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4.4 Entrevistas: TVs Comunitárias de Niterói e de Duque de Caxias

4.4.4 Uso de tecnologias

Como já pode ser observado, o uso das tecnologias permeia desde da implantação do canal, aos recursos estéticos, possibilidades de participação e interatividade, uso de

83Igreja Batista exibe um debate sobre a Bíblia durante 1 hora por semana.

84TV Vila Imperial pode ser sintonizada no canal 19 da Tech Cabo. De acordo com Santana, o canal está há anos

no ar operando por provedor de conteúdo, e agora possui dificuldade de levar sinal para a NET devido ao alto investimento (R$ 40 mil para tecnologia e manutenção).

equipamentos e também de plataformas digitais para comunicação com a sociedade, como é o caso das redes sociais, aplicativos, sites, etc. Brittos sinaliza os avanços com a inovação digital na TV, “cujas vantagens variam, conforme as diversas modulações possíveis, mas que podem ser resumidas a superior qualidade de imagem e áudio, multiplicação da capacidade de transmissão de sinais televisivos e transporte de novos serviços e recursos [...]” (BRITTOS, 2011, p.14).

De modo geral, a referência ao aparato técnico e ao conhecimento específico exigidos aparecem em diferentes momentos nas entrevistas, junto a relatos de dificuldades enfrentadas. O descaso das operadoras e das instituições governamentais são tópicos recorrentes.

No caso da TV Comunitária de Niterói, a transição do IACS para a Educação Física foi muito dificultosa devido à necessidade de implantação da Fibra Óptica e solicitação de sinal para Anatel. Além disso, com a transferência realizada a partir de 2010, o canal ficou sem equipamentos. Para funcionar, Viviani sinaliza a necessidade de 2 ilhas de edição e uso de câmera Full HD.

Sobre a atuação do canal em outras plataformas, cita que, após a etapa inicial de reestruturação, precisará desenvolver presença organizada na internet. Ele acredita na importância de ocupar esses outros espaços, mas isso envolve muitas atividades para poucas pessoas. É preciso mobilizar novos integrantes para auxiliar na gestão do canal e suas múltiplas atividades.

Sinaliza que há um projeto de preservação e restauração do acervo da TV Comunitária de Niterói, mas lamenta que atualmente os conteúdos estão exclusivamente sob os seus cuidados, zelando pelas fitas paralelamente às atividades pessoais e de organização do canal. Nisso, a questão das múltiplas atividades e uso de redes sociais também é uma problemática.

Então perguntarmos sobre os usos do canal da TV Comunitária de Niterói no YouTube, os vídeos publicados e a pouca referência à tragédia do Morro do Bumba diante de tantos outros conteúdos, enquanto a imprensa ainda relembra e cobra providências aos governantes. Viviani esclarece que o canal do YouTube não é expressão da TV Comunitária de Niterói. Foi assumido de modo proativo por um militante que realizava upload de vídeos da TV Petroleira do Sindipetro RJ. Ao observarmos esses conteúdos, identificamos transmissão de manifestações, atos, ocupações de movimentos sociais como MTST, publicações sobre comunicação pública e filmagens na Câmara Municipal dos Vereadores, dentre outros. A seguir descritivo de um dos vídeos postados na mídia social YouTube, em 20 de novembro de 2014:

O MTST celebrou o Dia da Consciência Negra com uma manifestação na praia do Leblon, bairro nobre do Rio de Janeiro, denunciando o racismo e a desigualdade social no Brasil. A maior parte dos cerca de 500 manifestantes faziam parte (sic) da vitoriosa Ocupação Zumbi dos Palmares, de São Gonçalo, que conquistou na semana passada um acordo com a Prefeitura e o Governo Federal para a construção de mil casas populares. Reserve 4 minutos do seu tempo para conferir a cobertura da Tv Comunitária de Niterói e da Tv Petroleira do Sindipetro-RJ sobre o protesto dos trabalhadores sem teto no dia de Zumbi (TV COMUNITÁRIA DE NITERÓI, TV PETROLEIRA, 2014, online)85.

