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O ART DÉCO, A EXPANSÃO URBANA E A AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE CARVOEIRA NOS ANOS

CRICIÚMA (1990 2015) 151 5.1 CRICIÚMA, O PÓS-MODERNISMO E O NEOLIBERALISMO

4. O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DO CENTRO DE CRICIÚMA (1880 1990)

4.3 O ART DÉCO, A EXPANSÃO URBANA E A AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE CARVOEIRA NOS ANOS

Embora os anos 30 tenham significado um período importante para a organização de estruturas físicas e legislativas que viabilizassem economicamente a mineração em Criciúma, foi somente com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (de 1939 a 1945) que a cidade multiplicou significativamente sua produção mineral e acelerou o processo de urbanização. Sob o bom momento econômico, a década de 1940 foi fundamental para afirmar a identidade de Criciúma como cidade carvoeira e para desenvolver as principais características do espaço central. Consolidaram-se setores comerciais, foram inseridas novas áreas residenciais e os primeiros traços da cidade industrial. E em cada uma das novas frentes de expansão, nos extremos da pequena malha de vias centrais, foram se concentrando usos e apropriações de classe distintas.

Sob influências do conflito geopolítico e do processo de aparelhamento estatal sobre a mineração, o crescente contingente de trabalhadores que migrava para Criciúma atraído pela oferta de emprego e remuneração regular foi movimentando o espaço urbano central. Nascimento (2012, p. 22) considera que "o movimento de circulação de pessoas e de mercadorias, gerador de oportunidades de trabalho e de negócios, propiciou um sentimento na população local de participação de um processo até então impensável". De fato, os números demográficos comprovam o rápido crescimento: de 1940 a 1950, a população saltara para 50.854 habitantes (dado do IBGE / Anexo B), o que representava o dobro da década anterior. A maior parte dos que buscavam a sorte nas minas eram agricultores e pescadores de localidades rurais e empobrecidas do sul do estado, que se vislumbravam pela promessa de uma vida melhor difundida pela propaganda da cidade carvoeira.

O deslocamento do elevado contingente populacional para a região carbonífera deveu-se, entre outros fatores, à propagação de discursos enaltecedores das vantagens de uma vida promissora no novo "eldorado do ouro negro", discursos que encontraram eco em famílias que ficavam na dependência de uma boa colheita ou de uma boa pesca não tinham, mesmo nas melhores ocasiões, condições de sustentar todos os seus membros; trabalhadores/as que não tinham

suas próprias terras e, quando tinham, eram insuficientes para atender suas necessidades; famílias que sofreram e sobreviveram ao processo de transição de uma realidade rural para uma realidade urbana e industrial. Enfim, a disseminação da promessa do "novo eldorado", propalada principalmente no contexto das duas grandes guerras mundiais, foi suficiente para acender o estopim que acabou provocando um crescimento populacional acelerado, em virtude da corrida migratória (CAROLA, Carlos Renato. 2002, p. 99).

Foi nessa ambiência de novidades, aspirante de um espaço urbano mais cosmopolita, que a centralidade foi se expandindo e agrupando um número cada vez maior de atividades. No entorno imediato da Praça Nereu Ramos e da estação ferroviária, os dois pontos de convergência da urbe, imagens da época registram a multiplicação de edificações assobradadas em estilo art déco, que, aos poucos, foram substituindo os casarios coloniais italianos dos primeiros anos do século (Figura 29). Tratava-se, de fato, de um significativo movimento de adensamento, que em poucos anos tratou de renovar todas as frentes de lote. O modo de ocupação tradicional, sem afastamentos frontais ou laterais, fazia com que os edifícios assobradados limitassem e estruturassem diretamente a rua, condição importante para se constituir uma atmosfera de urbanidade, de interação entre os domicílios privados e o espaço público.

Figura 29 - O art déco no entorno da Praça Nereu Ramos nos anos 1940.

