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3.3 Enquadramento Jurídico ao Nível Nacional

A anterior análise desta questão exige agora que nos debrucemos sobre a realidade criminológica e o sistema de reacção penal português.

Os alertas mundiais têm vindo a ser emitidos das mais variadas formas no sentido do aumento do crime organizado mas, curiosamente, a comunidade científica tem vindo a estagnar na busca do conhecimento nesta matéria: é realmente difícil lutar contra adversidades como a qualidade do crime praticado (muitas vezes altamente organizado, complexo, com elevado grau de opacidade da acção dos agentes do crime), com a escassa colaboração das vítimas (que são sujeitas a um apertado controle dos traficantes, que desconhecem a língua, que assumem uma desorientação geográfica, que receiam as represálias, que desenvolvem um sentimento de desconfiança em relação às instâncias formais

28 Locais onde a prostituição floresce fomentam o crescimento do TSH, segundo o United States

Department of State Report (2007) “Trafficking in Persons Report” (June). Acedido a 12/07/2007 - Disponível na Internet: http://www.state.gov

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de controle do país de destino), com as dificuldades levantadas pelos vários instrumentos legais (noções ultrapassadas de TSH, desadequação ao fenómeno, conceitos legais nem sempre coincidentes, legislação dispersa) ou com a dificuldade de definição conceptual entre TSH a as actividades que lhe estão próximas, utilizam meios idênticos mas no seu cerne e nas suas consequências são bastante diferentes (tal como se verificou aquando a distinção entre TSH e

Auxílio à imigração ilegal).

Portugal encontra-se, em termos mundiais, a meio da escala do desenvolvimento económico e social – em vigésimo nono no Índice de Desenvolvimento Humano referente a 2006 publicado em 200729 - o que o torna

um país atractivo para quem vive em países subdesenvolvidos, sem quaisquer perspectivas imediatas de melhoria das condições de vida. Simultaneamente, e devido a questões culturais, associados ao desenvolvimento da economia, o nosso país apresenta procura tanto na área da prostituição como na da mão-de- obra. Como já vimos o TSH pode ser visto de uma perspectiva mercantilista, ainda que ilícita, nascendo do encontro da procura e da oferta.

Ainda antes da entrada em vigor do primeiro CP do pós-25 de Abril já o Parecer da Procuradoria Geral da República P00101197830 de 1978, cujo relator foi o Procurador Geral Adjunto Miller Simões, sublinhava, na sua conclusão, as

“sugestões da Polícia Judiciária no sentido de se adoptarem medidas legislativas tendentes a uma previsão legal completa das situações de TSH com vista à sua

29Disponível na Internet: http://hdr.undp.org/en/media/hdr_20072008_en_indicator_tables.pdf. O IDH é um indicador sintético que engloba três indicadores de desenvolvimento económico e social: o rendimento per capita, esperança de vida e a taxa de alfabetização da população adulta. É uma alternativa ao PNB para medir o progresso socioeconómico relativo das nações e permite comparações entre países.

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exploração sexual predominantemente de mulheres, e a sua punição com penas de gravidade correspondente, e, bem assim, a proporcional uma intervenção adequada e exclusiva daquela Polícia na investigação desses crimes (...) ”.

O ordenamento jurídico português aprovou o CP de 1982 (Decreto-Lei 400/82 de 29 de Setembro) no qual o crime de TSH estava previsto no art.217º, na secção dos “crimes sexuais”, no capítulo relativo aos “crimes contra os

fundamentos ético-sociais da vida social”. Punia o tráfico internacional de pessoas “mesmo com o seu consentimento, para a prática (...) da prostituição ou de actos contrários ao pudor ou à moralidade sexual”. A moldura penal foi

estabelecida entre os 2 e os 8 anos e multa até 200 dias. No caso do agente actuar com intenção lucrativa, profissionalmente ou com recurso à violência ou ameaça grave a pena seria agravada. O mesmo sucedia se a vitima fosse conjugue, ascendente, descendente, filho adoptivo enteado ou tutelado do agente ou nos casos de entrega com vista à sua educação, direcção, assistência, guarda ou cuidado.

A reforma de 1985 (Decreto Lei 48/95 de 15/03) do CP criou o art.169º o qual estava integrado na secção de “crimes contra a liberdade sexual” no capítulo dos “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”. A grande alteração é a de que o crime fica dependente da situação de abandono ou necessidade: “quem (...) levar outra pessoa à prática em país estrangeiro da

prostituição ou de actos sexuais de relevo, explorando a sua situação de abandono ou de necessidade (...)”. Mantinha a medida da pena anterior. Contudo

a redacção da Lei 65/98 de 02/09 omite a referência à situação de abandono e necessidade, só subsistindo a incriminação quando existe a prática daqueles

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actos “por meio de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta”. O espírito da lei reside assim na privação da capacidade de livremente e de forma esclarecida optar por dedicar-se à prostituição ou a actos sexuais de relevo. Rodrigues (2000) critica esta alteração: “ (...) correspondeu às exigências de

alargar, tornando-a mais fácil, a incriminação de certas condutas ligadas ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. O que não deve deixar de assinalar é que se sacrificou a coerência das incriminações com o que à luz de uma certa compreensão das coisas inspira o nosso direito penal, e designadamente dos crimes sexuais, se entende que fundamenta a sua intervenção. Com efeito, só a verificação daquele requisito fazia ressalvar, com toda a nitidez, que o bem jurídico protegido com as incriminações é a liberdade de autodeterminação sexual da pessoa”.31

Ao longo das várias alterações mantiveram-se como características do crime:

a) O recrutamento de alguém;

b) A prática da prostituição ou de actos sexuais de relevo; c) Em outro país.

A redacção do art. 169º – Tráfico de Pessoas – (Lei 99/2001 de 25/08) era a seguinte:

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RODRIGUES, Anabela Miranda(2000) ”O papel dos sistemas legais e a sua harmonização para

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art. 169º do Código Penal