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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 DESIGN EMOCIONAL (D.E) E ARTEFATOS DE MEMÓRIA (A.M.)

2.4.3 Artefatos de Memória (A.M.)

A base do conceito dos A.M. provém exatamente de uma marcante conexão emocional entre artefato e usuário que, vistos à longo prazo, compreendem que objetos ainda que comuns podem marcar momentos, lembranças ou memórias de pessoas.

Um dos principais problemas encontrados na falta de artefatos próprios para idosos no mercado foi a temática imprópria (geralmente infantil) que resulta em desestímulo para o usuário mais maduro, porém com o conhecimento desses artefatos que evocam memórias, foi encontrado um caminho possivelmente eficaz de abordagem para um projeto que estimule e seja igualmente interessante aos olhos dos idosos.

Devido a essa problemática e os conceitos encontrados, os A.M. foram aplicados em uma atividade de lazer como um dos gatilhos principais para estímulo de memórias.

Como já citado, em 1981, um estudo produzido por Mihaly Csikszentmihalyi e Eugene Rochberg-Halton teve como objetivo salientar a importância dos objetos de arte em ambientes domésticos, e, durante as pesquisas, visitas e entrevistas, os pesquisadores notaram que, ao invés de encontrar um grande valor relativo a objetos de arte, os verdadeiros artefatos de importância se resumiam aos objetos domésticos e sem qualquer valor estético, que eram carregados de significados pessoais. (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981)

Csikszentmihalyi, que estava à frente dessas pesquisas, saiu em campo perguntado quais objetos de arte as pessoas tinham e com qual frequência os contemplavam. Seus dados foram coletados por meio de entrevistas com 315 pessoas de 82 famílias de áreas distintas da região metropolitana de Chicago, incluindo sempre o casal e, ao menos, uma criança e um dos avós.

O resultado demonstrava uma “neutralidade” de sentimentos na interação objeto de arte e proprietário, sugerindo que esses objetos, que possuíam alguma qualidade estética reconhecida (como quadros ou esculturas), desempenhavam papel insignificante em suas vidas. E, como segundo tópico analisado, e de grande relevância para a pesquisa, foi detectada uma forte conexão artefato-usuário quando referente à objetos domésticos. Percebe-se aqui que não era a “qualidade estética” dos objetos que os tornavam especiais, mas o tipo de interação que estabeleciam, caracterizando o início do entendimento da importância dos A.M.

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e suas influências no cognitivo humano.

Os artefatos que possuem a capacidade de despertar memórias se dividem em dois grupos:

Souvenirs: são artefatos produzidos com a finalidade de marcar algum acontecimento, e que são projetados com a função de fazer lembrar (cartões postais, miniaturas de monumentos, animais, cenários, com temas culturais).

Mementos: artefatos produzidos para outras funcionalidades e que, com o passar do tempo de uso, são mantidos pelos proprietários com o objetivo de fazer lembrar (ainda que possam ter perdido sua funcionalidade principal).

Vera Damazio, doutora e professora do departamento de Artes & Design na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro é uma forte interlocutora e pesquisadora dessa área de artefatos que “fazem lembrar” e em seu artigo “Design e emoção- alguns pensamentos sobre artefatos de memória” em 2006, ela produz e propõe uma categorização por objetos, frequência de uso e fases de vida. Esse material foi base e amplamente usufruído em 2013, ainda nos testes de estímulos imagéticos e criação das cartas para o primeiro protótipo do jogo “Te contei?”.

É devido ao significado dos produtos e potencial emocional de conexão sentimental que essa pesquisa se inicia. O questionamento do potencial da relações emocionais e o quão marcadas na memória se apresentam, mesmo considerando os indivíduos que se encontram na fase mais madura da vida e que apresentam uma natural degradação neural com consequências cognitivas foi o primeiro questionamento que resultou na pesquisa em 2013 e, ao final, na produção do jogo de cartas “Te contei?”, testado e analisado nessa dissertação.

Souza passou pelo processo de projetar uma atividade de lazer usufruindo dos A.M. e, para isso, levantou-se um questionamento sobre quais desses artefatos “mundanos” são marcantes e se repetem nas memórias de diferentes idosos (independentemente de idade e/ ou sexo). Para uma possível seleção desses objetos potencialmente estimuladores de lembranças, ela utiliza a categorização apresentada por Damazio em 2006. (Quadro 5)

“ As categorias a seguir foram elaboradas com base em material levantado em pesquisa de campo junto a pessoas de variadas idades e segmentos sociais. Elas foram orientadas pela pergunta “qual ação este artefato promoveu? ” e incluíram artefatos naturais como flores, castelos de areia e cachinhos de cabelo.” (DAMAZIO, 2006, pg. 05)

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Quadro 5 - categorias de A.M. por Damazio

Acadêmicos

“Objetos associados a ações acadêmicas como uniformes, cadernos, livros, canetas, lápis de tabuada, provas mimeografadas, boletins, cadernetas, estojos”

