novas tendências sejam manifestadas  no país. 

Gregori  Warchavchik  é  considerado  por  alguns  autores  como  o  arauto  do  Movimento  Moderno  ao  tentar  reproduzir,  apesar  das  limitações  técnicas,  uma  arquitetura  modernista  e  que  se  oponha  ao  ecletismo  vigente  em  território  nacional.  Assim  como  Rino  Levi  publica  em  1925  artigo  versando  sobre  a  estética  da  nova  arquitetura  intitulado  “Acerca  da  arquitetura  moderna”.  A  crítica  ao  ecletismo,  a  busca  pela  racionalidade  presente  nas  máquinas  e  a  necessidade do arquiteto “amar sua época” (XAVIER (org.), 1987, p. 26) formam o arcabouço das  justificativas para a ascensão da nova arquitetura. 

Ambos  os  artigos  estão  bastante  inspirados  no  livro  “Vers  une  architecture”  de  Le  Corbusier  publicado  em  1923  onde  os  temas:  estética  dos  engenheiros;  arquitetura  como  volume; funcionalidade e imagens de transatlânticos, aviões e automóveis – consideradas pelo          12 Atualmente revisões sobre a postura de considerar hegemônica a arquitetura moderna no Brasil na  primeira metade do século XX já são revista como nas pesquisas de Hugo Segawa e Leonardo Castriota  que identificam outras tendências concomitantes que, ao seu modo, buscam dar resposta às  demandas modernas, conforme apresentado no sessão 1.2.2. 

autor como expressões plenas de racionalidade – são os princípios a serem seguidos pela nova  arquitetura que deve distanciar‐se dos “estilos” vigentes.  

Lúcio  Costa  tem  um  passado  de  projetos  em  “estilo”  neocolonial  e  se  converte  progressivamente aos ditames de Le Corbusier, Walter Gropius e Mies Van der Rohe.  

O  primeiro  causa  grande  impressão  sobre  Lúcio  Costa,  a  ponto  de  em  1936  o  próprio  propor  ao  Ministro  Gustavo  Capanema  e  ao  presidente  Getúlio  Vargas  a  vinda  (pela  segunda  vez13)  do  arquiteto  suíço‐francês  ao  Brasil,  agora  para  opinar  sobre  os  projetos  da  Cidade  Universitária e do Ministério da Educação e Saúde (MES), ambos no Rio de Janeiro, então capital  federal. Justamente no texto de 1936 “Razões de uma nova arquitetura” nota‐se uma influência  dos  “Cinco  pontos  da  nova  arquitetura”  definidos  por  Le  Corbusier.  Costa  destaca  que  a  nova  técnica  e  os  novos  tempos  exigem  soluções  novas  e  imbricadas  com  o  processo  industrial  ao  assimilarem a estética moderna e eliminar o ornamento.  

Especialmente no artigo de Rino Levi, “A arquitetura e a estética das cidades” de 1925,  nota‐se o desejo de realizar uma arquitetura de caráter brasileiro, absorvendo a cultura local e  não  só  reproduzindo  modelos  importados.  Este  enfoque  não  é  percebido  no  texto  de  Warchavchik  publicado  no  mesmo  ano.  Rino  Levi  salienta  a  necessidade  de  se  observar  o  que  acontece  no  exterior,  mas  resolver  os  problemas  locais  com  “alma  brasileira”  (XAVIER  (org.),  1987, p. 22).   Camisassa (1997) aponta o Pavilhão brasileiro na Feira Internacional de Nova Iorque em  1939 e a exposição “Brazil Builds. Architecture New and Old. 1642‐1942” – realizada no MoMA  em 1943 – como símbolos da mudança da ótica do discurso de um modernismo internacionalista  para um nacionalista. A exposição foi organizada por Philip E. Goodwin com fotografias de G.E.  Kidder Smith:          13 Le Corbusier vem ao Brasil pela primeira vez em 1929 para proferir palestras no Rio de Janeiro e São  Paulo. A segunda vinda em 1936 tem na época maior repercussão. 