Concomitante ao adensamento populacional e às transformações arquitetônicas, novas atividades se incorporavam ao espaço de centralidade. Multiplicavam-se os estabelecimentos de comércio e segmentos de serviços inéditos na cidade carvoeira, sempre atraídos pela crescente demanda de consumo. Foi o caso do Hotel Brasil, localizado nas proximidades da estação ferroviária, na esquina das ruas Conselheiro João Zanette e Paulo Marcos (esta última atualmente absorvida pela Avenida Centenário). A presença hoteleira no entorno da estação era estratégica e nas décadas seguintes se multiplicou por influência do crescente movimento de trabalhadores com seus familiares, de comerciantes, políticos ou simplesmente de aventureiros que vinham tentar a sorte na "Capital do Carvão".

Da estação às adjacências da Praça Nereu Ramos, era notável a espacialização do bom momento econômico. Além dos investimentos privados que transformavam a paisagem e as tipologias arquitetônicas predominantes, ao espaço público também eram incorporadas novas estruturas institucionais e monumentos simbólicos. A construção de uma nova sede para a prefeitura e câmara de vereadores, uma importante edificação de dois pavimentos em estilo art déco no perímetro da Praça (Figura 30), e, posteriormente, com maior destaque, a implantação de um monumento dedicado aos homens da indústria carbonífera, bem no centro do logradouro público, ao olhar de todos os transeuntes, constituíam-se em referências das transformações espaciais e na consolidação de valores identitários da cidade.

Figura 30 - O art déco na nova prefeitura de Criciúma, inaugurada em 1943, no entorno da Praça Nereu Ramos.

Nota: 1 - Imagem da década de 1940 / 2 - Imagem de 2015. Fonte: Arquivo Histórico Municipal Pedro Milanez, Criciúma

Há de se considerar, no entanto, que as mudanças no espaço urbano dos anos 1940 iam além das proximidades da Praça e da estação de passageiros. Intensificando a lógica já observada na década anterior, as atividades de comércio e serviços continuavam a se instalar ao longo das vias principais, que, ao ligarem o centro às minas de carvão, às vilas operárias periféricas e às cidades vizinhas, conduziam o processo de espraiamento da centralidade. Às ruas Henrique Lage, Cel. Pedro Benedet e Cel. Marcos Rovaris eram, pouco a pouco, inseridas novas edificações em art déco, dinâmica que perdurou no decorrer décadas seguintes, com os estilos de cada época, permitindo a formação de conjuntos arquitetônicos diversificados. Nos trechos mais próximos do centro, destacavam-se as edificações assobradadas, onde geralmente se misturava o comércio no térreo com o uso residencial no segundo pavimento. Além dessas, predominavam pequenas construções comerciais térreas, geralmente com platibanda, duas ou três portas frontais e alinhadas nas testadas dos lotes. Ainda hoje, apesar das descaracterizações e substituições, é possível encontrar remanescentes do art déco dos anos 1940 espalhados ao longo das vias principais (Figura 31).

Figura 31 - Sobrados em art déco nas vias de ligação ao Centro

Nota: 1 - Sobrado em art déco na Rua Henrique Lage / 2 - Sobrados em art déco na Rua Cel. Marcos Rovaris

Fonte: Google, 2011.

Além do espraiamento registrado pelas vias estruturadoras da malha viária, é também uma importante característica da década de 1940 a implantação de novos arruamentos no entorno da centralidade pré- estabelecida, em especial nas áreas localizadas ao norte da Praça Nereu Ramos. Essa expansão, tal quais todas as demais transformações

espaciais que se tem conhecimento desse período, estava direta e indiretamente relacionada ao crescimento demográfico e à divisão do trabalho ligada à mineração e a outras atividades dela dependentes. As dinâmicas da expansão urbana, além dos fatores específicos que serão descritos logo adiante, estavam misturadas ao acúmulo de capital para uma parcela mínima da população, que, naturalmente, gozava de grandes influências políticas e consequentes privilégios sócio-espaciais.

Para facilitar a compreensão da evolução do espaço central de Criciúma na leitura do texto, a Figura 32 sintetiza os principais subprocessos da expansão urbana, cujas considerações são apresentadas nos tópicos subsequentes:

Figura 32 - Síntese da expansão do centro urbano de Criciúma ao longo da década de 1940

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