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Apesar do acesso à internet ainda ser seletivo e não estar disponível para todos, as iniciativas comunitárias de TV podem representar espaços de expressão das comunidades, reproduzindo conteúdos em outros espaços, além do espectro radiodifusor. O uso da internet (com sites, canais de vídeos, microblogs, blogs, redes sociais, dentre outros dispositivos) pode se caracterizar como espaço de disputas sociais, sendo essencial sua apropriação pelos movimentos sociais, principalmente aqueles cujos objetivos visam a descentralização dos meios de comunicação, visando potencializar a participação da comunidade local. Portanto, o uso da internet e das redes sociais se configuram de modo complementar às ações comunitárias na TV, pela compreensão da importância da atuação nesses espaços.

Partindo do “reconhecimento de que a Internet se apresenta como mais uma arena de lutas e disputas pela hegemonia no interior da sociedade civil” (MORAES, 2009, p.231), indo além da conjuntura estruturante que envolve aspectos político-econômicos da comunicação comunitária, devemos considerar esse meio como uma plataforma de engajamento abastecida pelos fluxos de memórias e esquecimentos, pelas atividades encadeadas e ações cotidianas.

Diante da recorrente relação entre a palavra engajamento e uso dos dispositivos digitais, para melhor compreensão resgata-se aqui sua origem epistemológica no francês medieval engagier, de em gaje, cujos alguns significados são “sob compromisso, sob promessa” – de em (fazer) + gager (compromisso, garantia)47. O dicionário Michaelis48

caracteriza o termo como ato pelo qual um cidadão declara querer servir nas forças armadas

47Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/palavras/engajar/> Acesso em: 26 out 2016

durante tempo determinado; arrebanhar adeptos para uma causa política, social, filosófica etc; abraçar um ideal filosófico, social, político etc. e lutar por ele; alinhar-se a determinada ordem de ideias ou de ação coletiva; pôr-se a serviço de uma causa; empenhar-se, esforçar-se, lutar por. Apesar da sua ampla disseminação, tal conceito vem ganhando maior relevância na busca por conhecimentos sobre conteúdos e atividades que despertam este compromisso, envolvimento e fidelidade nos indivíduos.

De fato, somos seres sociais e, por natureza, engajados naquilo que nos interessa e desperta nossa atenção. No contexto de lutas sociais e reivindicações políticas, há anos filósofos e teóricos analisam a atuação da massa populacional em seus movimentos encadeados, reflexivos e reverberantes. Com a evolução tecnológica, a indústria de games também se apoderou desta concepção, atuando na vanguarda de uma avaliação minuciosa sobre quais recursos impactam no comportamento dos usuários, gerando maior envolvimento, interação, atratividade, imersão e experiência.

São inúmeras as possibilidades de engajamento ou envolvimento para estabelecimento de “laços sociais” (RECUERO, 2009), sendo importante mencionar que sua origem é orgânica no ambiente social, elo imprescindível para o estabelecimento de comunicação. Assim, a mudança da rotina, o abandono de possível automatismo na produção da comunicação comunitária não seria oportuno para proporcionar transformações sociais, tornando o engajamento parte propulsora de ruptura visando o coletivo? De acordo com Halbwachs (2006), a memória é constituída a partir dos vestígios e rastros que permaneceram e prevaleceram ao longo do tempo e da história. Desse modo, a “consciência social” pode ser construída através de dados (relatos, registros, textos, vídeos, fotografias) preservados e selecionados para a organização de uma determinada narrativa. Nesse caso, os meios de comunicação, principalmente os hegemônicos, promovem a configuração de discursos que se consolidam como verdade, história e consequentemente “consciência social”.

Há a homogeneização de fatos que prevalecem em detrimento de outros a partir do desenvolvimento narrativo. Neste caso, nos interessa observar como a TV Comunitária pode aprimorar suas atividades, apresentando outros enquadramentos, opiniões e pontos de vista, proporcionando um olhar diferenciado, ainda que também constituído a partir de determinados filtros. Sob esta perspectiva, parece necessário reforçar a missão dos meios de comunicação pública, sobretudo com atuação local comunitária, para expor e promover enfrentamentos em relação à consciência social moldada por discursos hegemônicos e que solidificada, engessa a construção da democracia e da cidadania. Como as narrativas midiáticas são reconstituições que chegam até nós, sendo apropriadas pela sociedade e

absorvidas como fatos inquestionáveis, há complexidade que envolve a consciência social ao se basear e configurar suas memórias em dados também já selecionados. E quanto maior o afastamento histórico, mas facilmente vieses podem ser reforçados devido à reconfiguração pautada em reconstituições.