Antes da exposição do MoMA, o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova  Iorque,  em  1939,  tinha  atraído  a  atenção  estrangeira,  mesmo  competindo  com  outros  importantes  edifícios  para  aquela  ocasião,  como,  por  exemplo,  o  Pavilhão  da Finlândia de Alvar Aalto. Entretanto, foi a exposição de 1943 que estabeleceu o  reconhecimento  internacional  da  arquitetura  brasileira.  (Camisassa  in  Cardoso,  1997, p. 80) 

 

O  desencadeador  da  busca  por  aspectos  de  brasilidade  na  produção  arquitetônica  modernista é Le Corbusier durante o projeto do Edifício MES, atual MEC (1936). A participação  do  arquiteto  franco‐suíço  na  elaboração  do  primeiro  edifício  que  aplica  os  princípios 

corbusierianos  em  uma  escala  monumental  no  país  também  é  o  catalisador  do  discurso  de 

adaptação  e  atualização  de  um  repertório  tradicional  e  local  à  arquitetura  do  Movimento  Moderno.  Le  Corbusier  recomenda  à  equipe  que  inclua  aspectos  tipicamente  regionais  na  proposta, como: o uso de materiais locais para revestimento, o uso de azulejos como painéis de  revestimento  de  superfícies  no  pavimento  térreo,  valorização  das  palmeiras  imperiais,  etc.  (ibidem,  p.  92).  Portanto,  no  Edifício  Capanema,  além  de  Lúcio  Costa  e  equipe  conseguirem  a  materialização  dos  princípios  do  mestre  franco‐suíço  em  um  projeto  público  de  escala  monumental,  a  questão  do  moderno  brasileiro  parece  ser  legitimada  com  a  introdução  intencional de elementos tradicionais, mas com uma leitura moderna. 

A  política  da  boa  vizinhança,  patrocinada  pelos  norte‐americanos  com  o  objetivo  de  manter o Brasil como um aliado durante a Segunda Grande Guerra (cujo um dos produtos é a  exposição Brazil Builds) e que durou de 1933‐1945, corrobora para a possibilidade de divulgação  em  âmbito  internacional  do  país e,  como  consequência,  de  sua  arquitetura.  O  aspecto  exótico  que  o  Brasil  desperta  no  exterior  e  o  susto  da  crítica  estrangeira  ao  deparar‐se  com  uma  produção  arquitetônica  modernista  de  qualidade  –  apesar  de  desvinculada,  de  certa  maneira,  aos  princípios  funcionalistas  europeus  –  também  parecem  ser  motivos  que  alimentam  a  necessidade de justificar a arquitetura moderna feita no Brasil como resultado de uma cultura 

espontânea  e  criativa  que  desde  os  primórdios  da  ocupação  interpreta,  a  seu  modo,  as  tendências européias.  

A exposição Brazil Builds ao selecionar alguns exemplares da produção contemporânea  brasileira  e  colocá‐los  lado  a  lado  a  um  passado  luso‐brasileiro  barroco  grandioso,  transforma  algumas  composições  em  traduções  modernas  perfeitas  da  grandiloqüência  e  originalidade  do  barroco em terras tupiniquins. É como se os arquitetos modernistas, ao se oporem ao ecletismo  vigente,  apropriam‐se  do  discurso  de  arquitetura  como  identidade  nacional  empregada  pelo  “estilo” neocolonial, mas diferente desses, não almejam reproduzir as formas pretéritas, e sim,  dar  a  elas  um  aspecto  moderno,  como  se  fossem  os  herdeiros  diretos  desse  passado.  O  manifesto  Antropofágico  de  Oswald  de  Andrade  publicado  em  1928  e  todo  o  burburinho  proporcionado  pela  Semana  de  Arte  Moderna  de  1922,  também  parece  influenciar  de  alguma  maneira o discurso que se processa na arquitetura.  

O artigo publicado em 1944 na revista inglesa Architectural Review, reflete o fascínio da  arquitetura moderna brasileira no exterior e vai destacar a ligação entre o passado (barroco) e o  presente  (modernista).  Para  o  artigo,  ambos  estão  em  harmonia  com  o  sítio  e,  assim,  a  arquitetura moderna brasileira é tão nacional quanto à de suas antigas construções:  The link between new and old in Brazil, as everywhere else, lies in the climate and  the landscape, and this mutual harmony is governed by a rule, that so long as what  is new is good it will go together, perfectly with the old. Not that, in Brazil, old and  modern buildings stand side by side, but both have been built in harmony with the  setting, and so form an entity […] The modern is just as much Brazilian as the old…  (Architecture Review, 1944, s.n.)    A forma de organização do livro de Mindlin (2000) “Arquitetura Moderna no Brasil”, cuja  primeira  edição  em  inglês,  data  de  1956,  onde  o  colonial  é  retratado  e  ilustrado  no  início  da  publicação  e,  sem  transição,  inicia‐se  a  apresentação  das  obras  modernistas,  não  refuta  a  intenção  de  dar  a  impressão  de  continuidade  do  modernismo  brasileiro  com  a  arquitetura  do  período  colonial.  Para  reforçar  o  discurso  de  que  há  um  modernismo  brasileiro,  Mindlin 

