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Assistência, Acompanhamento, Reintegração

És ambicioso?

4.1.3 Assistência, Acompanhamento, Reintegração

O fenómeno do TSH contínua, apesar do muito que se tem feito, num impasse gerador de indefinições. Apesar do esforço para traçar limites, ao nível da comunidade internacional, entre o TSH e o auxílio à imigração ilegal, as vítimas do primeiro continuam a ser tratadas frequentemente como imigrantes ilegais, confrontadas com a detenção ou com a deportação. Permanece também ainda a errada ideia de que as vítimas de TSH são de algum modo cúmplices deste crime, sendo esquecida a coacção constante em que vivem, aplicando-se- lhes medidas de deportação em vez de outras de cariz protector, adequadas à sua condição vulnerável.

O impacto que o TSH tem nas suas vítimas pode ser devastador: extorsão, condições de vida deploráveis, desnutrição, ausência ou deficiente

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United States Department of State Report (2007) “Trafficking in Persons Report” (June). Acedido a 12/07/2007 - Disponível na Internet: http://www.state.gov

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assistência sanitária, medo físico e psíquico constante, abortos forçados ou homicídios impunes. As vítimas tornam-se dependentes, isoladas socialmente, vulneráveis, expostas ao racismo, à xenofobia, à discriminação e intolerância de vários tipos. O TSH tem ainda repercussões nefastas na saúde, física e mental, das suas vítimas quer a curto quer a longo prazo: o transporte provoca, logo à partida, risco de vida devido à inanição, ao possível isco de afogamento, sufocação, etc. As vítimas de exploração sexual são expostas a todo o tipo de violências físicas e psicológicas, frequentemente contagiadas com doenças sexualmente transmissíveis. Por fim, as que conseguem escapar, que são protegidas, apoiadas e conseguem voltar às suas origens enfrentam, além da sua dor, do sentimento de culpa por terem falhado na sua aventura, a desonra e o ostracismo, a rejeição das suas próprias famílias, correndo assim o elevado risco de serem traficadas de novo.

Aos actuais modelos de protecção das vítimas ainda sobrepõem as necessidades legais às individuais, protecção da vítima não significa necessariamente protecção dos Direitos Humanos. Está lançado um desafio aos governos para que ratifiquem os instrumentos legais internacionais e, simultaneamente, criem legislação interna e estruturas de apoio preparadas para as particularidades de cada vítima. Das quarenta e cinco recomendações para combater o TSH que um estudo da Anty-Slavery Internacional49 adianta, na

sequência de uma comprovada necessidade de institucionalização de práticas eficazes, constatamos que trinta e oito são referentes às vítimas (as temáticas

49 Através da colaboração com as ONGs de dez países, teve como objectivo investigar várias medidas, sobretudo de protecção às vítimas de TSH, para que os governos as coloquem no centro das suas politicas anti-tráfico. “Trafico Humano, Direitos Humanos: Redefinindo a Protecção às Vítimas”. Acedido a 08/08/07. Disponível na Internet: http://www.antislavery.org

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principais são a autorização de residência, protecção contra represálias, protecção da vítima enquanto testemunha, assistência, recuperação e reintegração, representação judicial, compensação e restituição legal e regresso ao país de origem).

A prevenção do TSH, quando existe em si uma efectiva aposta, tem demonstrado resultados não só do lado das potenciais vítimas, sensibilizando-as para as múltiplas formas de aliciamento, para os riscos que correm quando se vejam tentadas a aceitar uma proposta que lhes parece um sonho mas que rapidamente se transformará num pesadelo, tentando valorizar o bem vida, as relações familiares ou comunitárias, conduzindo este (s) grupo(s) em risco a uma alternativa que em nada se identifica com o TSH. Por outro lado ao serem colocados os holofotes sobre a procura, alimentando a consciência social, informando de que quem nela está inserido comete um crime, tem um efeito dissuasivo por exemplo nos clientes da indústria do sexo, no turismo sexual e eventualmente nos recrutadores de mão-de-obra escrava que, ao saberem da possibilidade eminente de fiscalização, retraem-se.

