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[ ] a transformação social não ocorre simplesmente por uma concentração massiva em

FRAGMENTO 3 Articulação de discursos

geracional, de pessoas com deficiência, de gênero, de orientação sexual, regional, religiosa, cultural e ambiental – se destaca na fala e remete novamente às metas estabelecidas no Fórum Mundial de Educação de Dacar (2000) para serem atingidas até 2015: garantir o acesso de todas as crianças em idade escolar à educação primária completa, gratuita e de boa qualidade; ampliar as oportunidades de aprendizado dos jovens e adultos; melhorar em 50% as taxas de alfabetização de adultos; eliminar as disparidades entre os gêneros na educação e melhorar todos os aspectos da qualidade da educação (UNESCO, 2007, p. 05).

O cumprimento dessas metas está entre as prioridades da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, que além de se comprometer em assessorar os governos, as organizações não-governamentais e a sociedade civil que trabalha com educação para alcançá-las, também fiscaliza suas ações através do “Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos”, publicado anualmente, com o objetivo de avaliar a situação educacional dos países que se comprometeram com as metas.

Como ressalta Burity (2006), o discurso pela inclusão social emergiu em meados da década de 90 do século passado em resposta tanto ao discurso classista dos movimentos de esquerda quanto ao neoliberal/privatista de alguns governos desse período. Conservadores e progressistas passaram a destacar a desigualdade social presente na sociedade brasileira e o fracasso das políticas públicas que visavam, apenas, o crescimento econômico. No entanto, na maioria das vezes o posicionamento em prol da “inclusão social” ou da “igualdade de oportunidades para todos” restringia-se, apenas, à questão da administração das desigualdades sociais por meio de técnicas de gestão, da elaboração de políticas públicas ou da alocação de recursos através de projetos, uma mera transformação das diferenças em demandas quantificáveis. Não havia uma compreensão do caráter político das diversas identidades, elas passaram a ser tratadas “como acidentes históricos a que se responde com metas, insumos e ações específicas, e não pontos em que os limites da ordem vigente são ou podem ser exibidos e testados” (BURITY, 2006, p. 49).

Posto isto, surgem, então, as perguntas: o posicionamento da SECAD/MEC em prol da inclusão social é apenas de gestão das desigualdades sociais por meio de políticas públicas ou o discurso pela diversidade sexual, também, está inscrito numa compreensão de caráter político das diferentes identidades que compõe o contexto escolar? Tentaremos responder a essas questões, explicitando, a partir do quarto volume dos “Cadernos SECAD”, os posicionamentos assumidos por esta secretaria em relação ao tema gênero e diversidade sexual na escola, a teoria educacional que ela afirma se fundamentar, as ações desenvolvidas para veiculação do seu discurso entre educadores e educadoras e os agentes que a mesma autorizou a disseminá-lo.

A série “Cadernos SECAD” consiste num conjunto de publicações que tem como objetivo informar sobre as políticas públicas e ações desenvolvidos por esse órgão. De acordo com a publicação (BRASIL, 2007, p.05), o documento foi elaborado visando o público de gestores/as, professores/as, profissionais da educação que atuam nos Sistemas de Ensino e parceiros institucionais, como o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e outras organizações que interagem com o Ministério da Educação. Ao todo são nove cadernos concebidos com os seguintes temas:

•••• Educação Ambiental: aprendizes de sustentabilidade; •••• Educação do Campo: diferenças rompendo paradigmas;

•••• Educação Escolar Indígena: a diversidade sociocultural indígena ressignicando a escola;

•••• Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer as diferenças e superar preconceitos;

•••• Proteger para Educar: a escola articulada com as Redes de Proteção de Crianças e Adolescentes;

•••• Educação em Direitos Humanos: democracia, liberdade e justiça social;

•••• Integração entre Instituições de Educação e Comunidade: caminhos para o exercício da cidadania;

•••• Educação de Jovens e Adultos: a construção de uma política pública.