Agradecimentos

“Objetos que são utilizados para demonstrar gratidão e reconhecer favores, gentilezas e boas ações como flores, bombons, cartões, entre outras formas de demonstrar gratidão e reconhecer. ”

Brincadeiras & diversões

“Produtos interligados a brincadeiras e formas de diversão. Engloba produtos esportivos, brinque- dos, bonecas e jogos em geral, piscininhas e castelos feitos na areia, redes de borboleta, charretes. ”

Comemorações & festas

“Artefatos utilizados em momentos de comemoração e festividades. Rolhas de champanhe, velinhas de bolo, árvores de Natal, enfeites em geral, balões, serpentina, confete. ”

Considerações “Coisas presentes em ações percebidas como demonstrações de zelo e de atenção. ”

Cuidados com a aparência

“Objetos utilizados no intuito de cui- dar da aparência. Estojos de maquiagem, aparelhos de barbear, adereços em geral. ”

Declarações de amor

“Qualquer artefato que possa ser utiliza- do como forma de declarar um sentimento. Bichos de pelúcia, joias, cartões, flores. ”

Hobbies e passatempos

“Artefatos interligados à utilização com intuito de distração. Decalques, revistas, álbuns de figurinhas, coleções de papel de carta. ”

Homenagens

“Todo objeto passível de ser utilizado como forma de demonstrar respeito, carinho e admiração. Placas, medalhas, faixas, flores. Esta categoria inclui também presentes dados por filhos no Dia dos Pais e das Mães, e por alunos aos professores em ocasiões como o Dia dos Mestres e

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Prêmios

“Objetos de reconhecimento público de uma ação, capacidade ou virtude. Troféus, medalhas, coroas, placas. ”

Profissionais

“Formas associadas ao trabalho e ao desempenho de uma atividade profissional. Estetoscópio, giz e qualquer objeto de ligação direta com alguma profissão. ”

Recordações

“Todo objeto que é mantido e guardado por possuir e apresentar ligações com lembranças relativas a pessoas, lugares ou acontecimentos. Medalhas, cartões postais, miniaturas de monumentos, pedrinhas, cachinhos de cabelo, dentes de leite.”

Sacros e mágicos

“Artefatos interligados à ação de crer e quais- quer práticas religiosas. Orações, imagens, cordões, fitas do Bonfim, medalhas, camisolas de batismo. ”

Sonos e repousos

“Objetos utilizados em momentos de descanso. Almofadinhas, caixinhas de música, esteiras de palha, redes. ”

Fonte: Baseado em Damazio (2006)

Esse extenso quadro ainda poderia ficar mais amplo se incluísse as categorias que Damazio criou por frequência de uso (“uso único”, “uso eventual” e “uso corrente”), fases de vida (“nascimento & primeiros anos de vida”, “crescimento e fases de transição”) e memória e vivências (“auto reconhecimento”, “vivências excepcionais”, “pertencimento”, “reconhecimento”, “inauguração de relações sociais”, “estreitamento de laços sociais” e “artefatos de fé”). Com esse material, Souza pôde aplicar uma grande parte desses elementos no projeto “Te contei?”.

Dando seguimento ao processo de criação, um trecho escrito pelo próprio Donald Norman auxiliou durante a escolha para a representação gráfica dos A.M. no jogo.

“Fotografias, mais do que praticamente qualquer coisa, possui um atrativo emocional especial: são pessoas e contam histórias. O poder da fotografia se baseia na habilidade de transportar o espectador de volta no tempo para algum evento social relevante” (NORMAN, 2008, pg. 50), desta forma, com o intuito de criar uma maior sensação de proximidade com a realidade, empatia e uma maior “conexão” do

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entrevistado com as imagens apresentadas, foi escolhido a utilização de fotografias dos objetos reais aplicadas nas cartas do baralho.

Como visto, em 2013, o projeto foi desenvolvido em um formato digital para possibilitar pequenos testes de jogabilidade, sem aprofundamento de análise sobre a proposta. Agora, dando continuidade da pesquisa e seguindo os movimentos de caráter cíclico visto nas metodologias de D.I., as fases de avaliação e refinamento serão aplicadas nessa dissertação onde os dados serão analisados com base na

Teoria da Atividade (T.A.).

Com a coleta de dados recorrentes da aplicação do jogo “Te contei?” com idosos em contextos reais a escolha e aplicação da T.A. como quadro teórico- metodológico dessa pesquisa é adequada e coerente por, além de compreender todo o contexto da mediação por meio de ferramentas em prol de um objetivo, possibilita uma visão altamente contextualizada e variável do uso de um mesmo artefato em diferentes situações.

Essa teoria também traz uma característica importante: três unidades de análise relativas aos níveis de sistema de estrutura da atividade.

Esses níveis possibilitam uma observação aprofundada da atividade humana em níveis conscientes e inconscientes da interação do usuário enquanto completa uma atividade.