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4.5 Perspectivas de engajamento com as iniciativas comunitárias de TV

4.5.1 Artesania

Através de seu artigo “O consumidor artesão: cultura, artesania e consumo em uma sociedade pós-moderna", Campbell88 (2004) discorre sobre a habilidade do consumidor89 em idealizar e fabricar “produtos” conforme seus interesses e desejos de expressão. Para tanto, o indivíduo dedica conhecimento e paixão para adaptar ou moldar produtos.

O pensamento tradicional, sobretudo advindo de marxistas, indica que a Revolução Industrial contribuiu não somente para subjugar a produção artesanal, como também para impor processos alienantes tanto nas divisões do trabalho quanto nas práticas de consumo. Indo de encontro a esses argumentos, Campbell recusa a indicação de que o ato de consumir é tolo e manipulável, uma vez que:

grande parte do consumo empreendido por indivíduos nas sociedades ocidentais contemporâneas deveria ser concebida como uma atividade artesanal, ou seja, como uma atividade em que os indivíduos não apenas exercem o controle sobre o processo de consumo, mas também trazem habilidade, conhecimento, discernimento, amor e paixão à ação de consumir, tal e qual, como sempre se supôs, os artesãos tradicionais abordavam sua atividade (CAMPBELL, 2004, p. 49).

Desta forma, explora-se o ritual de posse como modo de expressão do universo próprio de cada indivíduo a partir do seu envolvimento com a concepção e a produção de algo. Para o autor, a natureza modificada de um produto também pode ser consequência de rebeldia ou resistência à ideologia dominante. Nesse caso, destaca-se a subcultura jovem e a personalização subversiva, quando produtos são utilizados com outros fins e de outros modos além daqueles previstos em sua produção e comercialização.

Tomando como referência essa concepção do consumidor artesanal moderno, também é possível identificá-la através de produtos audiovisuais disseminados sobretudo pela internet, mas não somente. Com a evolução tecnológica, a simplificação das interfaces computacionais e maior facilidade no acesso às ferramentas de edição, percebe-se crescente disseminação de conteúdos culturais desenvolvidos pelo consumidor. A partir de imagens, textos e áudios originais, as pessoas desenvolvem novas narrativas e, com a “criatividade para juntar” diferentes contextos, realizam uma miscelânea que resulta em memes, paródias e “trollagens90”.

88O autor reconhecido por sua contribuição em esclarecer hábitos e definir o consumismo moderno, sob a ótica

do hedonismo.

89Aqui manteremos aplicação do conceito de “consumo” sob a perspectiva da análise crítica da audiência,

conforme explicações apresentadas no capítulo 2, considerando que os estudos dos antropólogos sobre os quais referenciamos possuem abordagem criteriosa dentro de suas correntes teóricas.

Nestes casos, o indivíduo interfere na concepção (ideia e criatividade), no desenvolvimento (técnica, prática, manuseio e adaptação), na distribuição (plataformas e dispositivos), nos formatos (áudio, vídeo, texto, extensão) e no consumo, inclusive influenciando e cativando redes de comunidades online. Entende-se, portanto, que o grau de envolvimento ou engajamento com essa prática pode ser elevado, dispendendo alto índice de atenção e “prazer” característico do consumo moderno hedonista.

Na teoria, o exercício dessa atividade de produção e consumo não seria segmentado por perfis sociais, uma vez que transcende interesses econômicos. Assim, apesar da necessidade de investir tempo, atenção, aprendizado, conhecimento e eventualmente algum recurso material, é interessante notar a relevância do capital cultural nesse processo. Seja popular ou elitista, o capital utilizado deve possibilitar que o consumidor artesanal esteja em “posição de re-apropriar produtos de massa a ponto de expressarem a individualidade de uma pessoa ou servirem como um meio de realização pessoal” (CAMPBELL, 2004, p. 60). Logo, o autor pressupõe que o consumidor artesanal possivelmente se destaca na preocupação com o processo manipulador, alienante e homogeneizador através do qual a cultura de massa se utiliza para impor seus bens e serviços, reiterando que:

Ao mesmo tempo, é óbvio que isso não pode ser facilmente alcançado apenas com um “virar as costas” para a sociedade comercial, ou com uma recusa em se envolver no “mundo dos bens materiais”. Antes, a estratégia mais realista é “abraçar” o mundo das mercadorias e usar seus próprios recursos culturais e pessoais para transformá-las em singularidades (CAMPBELL, 2004, p. 61).

Por esta vertente, acreditamos que esta seria uma lógica factível para as práticas da TV Comunitária e consequente desenvolvimento de relacionamento com a sociedade, conforme interesses, anseios por expressão e direito humano à comunicação. Esse seria um modo de fortalecer os vínculos da comunidade com o mundo simbólico audiovisual, inclusive fazendo uso da criatividade popular para representação do local? Gomes (2007, p. 315) sinaliza que o consumo pode ser entendido como atividade cultural e simbólica e, consequentemente, tendo maior fundamentação no campo midiático do que no econômico. Portanto, essa seria a possibilidade de proporcionar envolvimento a partir de produtos audiovisuais desenvolvidos pelas comunidades, garantindo o rompimento de barreiras, seja qual for sua origem – cultural, técnica, política ou econômica, tendo como referência a representatividade das demandas sociais propostas pelo coletivo.

As respostas para tais questões não são únicas diante da diversidade de canais comunitários espalhados pelo país, sob realidades díspares. Entretanto, a relação estabelecida com o universo simbólico audiovisual a partir de práticas artesanais pode indicar caminho

interessante para o cotidiano de produção e disseminação de conteúdos pelas TVs Comunitárias.

Tendo em vista os vídeos e publicações sobre o Morro do Bumba, a cobertura de manifestações e movimentos sociais disponíveis no canal do YouTube da TV Comunitária de Niterói, assim como as transmissões de jogos de futebol e shows de rock pela Caxias TV, podemos compreender que a artesania pode ocorrer na construção das narrativas conduzidas pelas iniciativas comunitárias de TV, independentemente do espaço público de comunicação. Porém, o desenvolvimento desses conteúdos pode não somente representar um olhar popular e local desses canais ao gerar produção de outras narrativas, como também permitir e incentivar que a comunidade se insira neste contexto e identifique nesses espaços a oportunidade de expressar seus interesses, sua criatividade e suas demandas sociais. Enfim, possibilitar engajamento e colaboração a partir da diversidade de perspectivas para o desenvolvimento da Comunicação Pública Comunitária.