considera  que  “a  arquitetura  internacional  se  tornou  arquitetura  brasileira”  (ibidem,  p.  23),  e  desqualifica  o  neoclassicismo  trazido  pela  Missão  Francesa  em  1816  ao  Rio  de  Janeiro  e  consequente ecletismo, como uma “europeização artificial” imposta “a uma capital provinciana,  primitiva e atrasada” (ibidem, p. 24).  

 O  prefácio  escrito  por  Giedion  para  o  livro  de  Mindlin  (2000)  afirma  a  pretensão  dos  arquitetos  modernistas  brasileiros  como  continuadores  do  período  colonial.  O  historiador  até  utiliza  este  aspecto  para  justificar  que  o  tratamento  das  fachadas  externas  planas  com  elementos  que  a  protejam  de  fatores  climáticos  faz  parte  de  uma  cultura  arquitetônica  legitimamente  nacional  e  condicionada  pelo  clima  local.  Portanto,  os  cobogós  e  os  revestimentos em azulejos adquirem o status de atualizadores modernos desse sistema anterior.  Os  brises‐soleil,  apesar  de  já  terem  sido  empregados  por  Le  Corbusier  em  projetos  anteriores,  associam‐se ao repertório de soluções que refletem nacionalidade ao modernismo brasileiro: 

No  Brasil,  a  arquitetura  contemporânea  deitou  raízes  no  solo  tropical.  Embora  tenha  surgido  no  momento  em  que  grandes  obras  estavam  sendo  projetadas,  jamais perdeu o contato com seu passado regional [...[] 

[...]  O  Brasil  já  tinha  a  tradição  de  realçar  a  superfície  de  suas  fachadas,  tão  submetidas  à  pressão  do  clima  tropical,  por  meio  do  tratamento  estrutural  das  superfícies  planas.  Os  arquitetos  contemporâneos  reelaboram  essa  tradição,  incluindo  em  seus  projetos  painéis  externos  vazado,  cobogós  [...],  azulejos  utilizados  de  maneira  inovadora,  e  o  brise‐soleil  [...]  (Giedion  in  Mindlin,  2000,  p.  17) 

 

Quanto  ao  neocolonial,  apesar  do  relativo  entusiasmo  ao  “estilo”  como  representativo  da identidade nacional nos primeiros anos da década de 1920, esta posição passa a ser revista  através de artigos críticos como de Mário de Andrade e Lúcio Costa que passam a relegá‐lo ao  posto  de  ser  mais  um  ecletismo  na  arquitetura.  Bruand  (2008)  não  nega  a  importância  do  neocolonial  como  o  momento  de  tomada  de  consciência  da  possibilidade  de  originalidade  na  arquitetura brasileira que se reflete na produção modernista posterior. Só o fato de Lúcio Costa  – antes um partidário do neocolonial e futuramente convertido ao Movimento Moderno – deter‐ se ao estudo atento dos edifícios do período colonial e do barroco brasileiro, denuncia o desejo 

de dominar os códigos compositivos e princípios dessas arquiteturas, mas não mais para imitá‐ los como no neocolonial, mas como conceito. 

A busca por uma representação nacionalista na arquitetura, que fosse ao mesmo tempo  moderna e nacional e ainda desvencilhasse qualquer ligação com o sistema político anterior, é  uma  forte  aspiração  observada  na  década  de  1930  com  Getúlio  Vargas  no  poder.  Em  um  primeiro  momento,  um  modernismo  de  gosto  déco  é  empregado  e  progressivamente  substituído por um modernismo mais racionalista.  

Para Comas (2010b) o discurso nacional que permeia a arquitetura moderna brasileira e  passa  a  impregnar  o  discurso  de  Lúcio  Costa  a  partir  da  década  de  1930,  também  pode  ser  conseqüência de uma visão realista das condições do Brasil na década de 1930. O país apresenta  nesta  época  uma  industrialização  insipiente,  onde  é  impossível  materializar  a  arquitetura  apregoada pelo Movimento Moderno internacional cuja base é a standartização.  