Por isso, Viviani deseja primeiro estabelecer o plano de ação (“marco zero”) do canal para promover sua atuação no “circuito extra-cabo”, com divulgação de mensagens nas redes sociais e também na página na internet que poderá ser alocado como extensão ao site do curso de Educação Física.

Com tom emotivo e enérgico, Viviani enfatiza que “é importante comprometimento político, a humanidade tem que entender que todos estão no mesmo barco”. Por isso, defende e luta pela causa do canal comunitário em Niterói. “A TV Comunitária faz discussão sobre a televisão. Que outra TV, se não a pública, poderia ser um laboratório de TV?”, questiona.

A pulverização de conteúdos por diferentes canais de comunicação (circuito extra- cabo) também foi uma preocupação da Caxias TV. Porém, de modo similar ao caso da TV Comunitária de Niterói, precisou dar um passo atrás para reavaliar essa atuação múltipla sem o apoio de equipe voluntária.

Santana relata que no desenvolvimento do canal na Web TV, houve diferentes visões para o projeto e algumas fora da realidade. Então, após um mês começaram os abandonos e com três meses grande parte do pessoal desistiu do projeto - alguns por desentendimento, outros por falta de patrocínio e não poder seguir voluntariamente. Relata, porém, que sempre acreditou no projeto e que não deixaria morrer, por isso foi adiante com a etapa de implantação do canal na TV a Cabo.

O entrevistado continua a descrição das dificuldades. Para conseguir legalizar, colocar no ar foi ainda mais complicado. Além da tecnologia requere alto investimento, os equipamentos são específicos e não são encontrados facilmente para venda no mercado. Também foi dificultoso para a NET liberar o canal, só depois sinalizaram que era outra tecnologia, e a cada momento faltava um equipamento. Assim, relata que há muitas adversidades pela falta de informação.

Por isso, Santana sintetiza: “o Canal Comunitário para as operadoras é um calo, elas não ganham nada com isso, mas gastam”. E no caso da cidade de Duque de Caxias, mais um

entrave: não tinha um hub próprio. E como a TV Baixada já estava liberada, operando com sinal para toda a Baixada Fluminense86, embora o canal seja de Belford Roxo, houve ainda mais empecilhos. Foi necessária uma manobra no sistema da NET para isolar o sinal da cidade de Caxias na NET, assim a TV Baixada deixou de transmitir nessa região e no lugar entrou a Caxias TV, transmitindo apenas para a cidade de Duque de Caxias e não para toda a Baixada.

Sobre o Canal da Cidadania e sua transmissão em sinal aberto digital, Santana relembra detalhes do processo. Para ele, seria um grande avanço, considerando que a TV por Assinatura possui restrição em virtude das assinaturas e o acesso a internet é muito dificultoso. Afirma que chegou a participar das palestras sobre esse projeto e Caxias foi a primeira cidade habilitada para o Canal da Cidadania. Porém, esbarrou em interesse político: “aqui em Caxias, temos atuação política similar ao Coronelismo”, relata em tom um pouco mais baixo e demonstrando certo receio. Santana afirma que há interesse direto no Canal da Cidadania, mas para se tornar realidade dependia de certo grupo que foi enfraquecido por conta de interesses e questões específicas da cidade de Duque de Caxias.

Para implantar o Canal da Cidadania, ele afirma que não há verba própria na Caxias TV. Porém, sinaliza que o projeto poderia ter sido implantado, uma vez que a câmara recebeu verba da prefeitura e depois, devolveu para a própria prefeitura sem explicações. Segundo ele, o valor era suficiente para implantar dois canais comunitários ou realizar a reforma do Teatro Câmara de Vereadores e o Canal da Cidadania, projetos que na época estavam sendo discutidos. No entanto, a questão parou, o projeto não foi adiante na Secretaria de Comunicação. No momento, relata que não consegue acesso ao andamento do processo e que as informações ficam limitadas, não há transparência.