O volume intitulado “Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer as diferenças e superar preconceitos”, publicado em maio de 2007, em formato de relatório, foi redigido por técnicos do próprio setor e está organizado em sete partes. Inicia-se com uma introdução, seguida de um capítulo teórico chamado “Marcos institucionais” que apresenta uma contextualização histórica sobre direitos humanos, gênero e diversidade sexual; os principais conceitos neste campo e a legislação relacionada à educação, à igualdade de gênero e ao reconhecimento da diversidade sexual. O capítulo subseqüente delineia um diagnóstico sobre gênero e diversidade sexual na educação e é acompanhado de outros dois que discorrem sobre as políticas públicas (capítulo 4) e os programas, projetos e atividades desenvolvidos pela SECAD (capítulo 5). O relatório termina com as referências bibliográficas e cinco documentos anexados113.

No fragmento 4, retirado do subitem “Principais conceitos relacionados à gênero e diversidade sexual” encontramos algumas pistas sobre as teorias de referência da SECAD. A primeira indicação encontra-se no início do fragmento. Os/as autores/as começam o texto usando uma oração escrita em voz passiva que ressalta a interdependência entre gênero, identidade, sexualidade e orientação sexual e a subordinação desses elementos a fatores históricos, sociais e culturais.

113 Os documentos anexados são: o decreto de 15 de julho de 2004, que institui Grupo de Trabalho Interministerial

com a finalidade de elaborar Plano Nacional de Políticas para as Mulheres; o decreto nº 5.390, de 8 de março de 2005, que aprova o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM, institui o Comitê de Articulação e Monitoramento e dá outras providências; o decreto nº 5.397, de 22 de março de 2005, que dispõe sobre a composição, competência e funcionamento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD; a portaria nº 4.032, de 24 de novembro de 2005, que institui o Grupo de Trabalho para acompanhar a implementação do Programa Brasil Sem Homofobia no Ministério da Educação e a portaria nº 928, de 26 de abril de 2006, que designa os membros do Grupo de Trabalho para acompanhar a implementação do Programa Brasil Sem Homofobia no Ministério da Educação.

FRAGMENTO 4 – Teoria de referência –

O trecho faz uma referência implícita às teorias biologicistas e, desde o início, introduz uma fronteira diferencial com as mesmas, que vai ficando mais evidente quando destaca a necessidade de se buscar contribuições transdisciplinares inseridas no plano da ética, dos direitos humanos e numa perspectiva emancipatória. Nos três últimos parágrafos, os/as autores fazem uso de uma série de citações diretas de Guacira Louro, Teresa de Lauretis e Joan Scott, autoras conhecidas no campo acadêmico por discutirem o tema gênero e educação numa perspectiva pós-feminista. Tal abordagem, como explicitado no terceiro capítulo desta tese, estuda os dispositivos da sexualidade presentes na educação escolar e as formas como eles atuam na constituição das identidades de estudantes e docentes, se posiciona contra a heteronormatização e defende o desenvolvimento de uma pedagogia que valoriza as diferenças de gênero e de orientação sexual. O texto também aponta que o trabalho da SECAD está pautado no conceito de qualidade social da educação (2º parágrafo), fazendo uso, novamente, do recurso da citação direta. A idéia de qualidade social na educação, segundo Ramos (2008) surgiu no final da década de 90, do século passado, nos setores de esquerda e tem como princípios o respeito à diversidade, o avanço da sustentabilidade ambiental, a garantia da democracia e a construção de uma educação básica fundamentada nos direitos humanos. Tal proposta, como salienta Varjal (2008), defende a articulação Estado/sociedade civil na administração da coisa pública, promovendo a distribuição do poder e evitando a descontinuidade das ações, fenômeno comum na sociedade brasileira.

A referência a tais perspectivas – político-esquerdista, pós-feminista e de direitos humanos – situa a SECAD como um espaço discursivo pautado na lógica da parceria entre o setor político-governamental, acadêmico e da sociedade civil organizada. No fragmento 5, isto é dito explicitamente.

O fragmento 5 corresponde à primeira página do capítulo intitulado “Gênero e diversidade sexual na educação: políticas públicas” e é subseqüente ao capítulo do diagnóstico sobre a diversidade sexual no

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