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A extinção do patrimônio industrial no centro da cidade Com o surgimento de novas demandas de consumo, se já eram

CRICIÚMA (1990 2015) 151 5.1 CRICIÚMA, O PÓS-MODERNISMO E O NEOLIBERALISMO

5. O NEOLIBERALISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NA URBANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO CENTRO DE

5.6 NOVO PLANO, VELHOS VÍCIOS

5.7.3 A extinção do patrimônio industrial no centro da cidade Com o surgimento de novas demandas de consumo, se já eram

precárias as ações e condições para o tombamento dos acervos empiricamente mais reconhecidos, não houve medidas efetivas para a preservação da arquitetura industrial. O acervo industrial – que também inclui as vilas operárias -, em conjunto com os tipos patrimoniais tradicionais, permite legitimar a importância da classe operária no processo de produção da cidade (JEUDY, 2005). Mais ainda, estimula a compreensão da vida social em seu conjunto. No caso de Criciúma, as grandes e médias plantas fabris mapeavam a distribuição das atividades produtivas no território e se constituíam em verdadeiros arquivos da produção urbana da segunda metade do século XX, quando a cidade diversifica sua matriz econômica e constrói, através da indústria, novos imaginários e signos identitários. O apito e o odor das fábricas que frequentemente eram ouvido e sentido nos bairros centrais, a relação da grande empresa com a comunidade a sua volta e a sobriedade imponente da planta industrial sobre a paisagem, numa cidade em que a população tem fortes vínculos com a história operária, são alguns dos elementos que compõem as memórias e a construção coletiva da identidade de Criciúma.

O resultado da desindustrialização é o terreno vago (SOLÁ- MORALES, Ignasi, 2002). Recentemente, a demanda por terrenos maiores e bem localizados, ideais para a implantação de supermercados ou lojas de departamentos, estimulou a renovação das áreas industriais próximas ao centro, de modo que tornaram mais frequentes as demolições e as descaracterizações dos acervos mais representativos. É o caso da cerâmica CESACA, a primeira grande indústria da cidade, marco visual e elemento estruturador da malha viária na porção oeste do centro urbano, onde se desenvolveu, a partir da década de 1940, uma frente de expansão com usos predominantemente industriais. Por décadas, a CESACA foi um dos signos do desenvolvimento e do cotidiano da nova fase econômica da cidade. De suas linhas de produção, saíam peças que se destacavam nos edifícios mais importantes da área central, a exemplo dos azulejos nas fachadas da Catedral São José, recentemente retirados, e do Palácio do Estado, também removidos. Afetada pelas adversidades econômicas, fechou as portas em 1995 e, no ano de 2001, a expectativa de negociação do terreno com a rede varejista Americanas condenou o imóvel à demolição (VIEIRA, 2005) (Figura 97). Configurou-se, a partir daí, em pleno centro da cidade, um grande vazio urbano, até hoje subutilizado.

Fato semelhante se deu com a planta do Curtume Dal-Bó, localizado no Bairro Santa Bárbara, área próxima ao centro da cidade que foi profundamente transformada com a construção de plantas fabris no período de diversificação industrial. A horizontalidade e o estilo modernista típico da industrialização dos anos 1950, ainda relativamente preservado até os anos 2000, não foram suficientes para aprimorar a percepção e a atuação das políticas patrimoniais para além dos monumentos de maior prestígio. Apesar de diversas experiências de inserção de novos usos em antigas instalações industriais no Brasil e exterior, entre as quais se destaca o emblemático SESC Pompéia/SP de Lina Bo Bardi, não se registra qualquer esforço da administração pública municipal para tentar viabilizar a reutilização do imóvel, que foi demolido após a negociação do terreno com uma das grandes redes supermercadistas da região. Mais ainda, percebe-se que, ao demolir abruptamente o patrimônio de grandes proporções, todo o contexto do lugar, antes centralizado pelo vínculo forte da grande empresa, se transforma. Muda-se abruptamente a paisagem, valoriza-se o solo pela reprodução da localização e tornam-se mais vulneráveis as edificações menores, que, se antes configuravam um conjunto entre sobrados de uso misto e pequenas plantas industriais, hoje sobram descontextualizadas, hostilizadas pelo espaço desordenado à sua volta.

Figura 97- CESACA na década de 1970 e sua demolição em 2001

Fonte: Arquivo Histórico de Criciúma; Foto de Édson Gregório, acervo de Marli Costa e Maurício Camara, 2001.

Além das demolições, o processo de renovação nas antigas áreas de predominância industrial estimulou intervenções de todos os tipos para a adaptação dos imóveis aos novos usos, geralmente destinados ao comércio varejista ou à prestação de serviços. Até o início da década atual, resistia nas proximidades do terreno onde já foi a CESACA a planta do Pastifício Fio de Ouro, outro remanescente da

arquitetura industrial modernista nas áreas de expansão do centro da cidade (Figura 98). Recentemente, as reformas pouco criteriosas à história destruíram elementos característicos da arquitetura criciumense da metade do século XX, a exemplo dos azulejos na fachada, que se mantinham preservados e que poderiam ser mantidos sem comprometer as novas demandas de uso do imóvel. Não se trata, evidentemente, de congelar a cidade ou de restringir novas possibilidades e atualizações arquitetônicas, mas de reconhecer que as heranças ainda presentes na paisagem são direitos e bens coletivos, cenários de memórias, documentos históricos que registram a diversidade construtiva do processo de produção da cidade e que, na condição de raridade, deveriam ser mantidas. Sem quaisquer resistências ou políticas moderadoras para integrá-los com os usos contemporâneos, a cidade perde seus vínculos identitários da paisagem e, tal como tantas outras pelo país, vai se homogeneizando e se padronizando à estética empobrecida do consumismo como fim em si, que relega a arquitetura ao fundo de letreiros de todos os tamanhos ou aos novos materiais de fachada, que, ditados pela moda, se espalham pelos edifícios uniformizando o que antes era distinto.

Figura 98 - Extinta área industrial no centro de Criciúma.

Nota: 1 - Pastifício Fio de Ouro / 2 - Prefeitura (sede até 1980) / 3 - CESACA Fonte: Arquivo Histórico Municipal Pedro Milanez, Criciúma.

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