Sobre a consolidação de crenças coletivas, Gohn (1997) também aponta que os estudos de Klandermans resgatam esse conceito, objetivando o entendimento de representações sociais e do papel das comunicações nos movimentos sociais. Através de diversas orientações teóricas, conclui que

crenças coletivas são criadas não por indivíduos isolados mas por indivíduos em comunicação e cooperação nas rotinas cotidianas, por meio de encontros em congressos, partidos; conversações informais em bares, restaurantes e viagens; telex, fax, E-mail, Internet etc. Esses espaços criam um misto de vida interpessoal, transformando o que não é familiar em coisas familiares. O protesto social é, portanto, construído socialmente (GOHN, 1997, p.84). Esse entendimento se aproxima do conceito de memória coletiva de Halbwachs (2006), que aponta a configuração de múltiplas vozes na constituição do coletivo, enquanto paradoxalmente o uno se configura pelos múltiplos encontros sociais. Adicionalmente, observamos que o “encontro virtual” dos grupos é considerado como suporte para a constituição de crenças coletivas, questão que pautará nossa investigação sobre o uso da internet como espaço para a participação e representação da comunidade nas ações e nos posts das TVs Comunitárias. E na sequência, na formação da memória e do esquecimento, a partir do diálogo sobre a atuação da comunicação comunitária.

Neste contexto, espera-se compreender como a TV Comunitária poderá pautar suas atividades de mobilização da sociedade e envolvimento da comunidade perante os conteúdos produzidos e disseminados, elaborando suas ações pelo uso complementar da Internet visando o engajamento. Portanto, a partir de estudo de caso sobre tragédia ocorrida na cidade de Niterói e a atuação da TV Comunitária de Niterói, será avaliada a construção da memória através da apropriação da Internet como espaço de inserção e de fluxos de comunicação, uma vez que é o próprio homem quem o desenvolve a partir de estruturas temporais.

A importância da construção de uma “solidariedade comunitária” a partir de movimentos sociais voltados para a comunicação pública como representante e voz da população local, pode ser melhor entendida através do conceito de memória coletiva. Cada um dos militantes e indivíduos de determinada comunidade resgata suas lembranças, suas histórias a partir da comunhão com o grupo social, visto que “temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem” (HALBWACHS, 2006, p.17).

Essa relação consigo mesmo e com o outro no presente, também pode caracterizar o perfil dos movimentos sociais já sinalizados por Gohn (1997). Portanto, devemos estar atentos para que a comunicação comunitária não substitua seus atores de interesse, assim como ocorre com a mídia privada - indo além, a atuação circunspecta deve procurar se envolver com os diferentes casos que permeiam a comunidade, não necessariamente se restringindo ao presente, aos temas e grupos que atraem atenção seguindo a lógica mercadológica de substituição de grupos ou personagens.

Nesse sentido, a memória individual corrobora através de pontos em comum com a construção e manutenção da memória coletiva. Para Halbwachs (2006), se a lembrança do indivíduo foi suprimida, isto indica que o mesmo não mais faz parte do grupo. Analogamente, para a formação de uma lembrança é necessário que haja concordância e união acerca de determinado evento fundamentado na comunhão social, a partir da aliança do indivíduo com a sociedade:

Para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum. Não é suficiente reconstituir peça por peça a imagem de um acontecimento do passado para se obter uma lembrança. É necessário que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como no dos outros, porque elas passam incessantemente desses para aquele e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade (HALBWACHS, 2006, p. 23).

O envolvimento ou engajamento com os sentimentos e ideias de um determinado grupo, a fundamentação num interesse comum muitas vezes nos confunde sobre a origem da lembrança ou da sensação. Se em nós mesmos ou nos outros. Para Halbwachs (2006, p.31), essa sensação nada mais é do que um eco daquilo que partilhamos através das influências recebidas de um grupo social. O autor ainda sinaliza que “a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada” (ibidem, p.48).

Pelo apresentado, é essencial o posicionamento diferenciado das iniciativas comunitárias de TV, buscando equilíbrio entre a linguagem jornalística e seu compromisso com a resistência ao propiciar espaço para a expressão da comunidade. Partindo deste pressuposto, entende-se a validade de acompanharmos os vestígios ou rastros disponíveis na Internet, visando mapear a atuação das atuais TVs comunitárias nesse meio, correlacionando a

memória e o esquecimento nas mensagens que impactam na construção da identidade local e da consciência social da comunidade.