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Segundo a dra. Temple Grandin (2017), a educação especial como um campo de conhecimento, está numa zona de confronto entre várias outras áreas, como a saúde e a Arte. Nesses outros domínios, as questões levantadas pela educação especial são elaboradas nas suas complexidades e nas suas “impossibilidades”.

Para a autora, pessoas com autismo e Asperger20 são pensadores especializados: bons em uma coisa e ruins em outra. Para a pesquisadora, existem três tipos principais de pensamento especializado, assim analisados:

1. os pensadores visuais, podem fazer geometria e trigonometria, mas não álgebra. Esses pensadores podem ver tudo na sua mente e, depois, desenhar no papel;

2. já os ensadores em padrões, como a música e a matemática, tendem a terem problemas com a leitura.

3. A mente verbal, que é capaz de reter detalhes de muitas informações, porém, possui dificuldade para desenhar, por exemplo.

Além disso, independentemente da forma de pensar, o autista pode ser sensível, em diferentes níveis, à luz fluorescente, ao som etc.

A autora relata que o cérebro, de modo geral, normalmente ignora os detalhes, já o cérebro do autista, ao contrário, se atém nos detalhes. Ela cita os “nerds” como Mozart, Einstein e Tesla, alegando que são pessoas que, atualmente poderiam ser diagnosticados com um grau muito leve de autismo.

A investigação da autora considera esses estudos de caso e destaca a importância da Arte que, por sua vez, por meio dos seus próprios elementos (como a imagem, a música e o texto), proporciona formas de expressão e

20 Síndrome de Asperger é uma perturbação neurocomportamental de base genética. Pode ser definida como uma

perturbação do desenvolvimento que se manifesta por alterações sobretudo na interação social, na comunicação e no comportamento. Embora seja uma disfunção com origem num funcionamento cerebral particular, não existe marcador biológico. O diagnóstico se baseia em um conjunto de critérios comportamentais. Disponível:

comunicação aos autistas, ou seja, a interação social e emocional dos mesmos. Nessa linha de reflexão, um grupo de profissionais australianos21 oferece um "Programa de Aprendizagem Social e Emocional para Crianças e Adolescentes". Na apresentação (Fig.1) de tal programa, o grupo anuncia que a psicoterapia com cavalos, combinada com a psicoterapia artística, proporciona experiências eficazes, não ameaçadoras, ativas e divertidas que incentivam crianças e adolescentes a: expressar sentimentos que podem ser difíceis de verbalizar; aumentar a autoconsciência e as habilidades de comunicação; explorar a imaginação e a criatividade; desenvolver habilidades de enfrentamento saudáveis; melhorar a autoestima e a confiança; identificar e esclarecer questões e preocupações; compartilhar e socializar em um ambiente seguro; melhorar as habilidades motoras e a coordenação física.

Nesse caso, as atividades artísticas são desenvolvidas a posteriori das atividades de equoterapia. Para facilitar o processamento e a aprendizagem do tema, o programa desenvolve atividades que combinam a experiência com os

21 http://www.equinearttherapy.com.au/. Último acesso 9 de março de 2018.

cavalos (por quarenta minutos), com a atividade artística (em seguida por mais 40 minutos). O programa envolve a participação de dois especialistas em saúde mental e um cavaleiro experiente, em um cenário ao ar livre. O uso de materiais artísticos ou Objetos de Aprendizagem, não ocorre simultaneamente.

Nessa proposta, a Arte é usada como uma linguagem simbólica para acessar pensamentos e sentimentos que muitas vezes podem ser difíceis para as crianças e os adolescentes expressarem em palavras. A Arte, para eles, oferece uma maneira segura e não ameaçadora para apresentar experiências difíceis e resolver conflitos internos. Além disso, esse tipo de atividade com a Arte aumenta a autoconsciência e ajuda, as crianças e os adolescentes, a reduzirem as preocupações e o estresse, assim como colabora para desenvolver melhores habilidades interpessoais, gerenciar comportamentos e aumentar a autoestima. O ato de expressão criativa é em si terapêutico. A Arte proporciona o bem-estar mental e emocional, aumentando a autoaceitação e a autocompreensão de si mesmo. Assim, por meio do criar e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, e lidarem melhor com sintomas como o estresse e as próprias experiências traumáticas; desenvolvendo recursos físicos, cognitivos e emocionais ao desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico.

Segundo informações do site, os cavalos facilitam o "engajamento" das crianças e adolescentes. “Cavalos evocam sentimentos!”, pois o feedback não verbal dos cavalos pode ser poderoso e estimular melhorias, particularmente em pacientes que não são capazes de verbalizar (ou refletir sobre) seus sentimentos como, por exemplo, os autistas. Devido à maior sensibilidade dos cavalos e em função dos seus instintos naturais, eles respondem ao humor e ao comportamento de uma pessoa. A reação dos cavalos pode estimular o autoconhecimento e a congruência do corpo e dos sentimentos.

