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4.5 Perspectivas de engajamento com as iniciativas comunitárias de TV

4.5.2 Evasão

Nos estudos de Economia Política da Comunicação é comum nos depararmos com exposições sobre o impacto da cultura e seus atravessamentos nas relações sociais. Contudo, o consumo do simbólico não deve ser desprezado, nem restrito aos aspectos pecuniários, como simples troca pela audiência conforme detalhamos no capítulo II. Nessa linha, Campbell (2001, p.10) critica a interpretação isolada do consumo como ato explícito de troca econômica – é preciso vinculá-lo ao Romantismo91.

Afirma que a publicidade demonstra que o consumo e o romantismo são indissociáveis, tal como podemos observar através das narrativas nos anúncios. E embora essa percepção contrária tenha adquirido notoriedade, o autor propõe um novo olhar baseado no argumento do papel central do Romantismo para a evolução do consumismo moderno e sua característica hedonista.

Perseguindo este interesse, Campbell (2001) indica que o movimento romântico interligado ao desenvolvimento da sociedade industrial persiste até a atualidade, apesar dos indícios apontarem supremacia do racional na sociedade moderna. Seu entendimento contraria teóricos que relatam o romantismo como parte do passado histórico, enquanto o autor o associa diretamente com o consumismo desde sua configuração. Desta forma, desenvolve

91O autor esclarece que o Romantismo e sua lógica de sedução, a partir de processos imaginários e sensitivos, é

um recurso amplamente utilizado pelo capitalismo e seus instrumentos de influência através de produtos simbólicos, conduzindo os consumidores para atmosfera propícia ao hedonismo.

teoria sobre comportamento hedonista para explicar aspectos característicos do consumismo moderno e defende que a Revolução Industrial deve ser analisada concentrando tanto a revolução do consumo quanto da produção (Campbell, 2001, p.19).

Nesse sentido, também é válido considerar os impactos dos padrões românticos como modelo de reprodução nos conteúdos exibidos pelos meios de comunicação. Comumente a atenção é voltada para as atividades dos anunciantes, a lógica mercantil de investimento publicitário ao qual os veículos estão sujeitos. Porém, a imersão da cultura também é fator preponderante para a atuação do romantismo no cotidiano. Neste caso, entendemos que o apontamento de Campbell pode contribuir com questionamentos e levar à observação de outros fatores mediadores.

Além dos anunciantes e da lógica comercial dominante nos veículos não públicos de comunicação, esse olhar pode contribuir para o entendimento dos motivos pelos quais conteúdos “elitistas” ou “comunitários, da rotina, do ordinário” são muitas vezes ignorados pelos indivíduos. A Escola de Frankfurt com sua crítica aos meios e seus produtos culturais acaba direcionando para o fato de que o conteúdo deve ser educador, não alienante. Mas como não ser alienante e ao mesmo tempo atrair a atenção do público? O que de fato constrói o gosto do telespectador tão questionável pelos críticos? Cabe questionar se a cultura romântica e seus vestígios estariam inseridos de tal modo no cotidiano ao ponto do homem comum negar qualquer iniciativa diferenciada, voltada para incentivar novos olhares, com perspectiva não hegemônica.

Perante esta exposição, entende-se que os padrões culturais são mediadores de comportamentos dos indivíduos e, portanto, interferem no hábito, nos interesses e nas condutas. Com este entendimento, parece conveniente conjecturar sobre possíveis inserções da cultura romântica nas narrativas produzidas pelos canais comunitários. Além disso, considerar as relações sociais estabelecidas entre a comunidade e o veículo através dos diferentes espaços – sejam presenciais ou virtuais.

Embora não envolva exclusivamente o consumo de conteúdo audiovisual, talvez seja possível nos apropriarmos da distinção entre os efeitos da “satisfação” e do “prazer”. Para Campbell (2001), a satisfação está relacionada à situação física e exterior do indivíduo, enquanto o prazer pode ser acionado por ilusões. Este envolve padrões de sensação e experiência, desperta estado de atenção uma vez que há:

(...) diferença crucial entre um estado de satisfação e a experiência de alguma coisa como sendo agradável, que é a de que a segunda é inseparável da atenção que prestemos nela. Assim, enquanto não é absurdo perguntar se uma pessoa inconsciente está em condições “satisfatórias”, parece

positivamente tolo perguntar se ela está experimentando prazer. É necessário estar consciente das sensações a fim de extrair delas prazer, pois “prazer” é, efetivamente, um julgamento feito por quem o experimenta (CAMPBELL, 2001, p.92).

Transportando essa perspectiva para o contexto de produção audiovisual, torna possível avaliar o quanto o conteúdo desenvolvido para a comunidade pode ser atrativo, agradável. A articulação do hedonismo com o conteúdo perpassa não somente pelo histórico de consumo romântico de determinada sociedade, como pelos sistemas e pelas variações às quais os indivíduos foram submetidos no processo de construção social. Um conteúdo elitista construído por intelectual desconhecedor da realidade dos espectadores teria os mesmos efeitos de prazer se comparado com uma produção comunitária e local liderada pelos sujeitos sociais da região? Como a autoridade sobre determinado assunto e o uso de tecnologia podem influenciar nesse processo?

Para o mercado de comunicação, essas indagações parecem compatíveis com o aumento de estudos sobre conteúdos e as experiências vivenciadas pelo espectador. Afinal, desde dos escritos de Campbell houve significativa evolução dos mecanismos de entretenimento para geração de experiência e garantia de prazer:

As artes, por outro lado, como as representadas pela música, pela poesia, e pelo drama, parecem ter mais potencial para agradar o hedonista, quando menos porque oferecem maior variedade e complexidade de estímulos do que é possível com “entretenimentos” tradicionais. É, portanto, a dimensão estética da experiência que parece oferecer maior promessa para a ulterior racionalização da procura de prazer (CAMPBELL, 2001, p. 99-100).

Por este raciocínio, o prazer é evocado pela emoção e pela atenção dedicada a imagens e estímulos. Portanto, no hedonismo moderno, há auto ilusão com uso de imaginação e criatividade para construção de cenários mentais. Em outras palavras, devaneios criados pelo indivíduo enquanto “artista do sonho”. Ilusões, inclusive utilizadas como argumentos publicitários, para projetar experiências e despertar interesses por produtos e bens, quando na verdade o prazer é resgatado através da narrativa. Isto porque,

a atividade fundamental do consumo, portanto, não é a verdadeira seleção, a compra ou o uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo a que a imagem do produto se empresta, sendo o consumo verdadeiro, em grade parte resultante desse hedonismo “mentalístico”. (CAMPBELL, 2001, p. 130)

Esse raciocínio indica que conteúdos audiovisuais podem interferir no comportamento de consumo ao instaurar a imaginação e romper com o tédio do cotidiano, do mundo real, da vida ordinária do homem comum. Desta forma, os produtos culturais ofertados pela sociedade moderna são utilizados como base para devaneios, sendo “mais claramente real quanto aos

romances, mas também se aplica a quadros, peças, discos, filmes, assim como a programas de rádio e televisão” (CAMPBELL, 2001, p. 135).