A  arquitetura  proposta  por  Warchavchik,  por  exemplo,  realiza,  quase  que  artesanalmente  na  Casa  à  Rua  Santa  Cruz,  construída  em  1927‐28,  em  São  Paulo,  os  itens  propostos no manifesto de 1925 de sua autoria. Trata‐se de um modernismo epidérmico, onde  soluções tradicionais são camufladas para darem a ilusão de serem inovadoras: os telhados de  barro são escondidos por platibandas, as paredes são em tijolos maciços, as maçanetas, grades e  esquadrias são encomendadas (pois não havia no mercado opções condizentes com a intenção  estética  do  arquiteto)  etc.  Para  termos  uma  ideia  do  impacto  dessa  construção  na  época,  Warchavchik, para obter a aprovação do projeto, apresenta uma proposta ao serviço de censura  (que fazia a aprovação dos projetos) repleta de elementos decorativos afixados às fachadas, pois  não  foi  tolerada  a  apresentação  de  paredes  livres  de  adorno.  Posteriormente,  durante  a  execução  da  obra,  o  arquiteto  diz  ao  serviço  de  censura  não  conseguir  dar  o  acabamento  decorativo por questões financeiras (BRUAND, 2008).  

Esse  modernismo  de  aparências  não  é  exclusividade  de  Warchavchik:  nas  primeiras  décadas do século XX, muitas arquiteturas modernas adotam esse recurso como única forma de  garantir a estética que almejam. Em Londrina/PR (objeto de estudo na dissertação) na década de  1950  ainda  são  encontradas  edificações  que  encobrem  telhados  cerâmicos  com  platibandas  e  que  apresentam  paredes  estruturais  em  tijolos  maciços,  apesar  de  apresentarem  caráter  modernista.  Por  ser  uma  cidade  interiorana,  longe  dos  grandes  centros  e  ainda  pouco  desenvolvida  na  primeira  metade  do  século  XX  e,  em  muitos  casos,  esta  se  torna  a  única  estratégia de viabilizar a estética da nova arquitetura. 

Dessa forma, o caminho a seguir pela arquitetura modernista no Brasil passa também a  ser  outro  do  internacional,  onde  as  condições  locais,  ao  invés  de  serem  limitações,  tornam‐se  possibilidades  de  explorar  outros  aspectos  dotando  a  arquitetura  de  brasilidade.  Sendo  assim,  faz sentido a figura de Le Corbusier ter maior aceitação e carisma do que a de Mies Van der Rohe  ou Walter Gropius. 

Pode‐se  dizer  que  a  aceitação  e  justificação  de  arquitetura  moderna  que  Lúcio  propunha  estavam  tacitamente  qualificadas  por  uma  visão  realista  do  contexto  econômico e político brasileiro dos anos 1930. Seria absurdo defender os princípios  e  cânones  modernos  como  resposta  imperativa  às  demandas  operacionais  e  disponibilidades  tecnológicas  de  uma  sociedade  mecanizada  em  um  país  cuja  industrialização era apenas incipiente[...] (Comas in Guerra (org), 2010, p. 66)   

A modernidade que busca aspectos de brasilidade é a mais referenciada quando se trata  sobre a arquitetura brasileira que passa a ser caracterizada pela busca por ser uma referência de  modernidade  e  tradição.  Neste  grupo  podem‐se  incluir  as  obras  de  Lúcio  Costa  e  Oscar  Niemeyer, sendo o primeiro, figura dominante na difusão desses ideais. O vocabulário proposto  por  Le  Corbusier  passa  a  ser  reinterpretado  e  até  ludicamente  proposto  como  no  Museu  das  Missões no Rio Grande do Sul (1937‐45) e no Park Hotel em Nova Friburgo/RJ (1940). Em ambos  os projetos Lúcio Costa faz uso do vocabulário corbusieriano, mas adota materiais inusitados e  locais.  

