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art 169º do Código Penal Tráfico de pessoas

Quem por meio de violência, ameaça grave, ardil, manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou aproveitando qualquer situação de especial vulnerabilidade, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de pessoa, ou propiciar as condições para a prática por essa pessoa, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Este crime é um dos poucos integrados no capítulo dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual que tem natureza pública.

Apresenta desde logo uma limitação: considera para punição apenas o tráfico internacional remetendo o nacional para outras previsões legais como o art. 159º (escravidão). Há, neste, ponto divergência doutrina: a perspectiva mais abrangente geograficamente deste tipo de crime é a dos que defendem que a expressão “pais estrangeiro” tem como ponto de referência a nacionalidade da vítima e não Portugal. Por outro lado “desapareceu no articulado da norma a

referência à realização do “tráfico de pessoas” que constava da versão do Código de 1982. Com efeito, traficar significa “mercadejar”, “negociar”, “comercializar”, sentido que fica aquém do que se quer conferir á incriminação, que visa abranger a deslocação de pessoas para o estrangeiro.”32 A punição para condutas autónomas, verificados os elementos típicos do TSH que ocorram em território nacional, é realizada através das disposições do art.170ºCP (lenocínio), art.163º (coacção sexual), art. 164º (violação) e art. 299º (associação criminosa) e Lei

32 Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial. Tomo I. Artigos 131.º a 201.º. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 510 e sgts.

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5/2002 de 11/01, se se verificarem os elementos típicos desses crimes. A aplicação no espaço contudo está de acordo com o princípio subsidiário da universalidade (art.5º, nº1 CP) que determina que a lei portuguesa é aplicável (condições de aplicação: agente encontrado em território nacional não podendo ser extraditado):

a) Ainda que o TSH tenha sido cometido fora de território nacional (art.4º CP); b) Independentemente da nacionalidade do agente.

È aqui claro que se trata de um crime que atenta contra um bem jurídico que carece de protecção internacional.

Uma segunda, e crassa limitação, é o fim do TSH ser restringido à exploração sexual (ainda que englobando menores). Com efeito as pessoas são traficadas também no âmbito de outras actividades ilícitas como o trabalho forçado, servidão, escravatura, tráfico de órgãos, mendicidade entre outros.33 Na alteração de 1998 CP passou a prever autonomamente o tipo legal de crime tráfico de menores (art. 176ª nº2). Pela primeira vez há a protecção do bem jurídico em causa que é a liberdade e autodeterminação sexual quando ligada ao livre desenvolvimento da personalidade do menor (de 16 anos) na esfera sexual. Prevê-se ainda o agravamento da pena em 1/3 nos termos do art.177º CP. De fora fica o tráfico de órgãos, que é punido como ofensa à integridade física grave (art.144ºCP) deixando também por punir todo o restante processo como o aliciamento, transporte, alojamento e acolhimento sem existir necessariamente intenção lucrativa por parte do agente. De fora fica igualmente o TSH para

33 Tal como art.3º a) do Protocolo para a Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças associado à Convenção ONU sobre Criminalidade Organizada.

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exploração de mão-de-obra que ou se enquadra no crime de escravidão, previsto no art. 159º do CP, ou se enquadra na angariação da mão-de-obra ilegal (art.185 da Lei 23/2007 de 04/07, Decreto-Lei 4/2001 de 10/01 e pelo Decreto-Lei 34/2003 de 25/02) ou não tem cabimento. O meio para atingir o fim, ou seja o tipo legal de crime de auxílio à imigração ilegal está consagrado nos arts. 183º e 184º da Lei 23/2007 de 04/07 (Lei da Imigração) nos casos de vítimas estrangeiras trazidas para Portugal existindo, nessa situação, concurso efectivo entre este e outro crime aplicado nestas situações – já com o de lenocínio e violação será concurso aparente. A aplicação destes artigos, devido às várias deficiências encontradas no art.169ºCP podem levantar algumas críticas:

A aplicação do art. 170ºCP (lenocínio):

a) Agente tem de actuar “profissionalmente ou com intenção lucrativa” (com excepção no caso de serem menores);

b) Ignora o facto de a vítima ter sido levada para outro país que não o da sua nacionalidade, aumentando-lhe desta forma a sua vulnerabilidade.

A aplicação do art. 183º da Lei 23/2007 de 04/07 (auxílio à imigração ilegal):

a) Não abrange os casos de uma pessoa puder ser traficada para outro país em situação legal;

b) Incide sobre a situação de irregularidade no território português, constatando-se que o bem jurídico aqui protegido é bem diferente do crime de tráfico de pessoas: a protecção da soberania do Estado Português.

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O crime de TSH é um crime de resultado, a sua consumação verifica- se com a prática pela vítima da prostituição ou de actos sexuais de relevo, não bastando para tal efeito o mero aliciamento. Assim sendo nos casos em que não se chega a verificar o exercício da prostituição ou prática de actos sexuais de relevo estamos perante a mera tentativa do crime de TSH, punível de acordo com o art.23º nº1 CP.

Como já vimos a comunidade internacional considera um crime grave, uma ameaça internacional, a aumentar paralelamente com a criminalidade organizada, fenómeno que o TSH, tal como o tráfico de armas ou de droga, faz parte. Essa gravidade reflectiu-se na moldura penal, considerada à luz do nosso Direito, pesada: pena de 3 a 8 anos, com a particularidade de puder ser agravada nos casos da vítima estar colocada numa especial posição de vulnerabilidade considerados no art.177nº1 a) CP (relação familiar ou equiparada entre a vítima e o agente) e no art.177nº1 b) CP (relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho). Remete-se a análise da legislação no que concerne ao apoio às vítimas para o capítulo a elas dedicado neste estudo.

O CP foi entretanto alterado (Lei 59/2007 de 04/09/2007). A responsável por tal alteração foi a Unidade de Missão para a Reforma Penal, criada pela Resolução do Conselho de Ministros nº113/2005 de 29/07. A Revisão assumiu a forma de Proposta de lei nº98/X e “abrange modificações materiais

propriamente ditas, aditamentos e meros ajustamentos formais”.34 Entre estas várias alterações destacam-se as suscitadas por obrigações comunitárias e internacionais nomeadamente, para a questão em causa:

34

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• O Protocolo Facultativo à Convenção dobre os Direitos da Criança (venda de crianças, prostituição e pornografia infantil) – Maio 2000;

• Convenção da ONU – contra a criminalidade Organizada Transnacional e protocolo adicional relativo à Prevenção e à Punição de Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças;

• Decisão Quadro 2002/629/JAI, do Conselho, de 19/07/2002, relativa à luta contra o TSH;

• Decisão Quadro 2004/68/JAI, do Conselho, de 22/12/2003, relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e pornografia infantil;

Convenção do Conselho da Europa contra o TSH assinada por Portugal a 16/05/2005 (Convenção de Varsóvia).

O fortalecimento dos bens jurídicos enquadrados nas orientações políticas nacionais, europeias e mundiais permitem que a resposta a fenómenos criminais graves, como o TSH, identificado pela própria Constituição da República Portuguesa no art.34,nº3 seja mais eficaz, acompanhando o evoluir da criminalidade.

A nova redacção do CP, em vigor desde 15/09/2007, para o crime de

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Lei 59/2007 de 04/09 - Código Penal