Então, um desabafo: “Tudo é muito nebuloso... e complicado, nada claro. Não há informação técnica. Deveria ter suporte técnico, detalhes sobre tecnologia”. E segue explicando que Duque de Caxias possui sério problema de conexão à internet. Do total de vídeos que posta no Facebook e no YouTube, afirma que 99% foram feitos de seu domicílio que também possui conexão muito lenta. Por isso, muitas vezes precisa reduzir a resolução dos vídeos para fazer upload e com dificuldade. No estúdio da Caxias TV na Feuduc, não há sinal e nesse ponto, a operacionalização no Centro da cidade facilitará.

Além disso, a Web TV esteve fora do ar – no dia anterior à entrevista, eu mesma tentei acessar e não consegui. Ele relatou que precisou trocar o serviço de streaming. Quem acessa o

86Região do Rio de Janeiro que engloba os municípios de Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti,

canal online pode assistir a mesma programação da TV, uma forma de atingir outras regiões e pessoas uma vez que o sinal da Web TV é integrado com o sinal no cabo. Sobre o aplicativo que tinha chamada no site, foi sinalizado que não funciona mais, foi apenas uma experiência que não foi a frente.

Com relação aos equipamentos, Santana afirmou que durante quatro ou seis meses fez gravações para a TV com iPhone, gravava com telefone mais usava microfone de mão com adaptador. Atualmente utiliza duas câmeras, uma semiprofissional e outra da marca Panasonic. Inclusive, já fez gravações por webcam.

Pelo exposto, diferentes canais de comunicação como Facebook, YouTube, aplicativos, telefone, e-mail e sites são ferramentas que possibilitam o diálogo e aproximação com a sociedade, podendo complementar a atuação do canal comunitário. Porém, essas alternativas somente devem ser abertas e disponibilizadas, caso exista recursos humanos e materiais para utilizá-los e mantê-los em funcionamento. A criação desses canais sem monitoramento, pulveriza as possibilidades de acesso e dificulta tanto a consolidação do número de contatos, como a avaliação sobre a eficiência das trocas e efetiva participação da sociedade.

Apesar do entusiasmo com as tecnologias digitais e todas as facilidades possibilitadas com o manuseio de softwares, aplicativos e afins, a multiplicação de canais de contato sem a devida estrutura para atendimento pode gerar expectativas não atendidas. Uma vez que a TV Comunitária parece estar próxima e acessível da população através dessas possibilidades de comunicação, sem de fato estar. Além disso, o acesso apenas por telefone celular pode dificultar os contatos devido aos custos mais altos com ligações para telefones móveis quando comparamos com ligações para números fixos.

Por fim, diante da trajetória e do núcleo envolvido, a TV Comunitária de Niterói parece possuir pessoas mais engajadas na gestão do projeto, com estrutura melhor definida e um plano de ação elaborado para que o canal volte a funcionar plenamente. De todo modo, a gestão da Caxias TV, também reduzida em número de agentes, parece mais ousada e decidida a utilizar tecnologias a seu favor, vide a transmissão simultânea na Web TV e as constantes atualizações de conteúdos nas redes sociais.

Diante do cenário apresentado pelos gestores das TVs Comunitárias de Niterói e de Duque de Caxias, percebemos o quão complexa é a atuação desses canais públicos junto à sociedade com ausência de equipamentos, equipes e estrutura mínima para estabelecer um plano de ação que vise ao cumprimento de sua missão social. Contudo, mesmo em ambiente de mudanças e reestruturações, acreditamos na necessidade de problematizar o

desenvolvimento dessas iniciativas, para que tenham como referência a apropriação dos espaços públicos como forma de expressão democrática do sujeito social ao representar demandas locais através do uso de diferentes tecnologias.