Niemeyer  apresenta  diferentes  fases  e,  ao  longo  das  décadas,  progressivamente  abandona  a  preocupação  com  o  detalhamento  em  seus  projetos  e  simplifica  sua  pesquisa  a  exploração da expressividade formal proporcionada pelo concreto armado. Esta fase parece se  iniciar a partir de Pampulha e tem o ápice em Brasília se intensificando ainda mais atualmente.  Nas obras de Pampulha a curva é determinante principalmente para a concepção da marquise  da Casa de Baile e da Igreja de São Francisco. Aliás, a curva é o grande símbolo da arquitetura  moderna nacional já prenunciada no Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque e  assumida  por  Niemeyer  como  parte  de  seu  repertório.  Curva  que  tem  uma  relação  com  a  arquitetura  barroca  atribuída  a  Aleijadinho,  mistura  de  gênio  e  mito.  Niemeyer,  ao  final  da  década de 1950, sofre duras críticas pelas preocupações mais formais em sua obra, onde então  elabora as justificativas para sua proposta: a exploração máxima das possibilidades do concreto  armado;  a  busca  pela  beleza  plástica  e  imaginação,  deixadas  de  lado  pelas  preocupações  funcionalistas.  Aranha  (2010b)  estabelece  paralelo  entre  a  produção  de  Niemeyer  e  Rino  Levi,  onde  o  primeiro  se  consolida  como  um  gênio  e  o  segundo  tem  a  arquitetura  como  um  ofício  centrada na resolução clara dos detalhes e programa. Este seria também o caso dos escritórios  dos Irmãos Roberto e Affonso Reidy.  

A  arquitetura  proposta  pelos  Irmãos  Marcelo  e  Milton  Roberto  do  Rio  de  Janeiro  é  considerada por Braund (2008) como à parte do grupo encabeçado pela figura de Lúcio Costa. As  superfícies  externas  –  agora  solta  da  função  de  sustentação  já  que  o  sistema  estrutural  é  independente – assume uma importância chave para a composição arquitetônica e passa a ser  tratada  como  um  elemento  plástico.  Outros  arquitetos,  também  exploram  as  fachadas  como  elementos plásticos através de propostas de mecanismo de proteção solar. O edifício Caramuru  de 1946 – projeto de Paulo Antunes Ribeiro – tem térreo e mezzanino ocupando todo o lote de  esquina,  os  sete  pavimentos  superiores  apresentam‐se  recuados  e  nas  fachadas  são  afixados 

painéis de proteção solar preenchidos por uma malha metálica. Estes conferem uma quebra da  monotonia dos planos verticais (FICHER; ACAYABA, 1982). 

O  Edifício  Caixa  d´Água  projetado  por  Luis  Nunes  em  pleno  centro  histórico  de  Olinda  data de 1937. Sua forma em lâmina sobre pilotis tem o fechamento de um dos planos através de  elementos vazados chamados cobogós, cuja patente do nome foi registrada pelos engenheiros  inventores  pernambucanos  em  1929  e  são  inicialmente  fabricados  em  concreto  para  depois  receberem  versões  em  cerâmica  e  vidro.  Os  cobogós  são  mais  uma  estratégia  de  controlar  a  incidência solar, sendo que seu uso é largamente difundido no Brasil como forma de permitir a  aeração  de  ambientes  e  ao  mesmo  tempo  privacidade14.  Desta  forma,  são  associados  aos  antigos  muxarabis  das  cidades  coloniais  brasileiras  –  que  são  malhas  treliçadas  em  madeira  utilizadas para o fechamento de vãos externos – e tornam‐se parte da atualização do repertório  tradicional luso‐brasileiro pela arquitetura modernista. 

As  questões  sociais  também  permeiam  preocupações  de  arquitetos  modernistas  brasileiros, entre estes, muitos alinhados a ideologia socialista. O projeto de Affonso Reidy para  o conjunto residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como Pedregulho (1947‐1952), se  insere na discussão de um papel mais social para a arquitetura moderna onde a construção de  grandes  complexos  habitacionais  passa  a  ser  realizados  pela  iniciativa  pública.  João  Vilanova  Artigas tem sua fase mais expressiva pautada por questões sociais e de negação do imperialismo  americano.  Em  sua  fase  inicial  nota‐se  a  influência  de  Frank  Lloyd  Wright  em  projetos  residenciais, influência que é progressivamente somada a de Le Corbusier e os cinco pontos da  nova  arquitetura  até  se  encaminhar  para  a  sua  última  fase  em  que  busca  uma  arquitetura  compatível com sua ideologia. Artigas nunca deixa de admirar Wright e considera os edifícios e  residências  projetados  por  este  como  expressões  de  “ideais  democráticos”  (ARTIGAS,  2004,  p. 

        14

97). Na última fase – que se identifica a partir de meados da década de 1950 e 1960 – a crítica  social é materializada através do uso do concreto em estado bruto e, nas residências, a negação  à cidade capitalista é atingida com projetos mais intimistas, comumente adotando a tipologia de  pátio e empenas‐cegas (ao invés de fachadas com aberturas) voltadas para as vias.  

 

1.3 A relação da arquitetura com a cidade nos modelos de