O combate ao TSH requer uma coordenação de todos os actores envolvidos nos mais diversos níveis. As ONGs têm um papel fundamental sobretudo o âmbito da prevenção e do contacto próximo com a potencial ou efectiva vítima, reencaminhando-a, aconselhando-a, protegendo-a, sem o estigma de se tratar de uma autoridade dependente da máquina estatal. A identificação das vítimas é o primeiro passo a dar, requer profissionais especializados e infra-estruturas (reforçadas no caso de se tratar de uma criança) para que a pessoa em causa se sinta num território seguro. Depois o factor

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tempo lidera: podem levar semanas, meses para que a confiança necessária seja estabelecida, para que a vítima secundarize o trauma e o medo e fale sobre a sua realidade. Após esta fase inicial, cabe ao Estado oferecer-lhes um período de reflexão razoável – em Portugal vai de 30 a 60 dias – e um visto de residência, se assim o desejar – direitos básicos que um ser humano naquelas condições deve ter, como já referimos aquando da análise do enquadramento jurídico. Segue-se o papel determinante da assistência social que deve prover as necessidades imediatas da vítima e TSH mas, a médio e longo prazo, deve-lhes também permitir que criem defesas, accionando a sua reintegração social, abrindo-lhes rumos reais e viáveis para que escape definitivamente do tráfico, da violência, da exploração. Estes programas, esta assistência deve efectivar-se quer nos países de destino, quer nos de origem ou em quaisquer outros por onde possa passar a vítima de TSH. Importa que as vítimas sejam acompanhadas adequadamente durante todo esse tempo para que recuperem o controle das suas vidas, na medida do possível, através de uma satisfatória monitorização na reintegração. Todo este processo contribui de uma forma decisiva para a recolha de informação, para aperfeiçoamento de procedimentos, elaborando-se e uma estratégia que permita o fortalecimento dos esforços na luta contra o TSH quer na vertente preventiva, quer no combate e efectiva protecção de todas as vítimas identificadas.

A magnitude do TSH tem vindo assim aumentando ao mesmo ritmo que as assimetrias sócio-económicas do mundo, as vítimas – a sua origem, a sua fragilidade – e a negligência dos governos mundiais para com elas, numa espécie de banalização da desigualdade. Por tudo isso o TSH tem sido mencionado como

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o lado negro da globalização, por tudo isso na comunidade internacional ecoa a frase que a conduz cada vez mais à protecção das vítimas: “desperate people will

resort to desperate measures”.50

4.2 Recrutadores

Identificar e investigar TSH requer uma efectiva estratégia planeada com antecedência e com a consciência da complexidade que tal crime encerra.

TSH é actualmente considerado a terceira maior fonte de lucro do crime

organizado, imediatamente a seguir ao tráfico de drogas e de armas, um estudo de 200351 demonstrou que existem mesmo conexões entre estas três actividades criminosas.

A experiência dos OPCs na investigação de TSH revela que este crime tanto é cometido numa escala local, envolvendo somente alguns indivíduos traficantes, numa escala mediana, em se traficam somente vítimas entre dois países ou no seu inferior, e, finalmente, numa escala internacional cujas redes montadas criaram uma indústria paralela, sofisticada cuja actuação coordenada, com apoio político e económico, se reflecte nos países de origem, trânsito e destino das vítimas de TSH. Além das conexões a outras actividades criminosas, tem-se verificado que estas redes têm, quase que por definição, um projecto

50 Human Rights Watch Report 2001. Acedido em 22/06/07. Disponível na Internet: http:// www.hrw.org/reports/world/reports

51 Economic Forum of the Organization for Security and Cooperation in Europe (2003) “Trafficking

in Human Beings, Small Arms and Light Weapons: National and International Econimic Impact” -,

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criminoso que envolve múltiplas actividades e que se desenvolve no seio de um grupo social específico. Estas redes têm um papel activo na corrupção estratégica de funcionários públicos e de todos os outros necessários para que o

TSH flua sem qualquer entrave. Com o mesmo fito as redes de TSH tem a

necessidade de branquear os seus lucros chorudos recorrendo a empresas- fachada envolvidas em actividades legais.

Ainda nesta área importa distinguir actividade criminosa de crime organizado: a primeira é desenvolvida por um grupo temporário de traficantes e seus cúmplices que será dissolvido quando se der por finda aquele negócio de

TSH. O segundo, como já vimos anteriormente, implica uma organização sólida,

com um grau de estabilidade assente em diversas actividades criminais.

Recolher e trabalhar minuciosamente a informação criminal relativa a este crime, deve ser uma prioridade nos OPCs nacionais e internacionais, em cujas competências cabe a investigação de TSH, para que por este meio as múltiplas suspeitas e acusações não formais que são divulgadas na sociedade através, por exemplo dos Media, criem sustentabilidade factual, jurídica e para que, em última instância, aumentam as condenações.