Para os autores da proposta, os cavalos vivem no “agora e agora” e oferecem contato autêntico e honesto, livre de julgamento e interpretação. A equoterapia é uma abordagem única para a psicoterapia, onde aos pacientes são oferecidas experiências seguras com cavalos aos pacientes, com a

finalidade de explorar novas formas de conexão em relacionamentos e construir autoconsciência e confiança.

Tanto a equoterapia quanto a psicoterapia artística, nesse programa, são formas experienciais de terapia que podem ajudar a desenvolver novas vias neurais para facilitar a mudança comportamental e cognitiva.

Assim como a equoterapia, a psicoterapia artística pode ajudar a diagnosticar casos de autismo. Mas, ela usa, principalmente, a criação com elementos das Artes Visuais como, por exemplo, a colagem, a escultura, as máscaras e a pintura; dentro de uma relação terapêutica que explora os pensamentos, os sentimentos e os comportamentos. A questão da estética, não é discutida nesse caso.

Então, arte para quê? Qual poderia ser a linguagem simbólica que se estabelece em uma criança autista na Equoterapia?

A importância da Arte como terapia foi discutida por vários estudiosos, como Rudolf Arnheim (1989). Para esse autor, as Artes devem servir às necessidades humanas reais que são, muitas vezes, mais potentes entre os doentes; sendo ainda mais visíveis os benefícios que essas pessoas recebem das Artes. Demonstrando o que podem fazer pelos angustiados, a Arte nos recorda o que se destina a fazer por todos.

Outro autor que incentiva esse movimento, que parte do ensino- aprendizagem da Arte, é Félix Guattari (1992). Para esse estudioso, crianças com deficiência necessitam de ações por meio dos agentes mediadores, ou seja, da postura de mediação do professor. Assim, é importante que se repense todo o processo de formação de professores em diferentes níveis, visando suas atuações em um contexto de sociedade ideal do conhecimento; na qual o processo de ensino-aprendizagem não fique restrito somente às escolas, mas que que seja diluído pelas malhas de uma rede social ampla. O autor aponta que o principal desafio colocado para o educador é o de produzir novas potencialidades.

“0 que importa aqui não é unicamente o confronto com uma nova matéria de expressão, e a constituição de complexos de subjetivação: individuo-grupo-máquina- trocas múltiplas, que oferecem a pessoa possibilidades diversificadas de recompor uma corporeidade existencial, de sair de seus impasses repetitivos e, de alguma forma, de se

re-singularizar.”(GUATTARI, 1992, p. 17).

Nesse viés da re-singularização, operam propostas como o Programa de Terapia Artística de Conexão Equestre22, que desde 2006, desenvolve pesquisas visando melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência. Tal programa foca o processo criativo artístico, visando o bem-estar físico, mental e emocional de pessoas de todas as idades e com diferentes necessidades.

Figura 2 - Página inicial do site do Equestrian Connection

De acordo com a American Art Therapy Association23, a autoexpressão artística oferece uma riqueza de benefícios, incluindo a redução da ansiedade e a ajuda na resolução de conflitos, bem como proporciona o desenvolvimento da autoconfiança e da autoconsciência. Na Conexão Equestre, a fisicalidade da equitação é complementada por uma terapia criativa e expressiva. O objetivo do grupo é principalmente construir a autoconfiança. O programa de Arte oferece também oportunidades de exibição dos trabalhos produzidos na comunidade. Por meio de uma parceria com a Artists on the Bluff, os trabalhos dos estudantes já foram exibidos em espaços como a Station Art Gallery em Lake Bluff, Illinois.

22 http://www.equestrianconnections.org/art-therapy.html. Último acesso 9 de dezembro de 2017. 23 https://arttherapy.org. Último acesso 9 de dezembro de 2017.

Figura 3 - Programa Terapia Artística de Conexão Equestre – Informações antes da última atualização do site em 2017

Essa parceria também resultou em uma exposição anual, semipermanente, intitulada Creative Connections, para destacar a Arte resultante do programa. A partir do gráfico apresentado na figura 3, verifica-se que, para eles, a Arteterapia contribuiu em 12% dos resultados positivos obtidos no Conexão Equestre.

Ainda de acordo com a associação, os autistas possuem cognição diferenciada. Alguns, por exemplo, são considerados "pensadores visuais” ou “visual thinkers", pois processam o pensamento em imagem.

Nessa etapa da pesquisa, verifiquei a importância da Arte na vida das crianças autistas. A partir disso, passei a estudar, mais profundamente, a viabilidade de aplicar, alguns elementos da linguagem artística, no contexto da criação de objetos de aprendizagem, conforme apresentado a seguir.